Katmandu, Nepal, 11/8/2011 – Quando a nepalesa Binita Lamichhane se casou, aos 18 anos, se preocupava por seu marido ter os olhos injetados em sangue. Quando lhe perguntava o que acontecera, ele simplesmente respondia: “fumaça”. Nakul Lamichhane, seu marido, é filho de agricultores sem terra e tinha de cozinhar enquanto seus pais trabalhavam nas terras de outros. O fogão, um fogo aberto sobre três pedras unidas por uma camada de lodo, enchia a casa de um único ambiente com uma fumaça que o deixava todo enegrecido, causando doenças respiratórias em toda a família.
“É um problema comum nas aldeias do Nepal”, disse Binita, agora com 29 anos e mãe de dois filhos. “Meu pai sofria de asma grave, mas nunca nos demos conta de que se devia à fumaça. Com frequência também havia mortes por asfixia”, contou. Em Nagarkot, um pitoresco destino turístico no distrito nepalês de Bhaktapur, onde Binita vive, um morador morreu há dois meses por causa do fogão fumegante, acrescentou.
Além da miséria humana, os gases-estufa e o carbono negro produzido pela ineficiente queima de lenha e outra biomassa foram identificados como importantes agentes do aquecimento global, causador da mudança climática. Segundo um informe deste ano do Banco Internacional de Reconstrução e Fomento e do Banco Mundial, intitulado “Cozinhas domésticas, ambiente, saúde e mudança climática: um novo olhar sobre um velho problema”, os países em desenvolvimento queimam anualmente cerca de 730 milhões de toneladas de combustível de biomassa para uso em casa, liberando vários gases-estufa.
Há evidências de que em áreas próximas a onde há acúmulo de gelo e neve, como o Himalaia, a fuligem procedente dos fogões acelera o derretimento das geleiras, afirma o estudo. Suspeita-se que a fuligem esteja por trás das mudanças nos padrões de chuvas na Índia e na China. Os inventários mundiais concluem que os fogões tradicionais representam quase um quarto das emissões de fuligem. Esses fogões também consomem grande quantidade de lenha, o que leva a uma rápida degradação florestal que, se não for detida, pode causar desmatamento.
Em 2008, o Centro de Promoção das Energias Alternativas, que funciona vinculado ao Ministério do Meio Ambiente do Nepal, encomendou um estudo que concluiu que a contaminação aérea em espaços internos era o quarto risco sanitário mais importante, depois da desnutrição, do sexo sem proteção, e da má qualidade da água e do saneamento. “Mais de 80% da população do Nepal (20 milhões de pessoas), principalmente pobres das áreas rurais, estão expostos a níveis perigosos de contaminação aérea em espaços interiores”, diz o informe.
Entre os países mais pobres, o Nepal não tem eletricidade em sua maior parte, e o gás para cozinhar é caro e escasso, tendo de vir da Índia. Em 1980, o Nepal incluiu fogões melhorados em seu planejamento, e o Centro de Pesquisas para a Ciência Aplicada e a Tecnologia, da Universidade de Tribhuvan, desenvolveu um modelo baseado nos materiais locais. Em 1990, o Centro de Promoção das Energias Alternativas lançou uma campanha para conseguir que as aldeias usassem os fogões ecológicos em seu Programa de Assistência ao Setor Energético, com apoio financeiro do governo dinamarquês.
Na época, foram destinados US$ 5,1 milhões a esses artefatos melhorados, a serem entregues em duas fases, disse Karuna Bajracharya, gerente do programa. “A primeira fase terminou em 2004 e a segunda começou em março de 2007. Com apoio da Noruega, continuará até 2012. Em junho passado, tínhamos instalado quase 480 mil fogões, que reduzem em pelo menos um terço o consumo de combustível e eliminam os riscos à saúde”, acrescentou.
A estratégia do Centro de Promoção das Energias Alternativas é criar uma rede de promotores capacitados na fabricação dos fogões melhorados e depois convencer os aldeões a usá-los. “Nossa política é formar três pessoas em cada comitê de desenvolvimento de aldeia. Pelo menos duas devem ser mulheres”, disse Bajracharya. Além de melhorar a vida e o ambiente, os fogões melhorados também podem dar poder às mulheres da aldeia.
Sushila Gaire vive no distrito de Kapilavastu, onde as mulheres estão relegadas aos trabalhos caseiros. Ela, de 29 anos, não terminou os estudos e é quem mantém sua família depois da morte do marido. Treinada como fabricante de fogão melhorado, Gaire agora faz cerca de 30 por mês, ganhando entre US$ 5 e US$ 6 por unidade. Costuma viajar para aldeias distantes para instalar os fogões e treinar outras pessoas nessa tarefa. Envolverde/IPS