Nairobi, Quênia, 19/8/2011 – Jamaal Abdi, um garoto de oito anos do acampamento de Badbaado, nos arredores de Mogadíscio, gostaria de estudar. Tem seus sonhos para o futuro. Contudo, desde que ele e sua família chegaram a este que é o maior acampamento para refugiados da seca e da fome no sul da Somália (e onde há quase 30 mil pessoas, na maioria mulheres e crianças), não tem outra coisa a fazer a não ser ficar sentado vendo o dia passar.

“Meus amigos me ensinaram a escrever meu nome. Mas fico no abrigo sem fazer nada. Quero estudar para ser médico quando crescer, um homem bom e ajudar as pessoas, os doentes”, disse Abdi à IPS, enquanto brincava com outras crianças diante da barraca de sua família. Fora algumas poucas escolas islâmicas informais, onde é ensinado às crianças memorizar o Alcorão, a educação no acampamento é quase inexistente, já que as agências de ajuda priorizam a alimentação e a saúde dos afetados pela fome.

No resto do país, a situação não é diferente. Uma rápida avaliação feita pelo Grupo de Educação, codirigido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela organização Save the Children, alerta que o número de meninas e meninos fora da escola, especialmente no sul e centro do país, pode duplicar. O documento mostra que cerca de 200 mil crianças em idade escolar abandonaram suas casas indo para outros lugares em busca de comida. Por mais de 20 anos, apenas 30% dos meninos e meninas somalianos puderam assistir as aulas. É a taxa de matrícula mais baixa do mundo e contrasta fortemente com a do vizinho Quênia, que é de 92% no ensino primário.

No Quênia, a educação primária é gratuita, ao contrário da Somália, e muitas crianças recebem apoio financeiro de suas comunidades para irem à escola. No entanto, em setembro, quando recomeçarem as aulas nas escolas somalianas, o número de crianças que se espera nas salas de aula será inferior aos já baixos 30%. Para evitar isto, o estudo estima que são necessários mais de US$ 20 milhões no próximo mês para uma intervenção de emergência. “Os fundos recebidos até agora são insuficientes, enquanto as brechas de financiamento atingem seus níveis mais altos dos últimos quatro anos”, informou o Unicef.

Apesar das duras condições climáticas e dos conflitos no país, os somalianos demonstram que valorizam a educação. Diante da fome, os cidadãos administravam por conta própria as escolas diante da ausência do governo em meio à guerra civil. “As escolas na Somália são administradas pelas comunidades, já que não há Ministério da Educação. Com apoio de organizações humanitárias são dados incentivos aos professores e doado dinheiro para administrar programas escolares”, explicou Lisa Doherty, especialista em Educação do Unicef e administradora da Capacidade Integrada de Desenvolvimento para as Administrações de Educação no Sul Somaliano.

A maior parte do apoio da comunidade internacional se traduz em assistência médica. Entretanto, segundo Doherty, devem ser atendidas todas as necessidades das crianças, e a educação é importante. Rozanne Chorlton, representante do Unicef na Somália, destaca que o ensino é um componente fundamental em qualquer resposta de emergência. “As escolas podem se converter em um lugar para as crianças aprenderem, receberem cuidados médicos e outros serviços vitais. Proporcionar oportunidades de aprendizagem em ambiente seguros é fundamental para a sobrevivência e o desenvolvimento das crianças, bem como para a estabilidade no longo prazo e o crescimento do país”, disse Chorlton em uma declaração.

Organizações humanitárias estão instalando escolas em alguns acampamentos. “Só no Unicef apoiamos 155 escolas em acampamentos para refugiados, que no momento beneficiam 37 mil alunos, 40% dos quais são meninas”, disse Doherty. Há planos de estender esta ajuda. As salas de aula também são usadas para a psicoterapia de crianças e pais afetados por experiências traumáticas. O ex-professor Burham Mohamed, também vítima da seca e da fome, disse que o acampamento de Badbaado deveria mudar. Essas crianças “crescerão sem nada e serão uma carga muito grande para a sociedade se a educação não integra os esforços humanitários”, disse à IPS.

Este pai de quatro filhos foi professor em uma escola particular na província de Baixa Shabelle, uma das cinco áreas onde a Organização das Nações Unidas (ONU) declarou crise de fome. Vive no acampamento há dois meses. Quando chegou, tentou buscar trabalho como professor, mas não encontrou escolas. Por isso, ensina por conta própria as crianças, embora acredite não ser a forma adequada. “Salvar vidas sempre deve ser uma prioridade, mas educar crianças e inclusive adultos previne crises semelhantes no futuro”, afirmou.

A maioria das meninas e dos meninos saudáveis perambulam por Badbaado sem nada para fazer. Muitos disseram à IPS que iriam à escola, se tivessem oportunidade. Por sua vez, vários pais no acampamento disseram que educar os filhos é uma prioridade tão importante quanto alimentá-los. Muna Ali, mãe de oito filhos, lamentou que nenhum possa ir à escola. “Gostaria de educar meus filhos uma vez que estejam bem alimentados, e creio que esta é a única forma de vencer a pobreza em nossas comunidades. Serei a primeira a enviar as crianças ao colégio se também puderem comer lá”, disse enquanto levava um deles para um exame médico. “Nossos filhos estão famintos de comida e de educação”, acrescentou. Envolverde/IPS

* Com colaboração de Abdurrahman Warsameh, em Mogadíscio.