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Forças de paz da ONU acuadas no Sudão do Sul

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Nações Unidas, 14/1/2014 – O agravamento do conflito étnico no Sudão do Sul e o aumento do número de mortos colocam em dúvida a capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) para cumprir seu mandato de paz nesse país. No dia 9, o secretário-geral adjunto de Operações de Manutenção da Paz da ONU, Hervé Ladsous, declarou a jornalistas que o número de mortos passava de mil.

“A situação em termos de direitos humanos continua sendo terrivelmente crítica”, afirmou Ladsous na oportunidade. No dia seguinte, o Grupo Internacional de Crise (ICG), com sede em Bruxelas, divulgou suas próprias estimativas e elevou o número para dez mil.

Entretanto, desde a morte de dois capacetes azuis indianos em um ataque, ocorrido no dia 19 de dezembro, por uma milícia da etnia nuer contra uma base da Missão de Assistência das Nações Unidas na República do Sudão do Sul (UNMISS), esta não voltou a intervir militarmente. Tampouco o fez a coalizão de forças rebeldes lideradas pelo ex-vice-presidente Riek Machar, e nem as forças do governo do presidente Salva Kiir.

Amplamente superados em número, os soldados da ONU se dedicam a proteger suas próprias bases, a partir das quais organizações não governamentais e o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha) da ONU dão assistência a mais de 60 mil refugiados. “Não podemos proteger essas pessoas e ao mesmo tempo patrulhar um território do tamanho da França”, justificou Kieran Dwyer, chefe de assuntos públicos no Departamento de Operações de Manutenção da Paz da ONU.

Enquanto os combates recrudesciam e o governo recuperava a cidade de Bentiu, no dia 10, os capacetes azuis da Mongólia optaram por permanecer dentro de sua base, onde há mais de nove mil refugiados. “Não é nosso trabalho nos colocarmos entre” as forças rebeldes e as do governo, pontuou Dwyer à IPS. A UNMISS informa os dois lados sobre a presença de civis na área de combate e adverte para as consequências de atacá-los, mas os soldados da ONU estão acuados e temem morrer ou sofrer ataques de represália se intervierem, admitiu Dwyer.

Essa situação não permite uma plena proteção da população civil diante de potenciais violações dos direitos humanos, alertou Cameron Hudson, diretor de políticas no Museu do Memorial do Holocausto e ex-diretor de Assuntos Africanos no Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. “Não se pode fazer manutenção da paz pensando em baixa zero. Se é assim que começam essas missões, nunca cumprirão com êxito seus mandatos”, acrescentou à IPS.

A crise começou em 15 de dezembro, quando teve início um enfrentamento na capital entre facções das etnias nuer e dinka no Exército de Libertação do Povo do Sudão (SPLA), que desde a independência do Sudão do Sul, em 2011, forma o núcleo das forças armadas. O presidente Kiir, da etnia dinka, ordenou a imediata prisão de 11 líderes opositores e acusou Machar, um nuer, de orquestrar um golpe de Estado. Este negou a acusação e partiu para Juba a fim de assumir o comando das forças rebeldes.

Delegados do governo e dos rebeldes se reuniram ontem em Adis Abeba, capital da Etiópia, para negociar o fim das hostilidades. Os opositores exigem a libertação imediata dos 11 líderes presos. O conflito causou o deslocamento de 400 mil pessoas, muitas delas escondidas na selva, onde não são alcançadas pelas agências humanitárias e pelas forças de paz. O destino dos que abandonam suas casas mas não chegaram a obter refúgio em nenhuma base da ONU é uma grande preocupação para a qual ninguém ainda tem uma resposta.

A violência no Sudão do Sul se agravou em um momento em que a ONU lançava sua nova iniciativa para a prevenção de genocídios, chamada Os Direitos em Primeiro Lugar, uma tentativa de evitar os massacres de civis em conflitos bélicos, como os ocorridos na Bósnia, Ruanda e no Sri Lanka.

Ainda não está claro quantos civis morreram no Sudão do Sul. Navi Pillay, alta comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, informou em dezembro que foram encontradas fossas comuns em Juba e Bentiu, e denunciou “execuções extrajudiciais” e “ataques a indivíduos por motivos étnicos”.

Observadores acreditam que a situação é ainda mais grave. “É irrefutável, e deve se repetir, que as sérias violações dos direitos humanos são os melhores alertas de atrocidades iminentes”, destacou o vice secretário-geral da ONU, Jan Eliasson, ao falar na Assembleia Geral na apresentação da iniciativa de prevenção de genocídios.

No entanto, no Sudão do Sul, a UNMISS age timidamente. “Não há muitas forças no terreno”, disse Ej Hogendoorn, subdiretor de programas para a África no ICG. “Obviamente, também há significativos desafios logísticos em termos de se locomover com segurança”, acrescentou. Em carta ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a presidente do ICG, Louise Abour, aponta que o fórum mundial precisa redobrar esforços para garantir a segurança dos civis.

“Acreditamos que a UNMISS, utilizando suas atuais forças até chegarem tropas adicionais, deveria dar uma série de passos efetivos e imediatos para priorizar a proteção de civis acima de outras tarefas de seu mandato”, afirmou Abour. “Claramente, não há informação suficiente sobre o que está ocorrendo no terreno”, observou Hogendoorn à IPS. “Isso se deve em parte ao fato de as forças de manutenção da paz não estarem patrulhando como fazem normalmente”, acrescentou.

Desde sua criação em 2011, a UNMISS recebeu o mandato de proteger com a força “civis sob ameaça iminente de violência física”. Mas, apesar dos primeiros sinais de instabilidade política e da insurgência no Estado de Jonglei, em 2013, a missão não foi adequadamente equipada para prevenir ou intervir em situações de violência como a desatada no mês passado. Envolverde/IPS