Genebra, Suíça, 26/4/2011 – “A Rodada de Doha de negociações comerciais se propôs a equilibrar as regras do comércio mundial e favorecer as nações em desenvolvimento, e seu fracasso seria uma notícia ruim para os países pobres da África”, afirmou Abdoulaye Sanoko, assessor da missão de Mali na Organização Mundial do Comércio (OMC). “Colocamos muitos recursos e esperanças no processo. Um fracasso seria uma grande traição para nós”, ressaltou. “Tampouco queremos que as negociações terminem a qualquer preço, mas desejamos enfatizar seu aspecto de promover o desenvolvimento. Por outro lado, os grandes atores insistem na questão do acesso ao mercado”, disse em entrevista à IPS em Genebra.
Ninguém sabe exatamente como o fracasso da Rodada afetará os países menos adiantados. As ex-colônias das potências ocidentais na África, Caribe e no Pacífico, chamados países ACP, encomendaram um estudo a respeito, mas ainda não foi iniciado. Os países menos adiantados ficariam contentes se a Rodada terminasse com base no texto em negociação desde 2008, pois “seria melhor do que perder tudo”, disse Sanoko.
No entanto, Romain Benicchio, especialista em Políticas Comercias da organização Oxfam Internacional em Genebra, considera que “é preciso um acordo multilateral que atenda as necessidades dos países pobres, mas não está claro se o que está agora sobre a mesa os beneficie realmente”.
O diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, reconheceu que a Rodada “pode fracassar”. A demanda dos Estados Unidos para que os grandes mercados reduzam as tarifas alfandegárias para todo o setor industrial parece ter levado a diferenças inconciliáveis com Brasil, China e Índia. Alguns diplomatas em Genebra começaram a buscar opções para resgatar os avanços conseguidos até agora no caso de as reuniões de alto nível organizadas por Lamy não conseguirem nada.
“O que está na mesa agora passa longe de ser uma panaceia e não fica claro se os êxitos se concretizarão de forma efetiva”, disse Benicchio à IPS. Um dos resultados esperados era o acesso total aos mercados dos países mais ricos sem impostos nem cotas para os países menos adiantados. “Não fica claro quais produtos serão excluídos pelos Estados Unidos e por outros países industrializados. De fato, as qualificações podem incluir as principais exportações dos países menos adiantados”, disse Bennichio. O mesmo ocorre com o algodão, para o qual se pode esperar êxitos, “mas não há avanços desde a conferência ministerial de Hong Kong, em 2005”, acrescentou.
Os Estados Unidos não renovaram os subsídios para essa matéria-prima em 2008 e não adotaram as recomendações do órgão de solução de controvérsias da OMC, após a queixa do Brasil, afirmou Bennichio. Em vez disso, Washington se comprometeu a entregar US$ 150 milhões por ano a um fundo de pesquisa sobre o algodão no Brasil e a realizar reformas necessárias em 2012. “Resta saber se é politicamente factível. Na atualidade, os Estados Unidos estão subsidiando produtores brasileiros para poderem continuar subsidiando os seus”, ressaltou.
“Em muitas das áreas nas quais os países menos adiantados apresentaram propostas, quase não houve avanços pela resistência de muitas nações ricas”, disse Sanya Reid Smith, pesquisadora da Rede do Terceiro Mundo, com sede na Malásia. “Por exemplo, o mecanismo de salvaguarda especial, que permite aos países menos adiantados enfrentar o aumento das importações, como elevar as tarifas alfandegárias acima das taxas previstas na Rodada de Doha se for necessário, se tornou cada vez mais e mais incomum”, acrescentou.
Os PMA estão isentos de reduzir suas tarifas, mas muitos deles, especialmente da África, que integram uniões aduaneiras com Estados que não o são, terão de reduzi-las junto com os outros, a menos que a normativa preveja exonerações, explicou Smith. “Porém, não há tais isenções. Segundo os documentos atuais, os países menos adiantados das uniões aduaneiras terão que reduzir suas tarifas alfandegárias, com a consequente perda permanente de renda para o Estado, maior competição pelas importações e um equilíbrio de pagamentos cada vez pior”, afirmou Smith.
Outra causa perdida se a Rodada de Doha fracassar, segundo Bennichio, é a renúncia de serviços procedentes dos países menos adiantados, quando as nações industrializadas concedem facilidades aos exportadores de serviços a partir desses Estados, especialmente no modo quatro, a possibilidade de trabalhadores não qualificados trabalharem nos países ricos. O modo quatro do Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (AGCS) se refere ao movimento de pessoas através das fronteiras com fins de fornecimento de serviços. “Mas essa decisão já não está garantida”, afirmou. Só existe uma proposta sobre a mesa e pode ir de um lado ou para outro.
Em alguns assuntos não haverá nenhum resultado, reconheceu Bennichio, como a proposta das nações africanas de restringir a volatilidade do preço de produtos agrícolas ou o pedido para facilitar a entrada na OMC dos países menos adiantados sem impor-lhes condições muito rígidas.
“Entretanto, há alternativas para os países menos avançados se a Rodada de Doha não concluir”, disse Smith. Por exemplo, os membros da OMC têm a opção de obter benefícios antecipados em certos assuntos como o acesso a mercados sem impostos nem quotas. É apenas uma questão de vontade política de parte das nações ricas. “Sempre pedimos benefícios antecipados e são anunciadas muitas coisas. Parar com tudo agora seria uma lástima”, concordou Sanoko.
É essencial revisar o artigo XXIV do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), substituído pela OMC, mas não há avanços a respeito, afirmou Sanoko. “O artigo estipula que nos tratados de livre comércio as partes devem liberalizar a maioria dos intercâmbios, mas sem especificar quanto”, disse. “É mais importante reformá-lo para introduzir um tratamento especial e diferencial para que, entre outras coisas, quando as nações pobres negociarem tratados de livre comércio com países ricos não terem de reduzir tanto suas tarifas alfandegárias”, ressaltou. Envolverde/IPS