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“Francisco deve incentivar os jovens a assumirem compromissos”

Frei Beto, expoente da Teologia da Libertação, durante a entrevista. Foto: Fabíola Ortiz /IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 24/6/2013 – A Igreja Católica se tornou esclerosada e teme enfrentar os assuntos da pós-modernidade, afirmou o teólogo Frei Beto, embora tenha a esperança de que o primeiro papa latino-americano, Francisco, a reimpulsione ao centrar-se em temas sociais e na defesa dos pobres. Em entrevista à IPS, este dominicano, assessor especial do esquedista Luiz Inácio Lula da Silva nos dois primeiros anos de seu mandado presidencial, também exortou as autoridades brasileiras a dialogarem “frente a frente” com os movimentos sociais para ouvir suas reivindicações, sem palavras vazias e promessas ocas.

Carlos Alberto Libânio Christo, conhecido universalmente como Frei Beto, espera que o argentino Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires até assumir o papado em 13 de março, incentive os jovens a voltarem a sonhar, a se comprometerem com temas sociais e crer nas utopias, quando visitar o Brasil entre 22 e 29 de julho. Francisco fará sua primeira viagem como papa para participar da 28ª edição da Jornada Mundial da Juventude, que acontecerá de 23 a 28 de julho no Rio de Janeiro. Autor de mais de 56 livros e ganhador de importantes prêmios literários e por sua defesa dos direitos humanos, Frei Beto acaba de lançar uma nova obra: O Que a Vida me Ensinou.

IPS: O que a vida lhe ensinou?

FREI BETO: O que este livro tem de especial são os relatos autobiográficos que nunca havia trazido a público antes, como minha participação nos últimos dias de Tancredo Neves (primeiro presidente eleito indiretamente após a ditadura militar de 1964 a 1985, que morreu antes de assumir o cargo), como cuidei de meu pai, um dependente químico. Também conto como enfrentei uma tentativa de corrupção, quando me ofereceram ganhar US$ 2 milhões, e dedico três capítulos à minha visão atual sobre a espiritualidade.

IPS: Como expoente da Teologia da Libertação, que papel atribui a esta corrente dentro do catolicismo latino-americano?

FB: Não se deve falar dela no passado. A Teologia da Libertação ainda exerce um papel importante dentro da Igreja Católica da América Latina, especialmente das comunidades eclesiásticas de base, de círculos bíblicos, de encontros de fé e de política, como o próximo que acontecerá em Brasília, no mês de novembro. Creio que esta corrente também forçou uma mudança no discurso dos papas sobre assuntos sociais. Nos últimos tempos, eles foram mais contundentes a esse respeito, como mostram as críticas feitas por João Paulo II e Bento 16 ao neoliberalismo, ou desta vez de modo positivo, a visita que ambos fizeram à China.

IPS: Como interpreta a renúncia de Bento 16 e o fato de a escolha de seu sucessor ter recaído pela primeira vez sobre um latino-americano, Francisco, e não um europeu?

FB: Renunciar foi um ato de humildade evangélica de Bento16, quando há séculos nenhum papa o fizera. Tenho muita esperança no pontificado do papa “Chico Bento” (como ele chama Francisco, em referência ao personagem de Maurício de Souza, de vestimenta, comportamento e maneiras acaipiradas), por ser latino-americano. Está aberto às questões sociais e, sobretudo, comprometido com a defesa dos direitos dos mais pobres. O fato de adotar o nome do santo mais emblemático da história Cristã, Francisco, já diz muito. Vamos esperar os 12 discursos que pronunciará na Jornada Mundial da Juventude.

IPS: Considera possível uma reforma da Igreja Católica? Quais são, a seu ver, os assuntos mais sensíveis que esta Igreja enfrenta?

FB: O papa Chico Bento terá que abrir o debate dentro da Igreja Católica sobre assuntos urgentes e candentes, que permanecem congelados: o fim do celibato obrigatório, a ordenação de mulheres no sacerdócio, o uso de preservativos, a biogenética e a reforma a cúria romana.

IPS: A Jornada Mundial significará a estreia internacional de Francisco. Quais expectativas tem sobre este acontecimento?

FB: Espero que a Jornada, por meio dos gestos e das palavras do papa, traga esperança aos jovens e os incentive a assumirem um compromisso por um mundo de justiça, liberdade e paz. Estou convencido de que, quanto mais utopia houver, menos drogas haverá, como sucedeu com minha geração, que tinha 20 anos na década de 1960. E quanto menos utopia, como ocorre neste mundo “globocolonizado” atual, mais drogas. É que agora se vive sem sonhar.

IPS: Acredita que a Jornada representará um chamado à Igreja para se renovar, a fim de enfrentar a perda ou a apatia de fiéis?

FB: Sim, a Igreja Católica se esclerosou por medo de enfrentar os temas da pós-modernidade, como os relacionados com a fé e a ciência, a desigualdade social, os novos perfis sexuais e as relações de gênero.

IPS: O senhor foi muito próximo de Lula. Dessa posição, como analisa sua sucessora, Dilma Rousseff? Ao senhor parece que o PT mudou seu rumo?

FB: Lamento que o PT tenha mudado seu projeto sobre o Brasil por um projeto de poder. Ainda assim, considero que os governos de Lula e Dilma são os melhores de nossa história republicana. Falta realizar reformas estruturais – agrária, política e outras – e manter maior diálogo com suas origens, os movimentos sociais.

IPS: Como, a seu ver, a presidente Dilma administra os numerosos conflitos e mobilizações sociais que tomaram as ruas das principais cidades?

FB: Sem empenho suficiente, de modo tímido e com receio de desagradar os retrógrados de sua aliança e os barões do grande negócio agropecuário. O PT se afastou de suas bases sociais, dos movimentos que mobilizam a esperança, e agora corre o risco de cair vítima deles. As únicas saídas para o governo são dialogar frente a frente com esses movimentos sociais, sem palavras vazias e promessas ocas, e, para o PT, retornar ao trabalho de base, junto aos setores oprimidos e excluídos da população. O governo vai bem na distribuição da renda econômica e mal na distribuição da “renda política”. Não há diálogo com as lideranças populares, nem avanços na demarcação de terras indígenas e na reforma agrária, da mesma forma que não há consulta, tal como exige a Constituição, aos povos indígenas sobre a construção de grandes obras em seus territórios.

IPS: O que diz em particular sobre os atuais protestos sociais, que começaram pelo aumento da passagem no transporte público e foram alimentadas pela dura repressão policial no Rio de Janeiro, em São Paulo e outras cidades?

FB: Há um fenômeno novo. Os analistas ainda não se deram conta: basta estar ligado às redes sociais para sentir a mobilização, seja por meio de informação ou mobilização nas ruas. Esses protestos confirmam que nossos governos, especialmente os paulista e federal, estão muito distantes dos movimentos sociais, e a juventude está organizada. Envolverde/IPS