Tóquio, Japão, 27/2/2012 – O japonês Kazuya Tarukawa, de 36 anos, deixou um trabalho seguro na capital japonesa para cuidar da fazenda orgânica de sua família, a cem quilômetros do acidentado reator nuclear de Daiichi, em Fukushima. Embora esteja fora da zona de exclusão, estabelecida pelo governo a uma distância de 60 quilômetros em torno da central atômica, a fazenda de Tarukawa não está imune às suspeitas de contaminação radioativa. E os consumidores são cada vez mais cautelosos.
Dez dias depois do desastre de 11 de março de 2011 na central de Fukushima, causado por um terremoto seguido de tsunami, o desespero levou o pai de Kazuya, Hisashi Tarukawa, de 74 anos, ao suicídio. “Meu pai ficou arrasado depois do acidente com o reator nuclear e as notícias sobre contaminação radioativa. Perdeu toda esperança em seu futuro e no da agricultura do Japão”, contou Kazuya à IPS.
A horta, que produz uma ampla variedade de verduras no verão, foi cultivada com esmero por oito gerações. Na última década, Hisashi acrescentou a agricultura orgânica a esta herança. “O acidente nuclear arrasou todos nossos esforços”, disse o filho e sucessor, que também sente um desespero profundo. Os agricultores da região ainda lutam para assumir que uma das piores consequências do desastre é o golpe à indústria alimentar japonesa, antes respeitada em todo o mundo por sua qualidade.
“Os produtos de mar e agrícolas são rejeitados interna e internacionalmente pelo medo da radiação”, explicou Ryota Koyama, especialista em segurança alimentar da Universidade de Fukushima. “Chegou o momento de desenvolver novas políticas de segurança baseadas em evidências científicas e em preocupações sociais, passo crucial para a abordagem desse problema”, destacou.
Nos últimos meses, o governo vem tentando fazer com que a população volte a confiar nos alimentos cultivados em Fukushima e áreas vizinhas, e para isso realizou a limpeza dos solos contaminados de granjas e hortas. As autoridades também se comprometeram a realizar novas análises para detectar Césio 137, perigoso material radioativo, em mais de 25 mil estabelecimentos agrícolas, criar medidas de segurança mais rígidas a partir de abril deste ano, e intensificar as inspeções em busca de radiação nas lojas de alimentos. O Césio 137 é cancerígeno e tem vida média de 30 anos.
Este mês o Ministério da Saúde propôs um limite especial de 50 becquereles (medida de atividade radioativa por segundo) por quilograma de alimento e leite para crianças, a fim de reduzir a exposição à radiação. Um painel de cientistas já aprovou a proposta e destacou em um comunicado que as novas medidas para todos os produtos alimentícios “garantirão considerações especiais para as crianças”. No entanto, ativistas antinucleares e mães e pais, que continuam pressionando por melhores normas de proteção à infância de Fukushima, insistem que não ficarão satisfeitos enquanto o governo não adotar medidas para evacuar toda a população infantil para áreas totalmente seguras.
Segundo estimativas do influente jornal Asahi Shimbun, em setembro de 2011, uma área superior a oito mil quilômetros quadrados havia acumulado concentrações de Césio 137 de 30 mil becquereles por metro quadrado. A área que se estima contaminada inclui quase metade da prefeitura (divisão administrativa) de Fukushima, a terceira maior do Japão, com 13.782 quilômetros quadrados (km²). Também inclui prefeituras vizinhas, 1.370 km² em Tochigi, 380 km² em Miyagi, e 260 km² em Ibaraki. O jornal calculou a área contaminada com base em um mapa de distribuição dos níveis de Césio 137 acumulado, medidos a partir de aviões, que foi divulgado dia 8 de setembro de 2011 pelo Ministério da Ciência.
Os acidentes em Fukusima e na central ucraniana de Chernobyl (1986) foram de nível 7, o pior na Escala Internacional de Eventos Nucleares, porque a quantidade de materiais radioativos liberados superou as dezenas de milhares de terabecquereles. “Os testes indicando um grau inseguro de contaminação foram feitos inicialmente pelos agricultores e não pelo governo”, observou Masai Shiina, porta-voz da Rede de Mães de Fukushima para Proteger as Crianças. “Foi quebrada a confiança com relação aos funcionários”, acrescentou.
Segundo Koyama, a crescente indignação e desconfiança do público em relação ao governo tornam relevante o desenvolvimento de padrões de segurança nuclear baseados não apenas em medidas efetivas. É necessário “incluir o ponto de vista social sobre a contaminação nuclear”, destacou. Koyama desenvolve pesquisas sobre contaminação alimentar e para o desenvolvimento de uma gama de graus de segurança para diferentes produtos, que substitua o limite atual de cem becquereles.
Está em debate o desenvolvimento de padrões mais rígidos sobre produtos básicos, como o arroz, enquanto as frutas podem seguir nos níveis atuais, com base em um sistema praticado na Ucrânia. Koyama promove a divulgação de informação clara sobre os riscos que implicam diferentes tipos de contaminação radioativa, como o fato de o Césio poder ser controlado em várias décadas, enquanto a exposição ao plutônio radioativo de Chernobyl permanecerá por muito mais tempo.
O agricultor Kitaburo Tanno, que abandonou sua propriedade de oito hectares em Nihonmatsu, a 45 quilômetros do reator danificado, acredita que a agricultura japonesa só poderá ser salva com o governo dando informação honesta.
“Decidi abandonar minhas terras pouco depois do acidente porque já não podia confiar na informação que o governo passava. Eu teria apreciado uma avaliação honesta para os agricultores que pudessem seguir adiante com apoio de fundos públicos. Mas isto não aconteceu”, declarou à IPS. Mais de cem mil pessoas, principalmente jovens, abandonaram Fukushima. Provavelmente, estas migrações em massa afetem a produção das ricas áreas agrícolas do nordeste, e o governo, então, terá que tomar decisões difíceis. Envolverde/IPS