Nações Unidas, 21/1/2015 – Os dez anos de prisão e as mil chicotadas impostos pelo regime conservador e autoritário da Arábia Saudita a um blogueiro e ativista provocaram a condenação internacional e revelam a impotência da Organização das Nações Unidas (ONU) diante de casos como este.
Raif Badawi foi condenado por exercer seu direito à liberdade de opinião e de expressão na página da internet chamada Free Saudi Liberals (Libertar os Liberais Sauditas). A condenação também inclui multa equivalente a US$ 266 mil.
A crítica mais forte aconteceu no dia 15, por parte do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), o jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein. “A flagelação é, na minha opinião, no mínimo, uma forma de castigo cruel e desumano”, afirmou o ex-embaixador da Jordânia junto às Nações Unidas. “Esse tipo de castigo é proibido pelo direito internacional dos direitos humanos, em particular pela Convenção Contra a Tortura, que a Arábia Saudita ratificou”, acrescentou.
Os analistas concordam que a decisão da Arábia Saudita é uma burla à convenção internacional, da mesma forma que são outros abusos, como a tortura que as agências de inteligência dos Estados Unidos praticam contra suspeitos de terrorismo.
Nestes casos a ONU é impotente e não pode punir os países infratores porque os Estados membros têm a última palavra, salvo quando são sancionados pelo Conselho de Segurança, único órgão das Nações Unidas capaz de adotar resoluções obrigatórias.
Badawi recebeu as primeiras 50 chicotadas no dia 9 deste mês e vai receber 50 a cada sexta-feira, dia do descanso santo para os muçulmanos, até completar as mil chicotadas de sua condenação. Segundo a Anistia Internacional a flagelação prevista para sexta-feira passada foi adiada por motivos médicos, porque Badawi ainda não se recuperara dos açoites do dia 9.
“Badawi é um preso de consciência. Procurava somente defender seu direito à liberdade de expressão e por isso está sendo castigado de uma maneira horrorosa”, afirmou à IPS Sevag Kechichian, investigadora da Anistia Internacional Arábia Saudita. “Os açoites e a condenação de dez anos são testemunhas dos extremos a que chegam as autoridades sauditas para sufocar a dissidência”, ressaltou.
Em lugar de continuar com as chicotadas, as autoridades sauditas devem levar em conta a indignação internacional por seu caso e determinar a liberdade imediata e incondicional de Badawi, afirmou Kechichian. A ativista recordou que a Arábia Saudita qualificara de “covarde” o atentado do dia 7 deste mês contra o semanário francês Charlie Hebdo, em Paris. No dia seguinte as autoridades sauditas “açoitaram Badawi por exercer seu direito à livre expressão. Devemos denunciar essa hipocrisia. Precisamos envergonhá-los para que tomem medidas já”, ressaltou.
Adam Coogle, investigador da organização de direitos humanos Human Rights Watch, disse à IPS que a declaração do ACNUDH qualifica corretamente a flagelação de tortura e pede à Arábia Saudita que erradique essa prática. “Recebemos bem o comunicado do ACNUDH, mas pedimos a Hussein e à ONU que continuem vigiando e criticando publicamente a Arábia Saudita quando impuser castigos severos e draconianos contra ativistas e dissidentes pacíficos”, acrescentou.
No que foi considerada uma “reprimenda diplomática pouco comum”, os Estados Unidos criticaram a Arábia Saudita, um de seus aliados mais próximos no Oriente Médio, e exortou o governo saudita a revogar a sentença e revisar o caso. Washington se opõe firmemente às leis que limitam a liberdade de expressão e de cultos, como as leis de apostasia, e exorta todos os países que defendam esses direitos na prática, afirmou aos jornalistas, no dia 8, a porta-voz do departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki.
Javier El Hage, advogado da não governamental Fundação de Direitos Humanos, com sede em Nova York, disse à IPS que o governo da Arábia Saudita foge das obrigações assumidas pelo país em virtude da Convenção Contra a Tortura. “O Comitê da ONU Contra a Tortura deve pedir ao governo da Arábia Saudita o fim imediato dos açoites ao Sr. Badawi, já que esse tipo de castigo constitui uma clara violação das obrigações assumidas por Riad”, acrescentou.
O Artigo 20 da Convenção faculta ao Comitê da ONU Contra a Tortura realizar “investigações de ofício se recebe informação confiável que pareça indicar de forma fundamentada que a tortura é praticada sistematicamente no território de um Estado parte”, destacou Hage.
Embora o Comitê não tenha poder coercitivo para obrigar a Arábia Saudita a parar a flagelação, como ocorre com a maioria das obrigações do direito internacional, pode informar sobre o caso, condenar o país e emitir recomendações, acrescentou o advogado.
Em comunicado divulgado na semana passada, Hussein apelou ao rei da Arábia Saudita para que detenha o castigo público e perdoe Badawi, e também para que reconsidere com urgência esse tipo de castigo, extraordinariamente severo. O caso de Badawi é mais um em uma série de julgamentos contra ativistas da sociedade civil, segundo o comunicado.
No dia 12 deste mês, um tribunal de apelações confirmou a sentença contra o advogado e cunhado de Badawi, Waleed Abu Al-Khair Badawi, por ofender a magistratura e fundar uma organização sem autorização e ampliou a sua condenação de dez para 15 anos de prisão.
O Comitê da ONU Contra a Tortura expressou reiteradamente sua preocupação pela prática de açoites por parte dos Estados e pediu sua erradicação. No ano que vem as Nações Unidas examinarão a aplicação da Convenção por parte da Arábia Saudita. Envolverde/IPS