Frutos do Cerrado sustentam economias no sertão

Onde sobrevive, o Cerrado guarda paisagens deslumbrantes, rica biodiversidade e outras riquezas naturais imprescindíveis à sobrevivência de populações sertanejas. É o caso das regiões próximas à Chapada Gaúcha, no noroeste de Minas Gerais, onde cerca de 20 comunidades se organizaram para colher e comercializar produtos feitos com variados frutos nativos ao longo do ano, ajudando a manter porções selvagens do mais ameaçado bioma brasileiro.

As áreas mais elevadas e planas do município começaram a ser ocupadas por assentados vindos do Rio Grande do Sul no fim dos anos 1970, atraídos por projetos oficiais de colonização. No entorno do chapadão, já viviam dezenas de comunidades, tocando a vida da mesma maneira e nos mesmos locais que inspiraram a obra-prima de Guimarães Rosa, o livro Grande Sertão Veredas, de 1956.

Hoje maior produtor nacional de sementes de capim e um dos líderes no cultivo de soja, Chapada Gaúcha viu surgir em 1989 o parque nacional Grande Sertão Veredas. Seus 230 mil hectares entre Minas Gerais e Bahia são um dos maiores remanescentes de Cerrado no país.

Foi nesse cenário de produção e conservação ambiental temperado com as culturas e festas do interior onde pequenos agricultores descobriram que preservar a natureza é um grande negócio. O tipo e a quantidade de matéria-prima variam ao longo das estações do ano, mas ela está sempre ao alcance das mãos. Basta adentrar as matas e colher buriti, baru, araticum, fava d´anta, pequi, cajuzinho-do-mato e mangaba.

São mais de 12 frutos do Cerrado aproveitados pelas comunidades. Muitos são coletados logo ao caírem no chão: sinal de que estão maduros.

E respeitando o Cerrado, a produção é farta. Ano passado, aCooperativa Regional de Produtores Agrissilviextrativistas Sertão Veredas, criada em 2006, comercializou mais de 70 toneladas de polpas, sementes, farinhas e óleos vindos de aproximadamente vinte comunidades, onde as colheitas acontecem em mutirões. Os produtos complementam a renda dos produtores rurais e alcançam os mercados de São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal. Assim, ajudam a manter populações no campo, além de dar mais cor e sabor à merenda diária das escolas de Chapada Gaúcha.

Descoberta em 1936 pelo bioquímico húngaro Albert Szent-Györgyi, a rutina atua no organismo contra o processo de envelhecimento, melhorando a circulação do sangue e aliviando os sintomas de varizes e hemorróidas. A substância usada por laboratórios internacionais e brasileiros é extraída das sementes da fava d’anta, árvore comum do Cerrado. Só a cooperativa Sertão Veredas, de Chapada Gaúcha, comercializou por volta de 30 toneladas em 2010. O Brasil tem a maior reserva da árvore e responde por cerca de 60% do mercado mundial da substância.

Conforme o presidente da cooperativa, José Correia Quintal (52), o “seu Zezo”, quando os agricultores passam a obter renda do Cerrado melhor entendem porque é importante preservá-lo e dão maior valor a suas terras. Os lucros da cooperativa são divididos entre as comunidades. “Nossa organização está revertendo uma história de abandono social, pois muitas vezes os clientes não sabiam onde estava o produto ou o produtor não sabia onde estavam os clientes”, disse.

Esse indispensável “meio-de-campo” entre produtores e consumidores vem sendo feito pela Central do Cerrado, entidade sem fins lucrativos que oferece produtos de 35 comunidades tradicionais, como pequi, baru, farinha de jatobá, farinha de babaçu, buriti, mel, polpas de frutas, artesanatos e vários outros.

De acordo com o coordenador da iniciativa, Luis Carrazza, é preciso olhar para aquelas populações como detentoras de um modo de vida sustentável, como comunidades que tiram da natureza conservada o complemento de renda ao gado e à pequena produção agrícola. “É uma economia que se viabiliza na conservação da biodiversidade e não só em volumes de produção. É uma lógica com enormes ganhos sociais e ambientais muitas vezes não contabilizados pelos mercados”, disse.

“Ao contrário de outras atividades, aquela economia extrativista regional considera a capacidade natural de recuperação do Cerrado, ajudando na manutenção da biodiversidade e de serviços ambientais como fornecimento de água, regulação do clima e contenção de erosões, algo útil para o conjunto da sociedade”, disse Michael Becker, coordenador do Programa Cerrado-Pantanal do WWF-Brasil.

Com a energia elétrica iluminando cada vez mais casas no sertão e o asfalto se aproximando de Chapada Gaúcha, a partir do município mineiro de Arinos, cresce a expectativa sobre os rumos do desenvolvimento em toda a região. “O asfalto certamente contribuirá para um melhor escoamento da produção extrativista, mas é preciso controle governamental para se evitar maior degradação com a produção de soja e carne, que precisa sempre atender a legislação”, lembrou Carrazza.

Já Becker lembra que a nova fase de crescimento econômico regional tem suas diretrizes definidas. “Como toda a região faz parte de um grande conjunto de áreas protegidas (veja link sobre mosaico, ao lado), o modelo de desenvolvimento tem adotar parâmetros de sustentabilidade, harmonizando atividades produtivas, conservação da natureza e dos serviços ambientais, turismo e modos de vida tradicionais. Há espaço para tudo isso, beneficiando toda a região”, ressaltou.

*Publicado originalmente pela WWF.