Buenos Aires, Argentina, 23/5/2011 – A carestia alimentar pode estar abrindo novas brechas de fome no mundo em desenvolvimento, mas os grandes produtores agropecuários latino-americanos do Grupo dos 20 (G-20) veem nela uma oportunidade a ser explorada. Isso ficou evidente no Painel sobre Commodities (produtos básicos) organizado pelo G-20 nos dias 19 e 20 deste mês em Buenos Aires, para discutir a nova alta dos alimentos, com a presença de ministros da Economia e da Agricultura dos países-membros.

O painel tentou abordar as causas da nova tendência de alta do mercado de alimentos. E desfilaram como resposta a crescente demanda da China e da Índia, a especulação financeira e os biocombustíveis. A preocupação foi apresentada pela França, que exerce atualmente a presidência do G-20, formado pelos países industrializados e as principais economias emergentes que controlam a maior parte das terras cultiváveis do mundo.

Esses países são Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Rússia, África do Sul, União Europeia e Turquia. A Espanha participa das reuniões como convidada.

A França precisou guardar sua proposta original de controle de preços das matérias-primas diante da pressão exercida por Argentina, Brasil e outros grandes produtores de alimentos. Por outro lado, todos se comprometeram a tornar mais transparente o mercado destes bens e avançar em um plano de ação de cinco pontos, que os ministros da Agricultura discutirão no final de junho em Paris.

Estes pontos são: promover o investimento agrícola para aumentar a oferta; ampliar a informação para reduzir a especulação e conseguir transparência; mecanismos de ação para vencer uma crise alimentar; dar tratamento à volatilidade de preços; estabelecer regulamentações como as que existem em outros mercados mundiais.

Na cúpula dos dias 3 e 4 de novembro, na cidade francesa de Cannes, os líderes do G-20 tentarão detalhar este plano de ação para estabilizar os mercados e mitigar o impacto das altas nas nações mais vulneráveis. O controle da volatilidade das matérias-primas é a terceira prioridade da presidência francesa do grupo, sendo precedida pela reforma do sistema monetário internacional e do fortalecimento da regulação financeira.

Na segunda metade de 2010, os alimentos sofreram uma alta média de 30%, afirma um documento assinado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura.

O preço do trigo aumentou 94,4% entre junho e dezembro do ano passado, diz o boletim “Volatilidade de Preços dos Mercados Agrícolas (2000-2010): Implicações para a América Latina e Opções de Política”. O Banco Mundial estima que, desde junho, 44 milhões de pessoas foram empurradas para a pobreza devido a esta carestia.

Embora suas populações também sofram estas consequências, para os países agropecuários da América Latina este cenário representa, sobretudo, renda extraordinária. Índia e China, que se ressentem da falta de recursos como terra e água, são grandes compradores de alimentos. E a região deve investir para aproveitar esta conjuntura, disse à IPS o economista brasileiro Mauricio Mesquita Moreira, do Banco Interamericano de Desenvolvimento.

Embora a especulação financeira contribua para a volatilidade dos preços, as altas obedecem, principalmente, à crescente demanda das nações emergentes, insistiu Mesquita. Por isto, a região precisa aproveitar ainda mais os termos do intercâmbio, em lugar de continuar planejando maior industrialização do que os países asiáticos já conseguiram, acrescentou.

“A ideia de que a única saída é se industrializar era viável nos anos 1970 e 1980. Se a América Latina tivesse migrado naquela época, então haveria essa etapa para bens mais sofisticados e menos vulneráveis, seria outra coisa, mas hoje não tem sentido insistir em um mercado cada vez mais congestionado”, afirmou Mesquita. A questão é “como aproveitar esta oportunidade. Nossos países, por herança colonial, têm grande concentração de renda, e a atividade agropecuária é intensiva em capital, não gera tanto emprego”, acrescentou.

“O bom da manufatura é que gera uma quantidade de postos de trabalho que em pouco tempo permite eliminar a pobreza. Vemos isso em muitos países asiáticos, mas creio que perdemos essa possibilidade”, disse Mesquita. Para ele, “o novo desafio é se especializar em recursos naturais, agregar-lhes valor, sofisticar a oferta de bens e, ao mesmo tempo, gerar emprego e planos de transferências condicionadas de renda para os mais pobres”.

Os produtores rurais do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) não poderiam estar mais de acordo. Representados na Federação de Associações Rurais do Mercosul, os influentes setores agropecuários destacaram “a oportunidade que se abre para a região pelas mãos da fortaleza dos preços dos alimentos”. A organização recomendou aos governos incentivar uma oferta maior e uma coordenação política que ajude a manter o abastecimento interno ao mesmo tempo em que são aproveitadas as oportunidades que o mercado mundial oferece.

Os especialistas presentes à reunião concordaram que o fator decisivo no mercado de alimentos dos últimos anos é a irrupção de China e Índia, pelo lado da demanda. Sobre esta alavanca fundamental de alta de preços montam-se outros fatores determinantes, pelo lado da oferta. Por exemplo, secas, inundações e outros eventos climáticos extremos afetaram rendimentos de colheitas em vários lugares do mundo.

Também há desafios menos tradicionais, como os novos usos agrícolas, principalmente para produzir agrocombustíveis, e a chamada “financeirização” da agricultura. Nos mercados financeiros há um crescimento exponencial de contratos futuros no setor agrícola, uma ferramenta criada para mitigar o risco inerente da atividade, mas que pode provocar altas artificiais, destaca o documento “Volatilidade de preços…”. Em todo caso, estes fatores causam rápidas oscilações de preços, mas a tendência geral de alta responde à maior demanda, elemento que chegou para ficar. Envolverde/IPS