Tóquio, Japão, 5/8/2011 – Matashichi Oishi, vítima da radiação emanada de um teste nuclear realizado pelos Estados Unidos no atol de Bikini, em 1954, visitará Hiroshima amanhã, em recordação à bomba atômica que explodiu há 66 anos nessa cidade japonesa. O ex-marinheiro de 78 anos, que sofre de câncer no pulmão pela exposição a altos níveis da radiação emitida pela explosão de uma bomba de hidrogênio, disse que este ano sua mensagem em Hiroshima excederá o usual pedido para erradicar as armas nucleares.
“Após o desastroso acidente na usina nuclear de Fukushima, mencionarei a necessidade de o Japão proibir as armas atômicas, mas que também ponha fim à sua dependência da energia nuclear”, disse Oishi à IPS. Este argumento ganhou força após o terremoto e posterior tsunami que atingiu a região de Fukushima e a costa nordeste do Japão, em 11 de março, afetando seriamente a central ali localizada.
Hiroshima foi a primeira cidade do mundo a sofrer os efeitos de uma bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos em 6 de agosto de 1945, matando quase toda a população. O aniversário do bombardeio sobre Hiroshima e Nagasaki, devastada da mesma maneira três dias depois, se converteu em um forte símbolo da paz mundial. As duas cidades encabeçam o movimento de desarmamento nuclear.
Como Oishi, milhares de ativistas pela paz, funcionários e dirigentes políticos que se reunirão em Hiroshima para expressar seu compromisso com um mundo sem armas nucleares, também pedirão a proibição da energia nuclear. Um comunicado entregue à imprensa pelo prefeito dessa cidade, Kazumi Matsui, e seu colega de Nagasaki, Tomihisa Taue, deixaram clara a agenda.
Rascunhos dos discursos publicados pela imprensa mencionam a catástrofe que sofre a população de Fukushima, e pedem ao governo que promova fontes de energia renováveis. “O governo central deve assumir a responsabilidade de atender a questão da geração de energia nuclear”, afirmou Matsui.
De fato, Oishi disse que conseguir essa proibição foi seu único pedido nas últimas seis décadas. Tinha 19 anos e navegava em um barco de pesca de atum quando os Estados Unidos realizaram o teste que irradiou sobre a tripulação e obrigou a uma evacuação em massa dos habitantes das ilhas vizinhas.
O incidente causou um alvoroço no Japão, e, devido à sensibilidade política da época, plena Guerra Fria, com uma corrida armamentista entre a hoje dissolvida União Soviética e os Estados Unidos, Oishi e seus companheiros foram obrigados a abandonar a intenção de levar o caso à justiça. Catorze dos 23 tripulantes japoneses do barco Lucky Dragon desenvolveram câncer e dez deles morreram.
O aniversário de Hiroshima é uma época de solidariedade para Ayako Ooga, obrigada a viver em um abrigo em Aizu, a 150 quilômetros dos afetados reatores de Fukushima, onde residia quando ocorreu o desastre. “Temos que unir forças com outras vítimas como Oishi, porque sofremos a radiação”, afirmou.
O acidente em Fukushima destacou a importância de elevar a conscientização da população sobre os aspectos negativos da energia nuclear, disse o professor Michiji Konuma, diretor da organização World Peace Appeal, com sede no Japão. Físico de profissão, Konuma há tempos luta para destacar os riscos que a radiação representa para a saúde. Fukushima foi o quarto desastre nuclear que afetou o Japão, após o de Bikini, Hiroshima e Nagasaki.
“A tragédia humana do desastre, que implicou mortes e doenças, como câncer e outras causadas pela radiação, bem como a grande discriminação sofrida pelos sobreviventes, mostra os problemas ocultos e de longo prazo da energia nuclear”, explicou Konuma. “Devemos recordar a lição deixada por Fukushima e falar dos perigos que enfrentamos mantendo essa fonte de energia”, acrescentou.
Konuma é um dos intelectuais japoneses que mandaram um aviso ao governo, em julho, para que abandonasse a dependência da energia nuclear. O grupo de especialistas também lidera um movimento para organizar um debate sobre os aspectos de segurança relacionados com a energia nuclear no Japão para que a população compreenda bem o que aconteceu.
“A dificuldade de manter a luta contra essa fonte de energia só pode ser superada se os diferentes atores se unirem, de intelectuais a vítimas da radiação. Não temos de repetir o erro de esquecermos novamente”, acrescentou. “Minha própria história mostra o quanto é solitária a luta no Japão para que as autoridades ouçam as vítimas, que se calam para não sofrer discriminação”, concordou Oishi. Envolverde/IPS