Uma simples foto tirada em 1968 decretou a finitude do planeta Terra. E, hoje, influencia a ética e a concepção de democracia, com um impacto direto no cenário político brasileiro. É necessária uma reflexão para perceber o real alcance dessa influência, de como muda a política na prática e de como traz resultados concretos.
O autor da foto foi o astronauta William Anders, tripulante da Apollo 8. Pela primeira vez, a humanidade observou a Terra, sem fronteiras ou bandeiras. Era finita. O que a maior parte dos líderes políticos não compreendeu desde então é como se pulou dessa preocupação com o planeta para uma nova maneira de se fazer política. Afinal, para muitos, a sustentabilidade se tornou apenas mais uma preocupação. O aquecimento global, a perda de espécies e os ecossistemas são importantes, dizem por aí, mas certamente menos fundamentais do que questões prementes como segurança, educação e saúde.
Entretanto, a sustentabilidade significa muito mais do que isso. A começar pela trágica compreensão de que o indivíduo, governado por um instinto consumista, tende a esgotar os recursos compartilhados por todos. Nosso individualismo será nosso flagelo e nosso fim. Daí o vínculo com a ética, que pode ser compreendida como uma reflexão sobre nosso convívio em comum.
Se segue uma lógica que ignoramos por tempo demais, mesmo sendo tão cristalina. Um mundo finito nos torna interdependentes, que nos leva à cooperação, na qual é fundamental a confiança, que, por sua vez, exige transparência. Nada novo, são conceitos sempre muito presentes no discurso, mas ausentes na prática. Durante décadas, essa foi uma visão considerada romântica, restrita a intelectuais e ativistas, aparentemente sem meios para mudar o mundo.
Um passo importante nessa direção foi a Carta da Terra, divulgada em 2000, e que se propunha a ser uma nova referência ética em um mundo globalizado. Mas muito mais positivo – em termos práticos – é a constatação de que esse pensamento encontrou abrigo nos movimentos políticos que hoje oxigenam a democracia no mundo, em especial na Europa, como o 5 Estrelas italiano, o Partido do Futuro espanhol e o Partido Pirata alemão, ou mesmo no Brasil, com a Rede de Sustentabilidade. Eles enfatizam justamente os mecanismos de diálogo e transparência necessários para possibilitar uma participação maior da população, característica fundamental dessa tendência.
Transparência e participação. Isso é a nova política.
No Brasil, esse ímpeto por mais participação política começou a obter efeitos práticos no país nos últimos dez anos. Alguns de seus melhores exemplos foram Fórum Amazônia Sustentável, com o apoio de mais de 40 ONGs e associações civis, a Rede Nossa São Paulo, as Cidades Sustentáveis, o Brasil Sustentável, o Instituto Ethos e o Instituto Akatu. São iniciativas com resultados diversos, que vão desde reduzir o desmatamento da Amazônia até influenciar eleições municipais.
Essa tendência não despolitiza; ao contrário, alça a esfera pública a um patamar ainda mais valorizado. Por isso mesmo, a alemã Hannah Arendt dizia que questões políticas são importantes demais para serem deixadas somente para os políticos. Mas não é só isso. O cidadão não pode enxergar a ação política somente como uma necessidade imposta pelo fracasso do setor público. Há uma motivação maior, vital mesmo, para nós. Sem participar, dizia Arendt, não somos livres. Sem participar, não somos completamente humanos.
* Ricardo Young, 57, empresário, é vereador de São Paulo pelo PPS. Foi presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Rogério Godinho, 40, é jornalista e biógrafo.