Nova Délhi, Índia, 21/6/2011 – A cooperação entre Índia e Brasil em matéria de produtos farmacêuticos e biotecnologia médica começa a fraquejar porque as autoridades indianas preferem colaborar com seus pares do Ocidente, em lugar dos países em desenvolvimento, afirma um novo estudo. Assim, a cooperação entre os dois países, considerada capaz de solucionar problemas de saúde pública no mundo em desenvolvimento, não consegue gerar produtos comercializáveis.
O estudo do Research and Information System for Developing Countries (RIS – Sistema de Pesquisa e Informação para os Países em Desenvolvimento), uma organização de especialistas financiada publicamente e com sede em Nova Délhi, citou como causa deste problema o fato de “a colaboração com o Norte industrializado ser muito mais valiosa do que a colaboração Sul-Sul”.
A Índia está muito atrasada em relação ao Brasil e à China quanto ao volume de pesquisas realizadas em colaboração com cientistas de países em desenvolvimento, embora seja comum ouvir a retórica indiana sobre a importância da colaboração Sul-Sul.
“A Índia tem de trabalhar de acordo com o que postula, para que as colaborações tenham êxito”, disse Sachin Chaturvedi, do RIS, que liderou o estudo, fechado em março e divulgado na semana passada. “Isto significa que ministérios e agências-chave, especialmente o Departamento de Biotecnologia, devem se ‘desocidentalizar’ de verdade e começar a ver o potencial real das colaborações Sul-sul”, acrescentou.
A advogada Leena Menghaney, da Companhia para o Acesso a Medicamentos Essenciais, da organização Médicos Sem Fronteiras, disse à IPS que os ministérios da Saúde de Índia e Brasil têm de criar mecanismos inovadores para facilitar o acesso de produtos e tecnologias para os países em desenvolvimento. “Particularmente estas duas nações emergentes devem se manter afastadas das desvantagens do sistema de propriedade intelectual, tradicionalmente associado ao bloqueio não apenas de medicamentos e diagnósticos, mas também de ferramentas de pesquisa”, afirmou.
O estudo propõe que as colaborações entre Índia e Brasil deem aos laboratórios indianos maior acesso ao mercado brasileiro, bem como de outros países latino-americanos. Espera-se que somente o mercado do Brasil chegue a US$ 18,3 bilhões em 2012. Um impacto significativo da colaboração Índia-Brasil na biotecnologia médica elevou a disponibilidade de produtos baratos nesta área. As firmas biotecnológicas indianas demonstraram sua capacidade de inovar, reduzindo os preços de produtos como a vacina contra a hepatite B.
As firmas brasileiras também podem fornecer produtos rentáveis ao mercado indiano, se receberem o adequado apoio oficial. No Brasil, por exemplo, tem-se acesso a equipamentos para diagnóstico da aids e da leishmaniose a preços entre 30% e 40% mais baratos do que na Índia. “A colaboração em matéria de pesquisa tem o potencial de fazer com que estas tecnologias estejam disponíveis para o público de maneira a ampliar o acesso mediante o baixo custo”, disse Chaturvedi, acrescentando, entretanto, que o desenvolvimento de produtos de má qualidade nega esses benefícios ao público.
Por exemplo, só agora está sendo adaptado na Índia um equipamento para diagnóstico de leishmaniose que em 2003 já estava pronto com tecnologia transferida pelo Centro de Produção e Pesquisa de Produtos Imunobiológicos (CPPI) do Estado do Paraná. Sorte semelhante teve um equipamento de diagnóstico de tuberculose desenvolvido no Brasil. Uma equipe conjunta do CPPI e do Centro Jamnalal Bajaj de Pesquisa de Doenças Tropicais (JBTDRC), do Instituto Mahatma Gandhi de Ciências Médicas de Sevagram (Índia), trabalha para produzir equipamentos de diagnóstico de tuberculose e leishmaniose adaptados para as necessidades indianas.
Segundo o estudo do RIS, a força motriz dos acordos de sucesso em empresas de risco compartilhado entre laboratórios brasileiros e indianos foi o desejo de aproveitar os grandes mercados da América Latina. “O êxito da Índia depende da capacidade de fornecer remédios de alta qualidade” a preços baixos, disse Chaturvedi. “Agora o objetivo está na importação e no mercado brasileiro, embora a pesquisa e o desenvolvimento estejam nas cartas do futuro”, acrescentou.
A participação indiana no Brasil começou em 1997, quando o então ministro da Saúde, José Serra, convidou empresas da Índia a investir no país e aproveitá-lo como centro de produção de remédios em lugar de ser um simples destino de exportações. Dez anos depois, o Brasil aumentou os impostos para as importações de produtos farmacêuticos, dificultando às firmas indianas dependerem apenas da exportação de seus produtos para o Brasil e levando-as a iniciar operações locais ou a participar em colaborações.
Os medicamentos indianos cresceram na última década no Brasil. Em 1999, essas exportações representavam US$ 7 milhões, mas no final da década estavam em US$ 115 milhões. Entre os produtos exportados pela Índia para o Brasil estão antibióticos, vitaminas, corticoesteróides, vacinas, reativos e instrumentos cirúrgicos. O Brasil representa, aproximadamente, 3% do total das exportações farmacêuticas da Índia, que em 2010 foram de US$ 9 bilhões. Este país é o quarto maior exportador mundial em termos de volume.
O estudo do RIS cita um empresário indiano segundo o qual as colaborações com o Brasil se catalisaram com a promulgação de leis que promovem a produção de genéricos. Para penetrar no mercado brasileiro, os empresários indianos utilizaram uma variedade de estratégias que vão desde instalar fábricas para forjar empresas de risco compartilhado, até promover compras e fusões. Por exemplo, a companhia indiana Glenmark adquiriu a firma brasileira Laboratórios Klinger em 2004 e instalou uma subsidiária no Brasil.
Entre as empresas indianas com subsidiárias no Brasil, está a Cellopharm, uma das firmas de mais rápido crescimento na área de medicamentos genéricos, com negócios avaliados em US$ 98 milhões no mercado brasileiro. Os vínculos empresariais entre os dois países cobrem várias áreas de alta tecnologia. O Brasil, por exemplo, se converteu em importante centro para transplante de órgãos que exigem medicamentos imunodepressores, que empresas indianas como a Biocon fornecem com rapidez.
Índia e Brasil se tornaram sócios naturais nos setores farmacêutico e da saúde, em especial quando praticamente todas as multinacionais abandonaram a pesquisa de novos remédios contra tuberculose e malária. Para ser verdadeiramente significativa, esta colaboração deve produzir, além de genéricos, medicamentos contra doenças infecciosas que são necessários com urgência nos países em desenvolvimento, afirmou Menghaney. Envolverde/IPS