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Francisco encontra um Brasil descontente e em desordem

Cerca de três milhões de jovens participaram da vigília de oração junto com o papa Francisco no dia 27, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Foto: Jornada Mundial da Juventude
Cerca de três milhões de jovens participaram da vigília de oração junto com o papa Francisco no dia 27, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Foto: Jornada Mundial da Juventude

 

Rio de Janeiro, Brasil, 29/7/2013 – A primeira viagem do papa Francisco ao país com o maior número de fiéis do mundo, enfrentou contratempos, desorganização e falta de infraestrutura para um acontecimento que reuniu meio milhão de peregrinos na cidade brasileira do Rio de Janeiro. O papa participou da Jornada Mundial da Juventude, que começou no dia 22 e terminou ontem, e acolheu a maior parte dos atos religiosos em locais como Cristo Redentor, Catedral Metropolitana e um parque da praia de Copacabana, cenário das missas de abertura e da Via Crucis.

O ex-reitor da Pontifícia Universidade Católica, o jesuíta Jesus Hortal, disse à IPS que durante a preparação da jornada já notara que a logística seria “um grande problema”. “Não estamos preparados em infraestrutura. Não temos linhas rápidas de transporte, aeroportos, nem facilidades de transporte, e o metrô é uma piada”, disse Hortal, que conhece o papa argentino, Jorge Mario Bergoglio, de quando era arcebispo em Buenos Aires.

Circular pela cidade foi muito difícil para dezenas de milhares de visitantes de todo o mundo que passaram horas amontoados nas estações do metrô para ir para Copacabana. O fechamento das ruas desse bairro impediu a circulação de ônibus, forçando os fiéis a andarem longos trajetos ou sofrerem cortes de eletricidade que interromperam o funcionamento do metrô, único meio de transporte para chegar ao cenário principal das celebrações.

Diariamente se formavam longas filas de gente esperando para pegar o metrô, que lotavam as estações e atravessavam as avenidas de Copacabana. “Você é jornalista? Então informe isto, é um absurdo. Em nenhum lugar do mundo o metrô é tão ruim”, disse um peregrino brasileiro.

A semana da Jornada da Juventude não foi dura apenas para os crentes, que também tiveram que enfrentar um clima frio e chuvoso, incomum para esta cidade. O papa também foi tomado de surpresa. Quando chegou ao Rio, o comboio que o levava ficou preso em um longo congestionamento de ônibus em uma das principais avenidas da cidade. Logo se espalhou a notícia de que Francisco estava preso em um engarrafamento e dezenas de milhares de fiéis quiseram se aproximar de seu carro para vê-lo.

O papa desembarcou em um Brasil que há semanas é sacudido pela agitação social. Enormes manifestações juvenis aconteceram em dezenas de cidades desde começo de junho, pedindo mudanças políticas e sociais. Foi uma sorte o papa chegar neste momento, disse à IPS o sociólogo Ivo Lesbaupin da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Essas manifestações puseram dois milhões de pessoas nas ruas, jovens reclamando seus direitos, exigindo mudanças, reagindo contra uma política exercida apenas pelo poder representativo e separada do resto da sociedade”, afirmou.

Durante a visita do papa, que deixou o país ontem, houve três protestos. O primeiro reuniu centenas de pessoas diante do palácio Guanabara, sede do governo estadual, onde a presidente Dilma Rousseff, ministros, políticos e hierarcas da igreja davam as boas-vindas ao papa. Fora do palácio, a polícia isolou e reprimiu os manifestantes. Seis foram feridos e três detidos.

No dia 26, outro protesto visível perto da avenida de Copacabana, onde ocorria a Via Crucis. Os manifestantes denunciaram que a visita do papa e a Jornada custaram US$ 53 milhões. A polícia os dispersou com veículos lança-água e gás lacrimogêneo. “Se previa que os protestos não acabariam de repente, e, com a presença do papa e de uma multidão de jornalistas, era possível que se organizassem alguns”, observou Lesbaupin.

Hortal reconheceu que se preocupou quando as pessoas começaram a se juntar diante do palácio do governo, na primeira noite do papa no Rio. “Eram os chamados indignados com a política brasileira. A questão principal é a corrupção, os políticos não estão em boa situação. Protestavam contra o governador, mas alguns também protestaram contra o papa, e havia muitos violentos”, afirmou.

O sacerdote temia atos violentos que interrompessem as celebrações religiosas. Para Lesbaupin, as pessoas esperavam do papa uma palavra de apoio. “Ele deu sinais de apoio à reivindicação juvenil, vimos isso subliminarmente. Ao se dirigir aos políticos, transmitiu confiança na juventude como uma janela do futuro”, disse o sociólogo à IPS.

Nas homilias e nos discursos que pronunciou na favela de Manguinhos e em um hospital para tratamento de drogados, o papa enfatizou as ideias de fraternidade, espírito coletivo e justiça social. O papa chamou os jovens para lutar contra o injustiça e “nunca desanimar” ante a corrupção. Referindo-se à política local de pacificação das favelas, afirmou que só será possível quando houver um esforço para integrar as periferias.

O peregrino Lauro Condiran, de 30 anos, procedente de Brasília, esperava que Francisco conseguisse reunir os governantes e ouvir o povo. “A população quer saúde, segurança e educação. O papa não vai ficar neutro à essa situação”, disse à IPS.

Hortal lembrou, que por sua dimensão internacional, A Jornada Mundial da Juventude várias vezes testemunhou manifestações, como na Alemanha, em 2005, na Austrália, em 2008 e na Espanha, em 2011. “Há grupos que protestam contra o governo, como aconteceu em Madri, Colônia e Sydney. Sempre há quem expresse seus problemas”, destacou o jesuíta.

Enquanto a agitação social cresce no Brasil, o catolicismo vive um processo de perda de fiéis, muitos dos quais estão migrando para as igrejas evangélicas. De acordo com o último censo, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, numa população de 190 milhões de habitantes, 64,6% se declararam católicos, quase 123 milhões de pessoas. Porém, em 1970, esse índice era de 91,8%. Os evangélicos, por sua vez, passaram  de 5,2% em 1970, para 22,2% em 2010, totalizando 42,3 milhões.

O Estado do Rio de Janeiro é o de menor religiosidade. Menos da metade da população se declarou católica e mais de 15% disse não ter religião. Na opinião de Lesbaupin, o papa parece estar muito preocupado em atrair novos fiéis. “A perda de católicos está relacionada à postura conservadora da Igreja nas últimas décadas à pouca abertura para os jovens, porém a presença de Francisco, alegre e cativante, terá efeitos”, afirmou a sociólogo. Envolverde/IPS