Peshawar, Paquistão, 18/12/2013 – Médicos de duas importantes províncias do Paquistão se declararam em greve ou migraram para áreas mais seguras, deixando os pacientes sem atenção, como consequência do sequestro de 45 de seus colegas este ano, que a polícia atribui a grupos do movimento islâmico Talibã. Muitos dos médicos do Baluchistão e de Khyber Pakhtunkhwa, da qual Peshawar é a capital, migraram para outros lugares ou se declararam em greve para exigir do governo que garanta sua segurança, o que prejudica os doentes das duas províncias vizinhas, onde vivem 32 milhões dos 185 milhões de habitantes do Paquistão.
“Uma série de sequestros de médicos afetou negativamente o atendimento aos pacientes nos hospitais de Khyber Pakhtunkhwa e do Baluchistão”, afirmou à IPS o presidente da Associação de Médicos de Província (PDA), Shah Sawar. Os médicos costumam trabalhar nos hospitais públicos pela manhã e muitos exercem a prática privada à tarde e à noite. Ganham por seus serviços entre US$ 10 mil e US$ 30 mil por mês. Quase todos os sequestros foram para pedir resgate pelas vítimas.
Nos hospitais estatais de Khyber Pakhtunkhwa os médicos se declararam em greve depois do sequestro de Amjad Taqweem, no dia 3. O profissional era o único especialista em reumatologia do hospital Lady Reading (LRH) de Peshawar, e passou a ser o 12º médico sequestrado na província este ano, segundo a PDA. A greve levou ao fechamento do LRH, um dos maiores hospitais da província, com 500 especialistas, 1.650 camas e cinco mil pacientes atendidos diariamente.
“Os médicos não querem causar problemas aos pacientes com ações como uma greve, mas não há outra forma de pressionar o governo para conseguir o resgate de seus companheiros sequestrados”, afirmou Sawar. No começo deste mês, os médicos se declararam em greve no Complexo Médico Hayatabad, um hospital especializado em Peshawar. Sawar informou que Khyber Pakthunkhwa tinha cerca de 700 especialistas, incluindo cirurgiões, psiquiatras e pediatras. Mas o medo dos sequestros fez com que ao menos 20 deles se desligassem nos últimos seis meses.
A polícia suspeita que a maioria dos grupos responsáveis pelos sequestros opera por intermédio do proscrito Tehreek Taliban Pakistan. Esta organização extremista arrecada muito dinheiro com os sequestros, segundo a polícia. “Com o sequestro dos médicos, o Talibã não só obtém grandes somas mas também priva as pessoas do tratamento”, pontuou à IPS o oficial Abidullah Shah. O policial citou o caso de Manzoor Ahmed, médico que havia emigrado para o Canadá e que regressou para servir sua gente.
Ahmed foi sequestrado em maio, na rica região de Hayatabad, e foi solto após pagar US$ 100 mil de resgate. “No dia seguinte voltou para o Canadá, deixando centenas de pacientes sem atendimento”, contou Shah, que investigou seu caso. Os sequestros obrigaram os médicos a considerar sair da cidade ou contratar guarda-costas, detalhou à IPS o cirurgião Musa Kaleem. “A maioria vive em constante temor, já que são alvos fáceis. No fim, quem sofre são os pacientes, que não podem ter acesso aos especialistas”, lamentou.
O chefe de polícia de Peshawar, Ijaz Ahmed, afirmou que os médicos terão plena segurança. “Estamos criando uma força de resposta rápida perto de hospitais particulares e públicos para deter a onda de sequestros”, garantiu. O governo também analisa um pedido dos profissionais para que lhes seja dada licença para portar armas. A maioria das vítimas foi sequestrada na rua depois do anoitecer. Às vezes, os locais de cativeiro estão perto de suas casas.
Mushtaq Khan, que foi sequestrado em fevereiro, disse aos seus familiares que depois de receberem o resgate seus captores perguntaram onde queria ser deixado. “Em poucos minutos estava em sua casa em Hayatabad, o que significa que esteve cativo em algum lugar próximo”, explicou Abdul Basit, médico e primo de Khan.
Os médicos do Baluchistão, outra província que sofre violência pelos distúrbios étnicos e insurgentes, também protestaram pelo sequestro de 27 colegas este ano, segundo o capítulo local da Associação Médica do Paquistão (PMA). Enquanto 26 continuam desaparecidos, um foi libertado após pagamento de quase US$ 500 mil aos sequestradores. “O levaram no dia 17 de setembro e o libertaram no dia 1º deste mês. Sua família sofreu um grande trauma”, disse à IPS por telefone Sultan Tareen, presidente da PMA no Baluchistão.
Tareen informou que a província tem apenas 200 especialistas, insuficientes para atender seus dez milhões de habitantes. O Baluchistão, com 44% da superfície do Paquistão é a maior província do país, e seu tamanho dificulta o acesso aos cuidados médicos para quem vive em lugares remotos. “Uma dezena de médicos abandonou Quetta, a capital, e outras cidades, como Pishin e Kalat, por medo dos sequestros. A falta de segurança pode provocar uma fuga de cérebros”, advertiu.
Foi recomendado aos médicos que tirassem porte de armas e contratassem guarda-costas, acrescentou Tareen. “Todos temos medo, já que pertencemos ao mesmo setor de renda, podendo estar na lista de objetivos dos sequestradores”, ressaltou. Abdur Rehman, oftalmologista de Peshawar, foi sequestrado no dia 29 de janeiro, “e desde que foi libertado, em junho, limitou suas atividades”, contou à IPS Subhan Ali, um de seus assistentes.
Antes costumava tratar cerca de 500 pacientes por dia, a maioria gratuitamente. As pessoas atendidas em seus acampamentos médicos recebiam medicamentos e até óculos sem custo algum. Mas agora ele fechou essas clínicas móveis para não se expor. Vários grupos criminosos operam na cidade e sempre existe o medo de que um novo volte sua atenção para você, disse o assistente, acrescentando que “as pessoas que costumavam fazer exames e receber remédios de graça são as que sofrem”.
O principal pediatra da cidade, Abdul Hameed, que frustrou uma tentativa de sequestro em setembro, passa a maior parte do tempo em sua casa. “Depois do incidente deixou de atender as crianças”, disse Sawar. Envolverde/IPS