Rio de Janeiro, Brasil, 25/5/2011 – O Fundo Monetário Internacional provavelmente continue sendo dirigido por uma personalidade europeia, após a renúncia do francês Dominique Strauss-Khan, mas o debate gerado em torno de sua substituição indica que esse eurocentrismo dificilmente se sustente na próxima sucessão. A persistência da regra não escrita que impõe um europeu como diretor-gerente do FMI exala “um mau cheiro colonial”, disse Moisés Naim, do norte-americano Carnegie Endowment for International Peace, em um artigo para o jornal Folha de S.Paulo.
Desde a criação do FMI e do Banco Mundial, em 1944, Europa e Estados Unidos comandam estas duas instituições, em uma divisão de poder que perdeu sua base diante do crescimento econômico dos países emergentes e da crise financeira que enfraqueceu as nações ricas a partir de 2008. A nova realidade econômica mundial já foi reconhecida em algumas instâncias, como o Grupo dos 20, que reúne velhas potências e as maiores economias do mundo em desenvolvimento, para apresentar orientações econômicas.
As notícias dos últimos dias destacam a disputa pelo cargo máximo do FMI, sem desnudar o caráter dessa regra ou distorcendo o significado da mudança. Entre um “ou uma” representante das potências ocidentais “com princípios, desde que não sejam os do consenso de Washington, e um emergente servil, ficaria com o primeiro, ou primeira”, disse à IPS o ex-chanceler brasileiro Celso Amorim.
Brasília esclareceu que não descarta aceitar um europeu nem reclama necessariamente um representante do mundo emergente na direção do Fundo, mas deseja um processo aberto, no qual o diretor escolhido o seja por seu mérito e em “ampla consulta com os países-membros”, afirma em uma carta dirigida ao G-20 o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Trata-se de acabar com o critério geográfico, ou geopolítico, da escolha, além do monopólio europeu em acordo restrito com os Estados Unidos. A posição brasileira se deve muito, segundo observadores em Brasília, ao conservadorismo dos candidatos apresentados por países emergentes em contraste com o socialista Strauss-Khan.
O governo brasileiro via com bons olhos as mudanças “democratizantes” promovidas pelo francês, como a ampliação da participação das nações emergentes, que elevou a cota brasileira e, portanto, seu poder de voto, do décimo-oitavo para o décimo lugar entre os mais influentes. Além disso, Strauss-Khan criou linhas de crédito flexíveis, com condições mais brandas para os tomadores de empréstimos, uma velha reclamação dos países em desenvolvimento desde a crise da dívida externa dos anos de 1980 e 1990.
Dos nomes sugeridos como possíveis candidatos, em Brasília há simpatias por Montek Singh Ahluwalia, vice-presidente da Comissão de Planejamento da Índia. Além de sua experiência em finanças internacionais, representa um país com o qual o Brasil desenvolve uma aliança no fórum Ibas, que também compreende a África do Sul.
De todo modo, Europa e Estados Unidos ainda somam 47% dos votos no FMI, com 30% e 17%, respectivamente, e continuam sendo determinantes para as decisões da instituição. As novas potências, reunidas na sigla Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) somam limitados 11%.
O outro debate, sobre a função do FMI no mundo atual, tampouco avança com esta crise. “Não é no Fundo onde os conflitos acontecem” por interesses econômicos divergentes, tanto entre grandes potências como entre estas e os demais, disse à IPS o professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fernando Cardim de Carvalho, que faz conferências em universidades norte-americanas. O palco principal hoje é o G-20, embora também seja muito retórico, já que os conflitos “se resolvem em cada país, na definição de políticas econômicas que servem a cada um”, reconheceu o economista.
De fato, a recente decisão do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, de injetar no mercado US$ 600 bilhões no chamado “afrouxamento” monetário, tem impacto em todo o mundo e sobre ele o FMI nada pode fazer, disse Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do Banco Central brasileiro. Um representante do mundo emergente na direção do FMI teria um valor puramente “simbólico”, e é uma mudança inviável agora, mas pode-se negociar como “compromisso” para a próxima sucessão, acrescentou.
O FMI deveria ter “um papel construtivo na criação de regras monetárias e financeiras internacionais mais estáveis”, superando o papel que exerceu desde a década de 1980, como “instrumento de imposição de políticas definidas pelos mais desenvolvidos aos países em desenvolvimento”, disse Cardim. “O que sempre interessou ao Brasil é que o Fundo volte à sua função original, da qual se afastou precocemente”: um fórum para coordenar políticas cambiárias e macroeconômicas, além de financiar no curto prazo países com déficit na balança de pagamentos, “e com menor grau de intrusão possível na autonomia política nacional”, explicou.
Contudo, a partir dos anos 1980, o FMI passou a operar como “inspetor escolar” das nações subdesenvolvidas e devedoras, impondo-lhes condutas desejadas pelos credores, em “total subordinação às políticas do Departamento do Tesouro norte-americano”, especialmente na década de 1990, disse o ex-professor da UFRJ. Inclusive as mudanças promovidas por Strauss-Khan foram cosméticas, como aceitar a “legitimidade” do controle de capitais, que de fato consta nos estatutos originais do FMI, e ideias menos ortodoxas. Cresceram os votos dos emergentes, mas sem afetar a hegemonia do bloco dos ricos, ressaltou.
Além disso, o FMI “só tem poder efetivo sobre os países que lhe pedem ajuda”, disse Cardim. Não pode influir na China, nos Estados Unidos e na Alemanha, por exemplo, cujas decisões econômicas afetam todo o mundo, barateando o dólar e acentuando a “desindustrialização” brasileira, afirmou. Envolverde/IPS