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Flores para romper o ciclo da pobreza na Caxemira

Trabalhador em uma estufa de flores de Rubeena Begum. Foto: Athar Parvaiz/IPS
Trabalhador em uma estufa de flores de Rubeena Begum. Foto: Athar Parvaiz/IPS

 

Srinagar, Índia, 15/7/2013 – Rubeena Begum sonhava quando menina em ser médica e obter uma renda decente trabalhando em um dos 30 hospitais do Estado da Caxemira, no norte da Índia. No entanto, jamais imaginou que acabaria ganhando a vida em um contexto muito mais natural do que centros de saúde cheirando a desinfetante. Parada diante da bela paisagem criada por suas várias estufas cobertas de polietileno, agora Begum aponta com orgulho para as perfumadas flores de seu interior. É que lilases, gladíolos, cravos e outras mudaram sua vida para sempre. Não as cultiva apenas por seu perfume ou suas propriedades terapêuticas.

As flores também lhe proporcionam uma renda considerável no mercado local, que já permitiu a Begum pagar boa parte dos empréstimos que fez para iniciar seu negócio de flores. Ela começou em 2006 com apenas seis estufas, levantadas em cerca de dois mil metros quadrados de terra no distrito de Budgam, na Caxemira, e em seis anos duplicou a empresa. Os bancos que antes recusavam empréstimos a esta jovem empreendedora, pedindo incontáveis documentos como prova de que poderia pagá-los, agora se aproximam dela oferecendo quantias ainda maiores para manter seu bem-sucedido empreendimento.

Begum contou à IPS que se converteu na personificação do espírito empreendedor da Caxemira, onde meio milhão dos cerca de dez milhões de habitantes estão desempregados. Os especialistas culpam por esta situação o conflito armado que corroeu cada aspecto da vida neste Estado pitoresco mas atribulado durante duas décadas. Anualmente, cerca de 2.500 jovens se formam nas universidades locais com títulos de pós-graduação. Quem não consegue um dos poucos empregos que há no setor governamental ou nas indústrias do turismo, na agricultura ou no artesanato acaba buscando desesperadamente um trabalho que não existe.

Hoje em dia, a floricultura parece oferecer uma maneira de romper o ciclo de pobreza do qual muitos jovens já temiam nunca poder escapar. Begum estava atenta às oportunidades de trabalho quando ouviu um programa de rádio onde se elogiava as virtudes dos empreendimentos agrícolas, e do cultivo de flores em particular. “Desde criança fui apaixonada por flores. As colhia e decorava minha casa com elas. Então, soube que isto era o que eu precisava fazer”, afirmou.

Após receber treinamento básico no Instituto de Desenvolvimento Empresarial de Jammu e Caxemira sobre como construir estufas cobertas com polietileno, bem como assessoria do Departamento de Floricultura sobre as técnicas básicas de cultivo e colheita, Begum pôs mãos à obra. Embora reticente em divulgar detalhes de seus ganhos, ela se apressa a dizer que há pouco ampliou suas operações, alugando 23 hectares de terra para cultivar rosas búlgaras e lavanda.

Begum transporta muitas de suas flores e de seus óleos aromáticos a centros de coleta na Caxemira, de onde distribuidores os levam para o outro lado da fronteira, para cidades indianas como Nova Délhi, Mumbai ou Hyderabad, onde há uma grande demanda por flores para festivais religiosos, cerimônias de casamento e oferendas em templos. Ela também vende extratos como óleo de rosas (usado em perfumaria), água de rosas (para cosméticos e produtos médicos) e óleo de lavanda (empregado em cosméticos e na medicina alternativa) em sua loja no Aeroporto Internacional de Sheikh-ul-Alam, em Srinagar.

O Instituto Indiano de Medicina Integradora, com sede em Jammu, também facilita as vendas de seus produtos, ao colocá-la em contato com compradores interessados nas propriedades medicinais das plantas. Segundo especialistas consultados pela IPS, um ramalhete de dez cravos de alta qualidade costuma ser vendido entre US$ 5 e US$ 15, enquanto um quilo de óleo de rosas permite ganho de até US$ 7 mil no mercado indiano. Estimativas oficiais indicam que a indústria das flores na Caxemira tem o potencial de faturar US$ 100 milhões anuais, já que a produção local é de excepcional qualidade.

Os jovens que incursionam em massa no setor não parecem se importar muito se isto se deve ao ar fresco e limpo da montanha ou ao rico solo do Himalaia. Shahnawaz Rasool Dar, um jovem do centro de Srinagar, começou a cultivar flores há pouco tempo no distrito de Baramulla, em uma área de 1,6 hectare. “Trabalhava em uma empresa privada fora da Caxemira, mas ao ver o potencial da floricultura local me apressei a voltar”, contou à IPS em seu estabelecimento, onde crescem gérberas, cravos e rosas.

Sua empresa, Bismillah Flora, ainda é incipiente, e fatura cerca de US$ 4 mil por ano, mas Dar acredita que pode transformá-la em uma importante operação empresarial. Com estudos e conhecimentos técnicos, Dar passa horas na internet, pesquisando as melhores práticas científicas, como a distância ideal entre as fileiras de flores ao plantá-las e as técnicas ótimas de irrigação, e também compra sementes de empresas prestigiadas.

Segundo o Departamento de Floricultura da Caxemira, somente no último ano mais de 1.100 jovens começaram a cultivar flores para ganhar a vida. As regiões mais populares para esta atividade incluem os distritos de Budgam, Srinagar e Baramulla, no vale da Caxemira, bacia fértil do rio Jhelum, onde o clima é ideal para cultivar flores delicadas, segundo Sunil Mistri, diretor desse departamento. “O agricultor médio pode ganhar uma renda extra anual de US$ 3 mil se também cultiva flores”, afirmou à IPS.

Yavid Ahmad, encarregado de floricultura em Budgam, informou que no último ano chegou a 375 o número de agricultores dedicados a esta área. Uma vez registrados junto a esse departamento, eles passam a receber regularmente conselhos de especialistas e empréstimos subsidiados que variam entre US$ 3,3 mil e US$ 16 mil, para incentivar mais pessoas a entrarem nessa atividade.

Os empreendimentos individuais têm um efeito multiplicador sobre o emprego. Por exemplo, atualmente Rubeena Begum contrata 53 trabalhadores para cuidarem da sua produção, pagando aos diaristas US$ 5 e aos empregados regulares entre US$ 70 e US$ 100 por mês. Ansioso por capitalizar estes êxitos, o governo planeja desenvolver o setor no âmbito nacional. Mistri disse que o Departamento de Floricultura logo criará instalações para o armazenamento a frio em vários centros da Caxemira, a fim de garantir que as flores permaneçam frescas até serem compradas pelos clientes finais. Envolverde/IPS