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Firmeza e tato da ONU com desaparecimentos forçados no México

Uma das manifestações de mães de desaparecidos no centro da Cidade do México. Foto: Daniela Pastrana/IPS
Uma das manifestações de mães de desaparecidos no centro da Cidade do México. Foto: Daniela Pastrana/IPS

 

Genebra, Suíça, 23/2/2015 – “O Comitê da ONU contra os Desaparecimentos Forçados não é um tribunal e digo isso para evitar qualquer mal-entendido”, enfatizou o especialista alemão Rainer Huhle, ao apresentar, no dia 13, as recomendações ao governo do México, assediado pela proliferação alarmante desse crime. A advertência de Huhle, um dos dez integrantes desse corpo da Organização das Nações Unidas (ONU), precisou como são a linguagem e os tempos da diplomacia internacional mesmo no caso candente de dezenas de milhares de desaparecimentos como os denunciados no México.

O documento do Comitê descreve “um contexto de desaparecimentos generalizados” em grande parte do México, afirma que muitos deles poderiam ser incluídos na categoria de desaparecimento forçado e admite que já eram cometidos quando entrou em vigor, em dezembro de 2010, a Convenção Internacional para Proteção de Todas as Pessoas Contra os Desaparecimentos Forçados.

O texto emprega o verbo no condicional para censurar o governo mexicano, em um tom de suave repressão, repetindo, por exemplo, “o Estado parte deveria…” em várias de suas recomendações. Mas sem ignorar nenhum dos aspectos mais graves do crime. “A análise me parece muito pontual em tudo”, afirmou à IPS a mãe de um desaparecido, Maria Guadalupe Fernández, uma integrante ativa das Forças Unidas por Nossos Desaparecidos em Coahuila e no México.

O advogado Michael Chamberlin, do Centro Diocesano de Direitos Humanos Fray Juan de Larios, do Estado de Coahuila, também considerou “positivo o Comitê reconhecer o caráter generalizado dos desaparecimentos, porque dimensiona corretamente a magnitude do fenômeno no México”. Ele disse à IPS que o Comitê agiu certo “em fazer constar a falta de um registro preciso dos desaparecimentos ligado a mecanismos de busca eficientes e de ofício para desaparecimentos recentes e do passado, sensível a condições de gênero, idade e nacionalidade.

A falta de dados precisos sobre o número de desaparecidos foi uma das reclamações mais fortes feitas pelo Comitê, que estabeleceu como prioridade que o Estado mexicano o solucione favoravelmente no prazo de um ano. Uma das estimativas, originada no governo e divulgada pela Anistia Internacional, eleva o número de desaparecidos nos últimos oito anos para cerca de 22.600.

“Esses números mudaram várias vezes. Não podemos confiar nesses dados porque desconhecemos como são obtidos”, afirmou à IPS Huhle, membro do Comitê que examinou o México durante uma audiência especial nos dias 2 e 3 deste mês, nessa cidade suíça. “Depois de um ano, esperemos que as autoridades nos digam que conseguiram. Elas devem compreender que isso é uma prioridade. Naturalmente, não esperamos ter um quadro perfeito em um ano, mas antes terão que ter avançado alguns passos”, acrescentou.

O Comitê também fixou prazo de um ano para que o México cuide do problema dos migrantes, em sua maioria procedentes da América Central e de alguns países sul-americanos, “que cruzam o México em busca do paraíso ao norte do rio Grande”, no vizinho Estados Unidos, pontuou Huhle. Neste ponto, o Comitê empregou uma linguagem mais dura ao afirmar sua “preocupação” pelo desaparecimento de migrantes, “incluindo crianças e entre os quais haveria casos de desaparecimentos forçados”.

O terceiro prazo de um ano concedido pelo Comitê diz que o México “deveria redobrar seus esforços com vistas à busca, localização e libertação” dos desaparecidos. Chamberlin também considera positivo para os ativistas a demanda do Comitê para que se harmonize a legislação do país, apesar de seu caráter federal, bem como aponte a impunidade em matéria de desaparecimentos forçados e como as autoridades evitam a investigação dos casos, aos disfarçá-los com outras figuras delitivas.

Fernández, mãe de José Antonio Robledo Fernández, engenheiro desaparecido em janeiro de 2009 aos 32 anos, ressaltou que o Comitê “chamou a atenção para um problema tão grave que ultrapassou o México”. E acrescentou que o fez mediante a implantação de mecanismos “que não fiquem em projetos de médio e longo prazos mas que sejam imediatos, para que, de verdade, apoiem todos os familiares que há no país em busca de seus entes queridos”.

Mas Fernández discordou da decisão do Comitê de dar ao Estado mexicano até 2018 para cumprir suas recomendações, com a exceção dos três prazos de um ano sobre desaparecimentos, migrantes e busca de desaparecidos. “Desconfio que o Estado cumpra e atenda todas as recomendações do Comitê em apoio às vítimas indiretas dessa emergência nacional, e ponha fim a todas as violações dos direitos humanos e implante normas que devem ser imediatas”, argumentou.

Entre as lacunas do Comitê, Chamberlin destacou que não foi citada a falta de independência da procuradoria “como uma das razões fundamentais para a impunidade no caso de desaparecimentos”. Só foi mencionado no caso da justiça militar, afirmou o advogado, acrescentando que o órgão não considerou a crise de credibilidade das instituições de justiça no México. Se o tivesse feito, teria exortado o Estado a colaborar plenamente com o grupo de especialistas em matéria de desaparecimentos forçados da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Esses especialistas farão várias visitas ao longo deste ano ao país, como parte das medidas cautelares ditadas pela CIDH para seguir o caso dos 43 estudantes de magistério da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero, que desapareceram no dia 26 de setembro. O grupo da CIDH se ocupará “não apenas de investigar e as falhas na investigação, mas também de dar certeza aos familiares das vítimas”, enfatizou Chamberlin à IPS.

O defensor dos direitos humanos pediu “um papel mais proativo do Comitê e não apenas de observador da grave situação no México”. E perguntou: “afinal, de quantos outros Estados se pode dizer que existe uma situação generalizada de desaparecimentos?”. Envolverde/IPS