Um combatente da FMLI treina com uma metralhadora M60. Foto: Keith Kristoffer Bacongco CC B Y 2.5
Um combatente da FMLI treina com uma metralhadora M60. Foto: Keith Kristoffer Bacongco CC B Y 2.5

 

Manila, Filipinas, 12/2/2014 – O acordo de paz assinado entre o governo e o maior grupo rebelde e separatista do país, a Frente Moro de Libertação Islâmica (FMLI), após dois anos de intensas negociações, abre caminho para resolver uma das guerras internas do mundo. O acordo de 25 de janeiro estabelece o desarmamento e um processo de integração de aproximadamente 12 mil combatentes da FMLI às forças de segurança filipinas.

Assim, seria possível pôr fim ao principal desafio armado à integridade territorial das Filipinas e a quatro décadas de um conflito que deixou 150 mil mortos, na maioria civis, na ilha de Mindanao, ao sul. Por outro lado, o governo facilitará a criação da entidade política autônoma de Bangsamoro nas regiões predominantemente muçulmanas de Mindanao. Se prevê que o Congresso filipino dê existência legal à nova entidade este ano.

Porém, vozes críticas duvidam da viabilidade do acordo de paz e questionam a escassa inclusão com que foram celebradas as negociações. “Chegar até aqui implicou um caminho difícil e sabemos que o que temos pela frente continuará repleto de desafios”, afirmou Teresita Deles, assessora presidencial especial para as negociações de paz. “Em um mundo que busca soluções pacíficas para todos os problemas, estamos agradecidos por termos encontrado a nossa”, acrescentou.

Decidido a otimizar os dividendos diplomáticos das negociações, o governo do presidente Benigno Aquino espera finalizar a criação de Bangsamoro antes do fim de sua gestão, em 2016. Isso significa que a minoria muçulmana poderá finalmente desfrutar de uma importante autonomia sociocultural e política, pois o governo de Bangsamoro terá poder de administrar os recursos naturais e fiscais dessa região.

Governantes de todo o mundo saudaram o acordo, com a esperança de que um Mindanao mais estável contribua para minimizar o fundamentalismo islâmico e o extremismo no sudeste asiático.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, felicitou o governo de Aquino por “concluir as negociações para um acordo de paz histórico e amplo”, e elogiou a promessa de “paz, segurança e prosperidade econômica para hoje e para as futuras gerações de Mindanao”. Washington também elogiou a Malásia e o Grupo Internacional de Contato, integrado por especialistas em resolução de conflitos de todo o mundo, por seu crucial papel na mediação do acordo final, assinado em Kuala Lumpur.

Por outro lado, investidores internacionais se voltam para o potencial econômico do acordo. Estima-se que Mindanao possui recursos naturais não explorados, principalmente minerais, no valor de US$ 300 bilhões. Enquanto cresce a insegurança jurídica em grandes centros de mineração, como a Indonésia, os investidores consideram as perspectivas de operar em grande escala em áreas ricas em recursos, como Mindanao.

As Filipinas já estão entre as economias de crescimento mais rápido da Ásia, com um crescimento anual médio do produto interno bruto (PIB) de 6% a 7% nos últimos anos. O governo de Aquino busca integrar as regiões de Mindanao, desatendidas por muito tempo, à onda econômica que vive o resto do país. Em Mindanao está uma das regiões mais pobres do país. E, nos últimos anos, a pobreza aumentou nas províncias de maioria muçulmana.

Como Mindanao sofre um relativo atraso em matéria de infraestrutura, os esforços de reconstrução após o conflito podem aumentar de modo significativo o gasto interno e os investimentos. Graças à sua geografia favorável e às suas terras férteis, a ilha também tem potencial de celeiro do país. A recuperação econômica de Mindanao pode impulsionar o crescimento do PIB filipino em 0,3%, segundo o economista Jeff Ng, da Standard Chartered.

Mas as Filipinas têm desafios tremendos pela frente. Grupos cindidos, como os Combatentes Islâmicos pela Liberdade de Bangsamoro, se opõem ao acordo e estão comprometidos a continuar sua luta contra o governo. Imediatamente após a assinatura do acordo as forças armadas lançaram uma ofensiva contra este grupo, para erradicar a resistência à implantação da região autônoma de Bangsamoro.

No ano passado, alguns grupos rebeldes, entre eles membros da organização mãe da FMLI, a Frente Moro de Libertação Nacional (FMLN), tentaram sabotar as negociações sitiando a cidade de Zamboanga. O resultado foi uma enorme crise humanitária e semanas de confrontos militares, que puseram à prova a força das conversações. A principal objeção de outros setores rebeldes é que foram excluídos dos diálogos e que não confiam no governo filipino. Em 1996, o governo e a FMLN selaram um acordo de paz que permitiu criar a Região Autônoma de Mindanao Muçulmano.

No entanto, a tentativa fracassou, pois a FMLN deveria enfrentar os desafios de governança nas áreas menos desenvolvidas das Filipinas. As posteriores administrações fizeram pouco para cumprir o acordado. O governo de Joseph Estrada (1998-2001), por exemplo, lançou uma guerra aberta contra outros grupos rebeldes, como o FMLI. O então mandatário dizia que “às vezes é preciso travar a guerra para ganhar a paz. É preciso mostrar que há apenas uma bandeira, forças armadas unidas, um governo”.

Entre outras autoridades, Deles reconhece que aquele acordo “não implantou mecanismos de reconstrução pós-conflito”. O governo não assumiu compromissos críveis e sustentados para garantir a reintegração social dos rebeldes e a reabilitação das áreas afetadas pela guerra. Assim, nada a estranhar o fato de haver dúvidas de que o próximo governo garantirá a ajuda adequada às autoridades de Bangsamoro.

Para muitas organizações da sociedade civil, as negociações tampouco permitiram que uma série de comunidades indígenas participasse plenamente da concepção de uma nova entidade autônoma em Mindanao. Contudo, a maior ameaça se origina nos senhores da guerra e nas oligarquias locais, profundamente arraigadas, que tentarão sequestrar a nova institucionalidade estabelecendo redes de clientelismo e controle.

Ao que parece, o governo de Aquino gerou suficiente impulso para instaurar uma nova ordem política em Mindanao. Mas ainda falta ver se a FMLI transitará com êxito de organização rebelde a agente efetivo de governabilidade em Mindanao, algo que só pode conseguir com um compromisso sustentado das autoridades nacionais durante as próximas décadas. Envolverde/IPS