A nórdica Finlândia é um país famoso no ramo da alta tecnologia e dos ótimos índices de desenvolvimento humano. Foi preciso a crise da dívida pública tumultuar a Europa nos últimos anos para que a nação ganhasse uma nova imagem, consideravelmente pior. Agora, o país é sinônimo de austeridade fiscal e de criar toneladas de exigências para ajudar integrantes da Zona do Euro em dificuldade.
Em proporção menor aos alemães, os finlandeses se transformaram nos xerifes das contas alheias. Um poder grande para uma economia pequena, que vem da obrigatoriedade de os 17 membros da moeda única decidirem de forma unânime sobre temas comuns (e importantes), como empréstimos a países economicamente debilitados.
Esse mecanismo permite que o país escandinavo, de aproximadamente 5,4 milhões de habitantes, decida como 46 milhões de espanhóis devem gerir suas contas para que os bancos do país tenham acesso a um resgate de até 100 bilhões de euros. E a Finlândia é cuidadosa em suas exigências. Após a aprovação do empréstimo às instituições financeiras espanholas, pelo qual 30 bilhões devem ser liberados até o fim do mês, a Finlândia foi o único do bloco a pedir garantias da devolução do dinheiro. O ministro de Economia da Espanha, Luis de Guindos, respondeu que já trabalha com um acordo bilateral para devolver esses fundos. Um acordo semelhante foi feito entre o governo finlandês e a Grécia, para que o país aprovasse o segundo plano de resgate à Atenas. Todo esse poder advindo de apenas 1,79% de contribuição do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) e 11,14 bilhões de euros para o Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
A Finlândia é governada por uma coalisão de seis partidos com opiniões amplas, o que ajuda o país a se tornar um parceiro mais difícil que o normal. Uma das poucas economias da União Europeia que ainda conserva a nota máxima de classificação financeira, o triplo A, o país tem imposto rígidas condições para ajudar os países em dificuldades. Recentemente, ameaçou vetar um acordo do final de julho para comprar títulos da dívida diretamente das economias em risco e enviou um recado por meio da ministra de Finanças, Jutta Urpilainen: os finlandeses não vão pagar as dívidas dos demais países da Zona do Euro, mesmo que isso signifique deixar a moeda. “A Finlândia não vai se manter no euro a qualquer preço”, disse. A saída não seria uma surpresa.
O país também esperneia contra a adesão de Bulgária e Romênia no Espaço Schengen, em uma batalha com apoio da Holanda. Desde a entrada romena na União Europeia em 2007, a Finlândia recebe um fluxo grande de minorias ciganas, que poderia aumentar se os romenos tivessem circulação livre na Europa.
Apesar da intransigência, o país é um exemplo bem sucedido de recuperação econômica. No auge da crise, a Finlândia viu seu PIB despencar 8,4% em 2009 e a renda per capita passar de quase 52 mil dólares por ano para 45,1 mil em menos de 12 meses. Desde então, apoiado em um programa de cortes de gastos e estímulo ao consumo interno, o PIB entrou em uma sequência de crescimento, que deve resultar em um avanço de 1,2% em 2012 e uma recuperação da renda para 48 mil dólares. Isso em um momento no qual a Zona do Euro apresenta expectativa de recessão.
Em meio a uma Europa com problemas financeiros, a Finlândia se mantém razoavelmente protegida. Um cenário proporcionado por um mercado doméstico robusto que consumiu 2,7% mais no primeiro trimestre de 2012, um sistema bancário saudável, finanças públicas no azul e baixa exposição aos países mais endividados. No último ano, a economia do país subiu 2,9%, contra 3% da Alemanha e o desemprego está entre os mais baixos do continente. Parte destes resultados está relacionada ao aperto fiscal que o país prega ao restante da Europa, mas também cumpre em casa. Entre janeiro e março deste ano, as despesas com investimentos cresceram apenas 1,3% e os gastos do governo, somente 0,9%. Uma receita que parece mais adequada a um país com PIB de apenas 238 bilhões de dólares, que para uma nação como a Itália, com 2 trilhões de dólares.
Mas a situação finlandesa não é composta apenas por fatores positivos. O cenário cada vez mais precário de grandes economias europeias, como Itália e Espanha, levou a deterioração das exportações do país. Em 2008, o setor representava 46,9% do PIB, caindo para 39,1% em 2011 e deve chegar a 37,8% neste ano. Um problema que ameaça o crescimento do país e afeta as importantes indústrias de comunicação e tecnologia.
Os impostos aumentaram como reflexo. As taxações sobre a renda são altas e complexas, variando de 0% para quem ganha abaixo de 15,2 mil euros por ano a 30% para quem recebe mais de 66,4 mil euros. Outras taxas podem, no entanto, elevar esses índices para 52% entre os maiores salários. O governo também está considerando novos cortes de gastos públicos em áreas como educação, defesa, saúde e transporte público. Mas os partidos de esquerda da coalizão são contra novos apertos na saúde e educação, apoiando uma lima em áreas ineficientes. Outra opção avaliada para diminuir uma expectativa de déficit perto de 7,5 bilhões de euros em 2012 é taxar os carros que emitem mais CO2.
A resposta para essa equação deve considerar, porém, que ao aumentar impostos, o poder de compra dos trabalhadores se erode. E a aposta do governo para o crescimento é no consumo.
* Com informações AFP.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.