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Fumo assassino à espreita nas ilhas do Pacífico

Os cigarros são populares entre os produtos oferecidos por vendedores de mercadorias importadas em Port Moresby, Papua Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS
Os cigarros são populares entre os produtos oferecidos por vendedores de mercadorias importadas em Port Moresby, Papua Nova Guiné. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sydney, Austrália, 13/9/2013 – Governos das ilhas do Pacífico ocidental, onde, acredita-se, vive um terço dos fumantes do mundo, iniciaram uma longa batalha contra a crescente quantidade de doenças não transmissíveis, responsáveis por 75% das mortes na região. Kiribati e as ilhas Marshall têm a maior prevalência de diabetes do mundo, com 25,7% e 22,2%, respectivamente. Fiji, no entanto, suporta a maior carga de mortes causadas por enfermidades não transmissíveis na região: 501 em cada cem mil habitantes.

Os principais fatores incluem um forte consumo de tabaco e álcool, sedentarismo e má alimentação. Tudo isto se vê exacerbado pela rápida urbanização e por um consumismo em expansão. Em 2011, dirigentes das ilhas do Pacífico declararam que as doenças não transmissíveis são o eixo de um problema com impactos de longo prazo, entre eles produtividade econômica, perda de renda nas famílias e insustentáveis custos com saúde. A limitada capacidade dos serviços sanitários para enfrentar as crescentes demandas de serviços preocupa cada vez mais.

Os governos já cobrem a maior parte do gasto nacional com saúde, com até 90% do total em Vanuatu e 87% em Samoa, e são poucas as possibilidades de aumentar os orçamentos. “Não acredito que algum país possa enfrentar a carga que implicam as doenças não transmissíveis, nem mesmo os de alta renda”, opinou a médica Wendy Snowdon, do Centro de Pesquisas do Pacífico para a Prevenção da Obesidade e das Enfermidades Não Transmissíveis, na Escola de Medicina de Fiji.

“O tratamento é caro, e enquanto os países a região aumentam seus investimentos para enfrentar essas enfermidades, a única solução viável é o impulso efetivo da prevenção, o que poderia reduzir a carga”, afirmou Snowdon à IPS. Desafiar hábitos arraigados e controlar o acesso ao tabaco são imperativos para reduzir a prevalência da hipertensão, da diabete e do câncer, bem como para abordar as doenças cardiovasculares, que são as que causam mais mortes.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) cita o tabaco como segundo maior fator de risco de mortes relacionadas com doenças não transmissíveis, 80% das quais ocorrem em países de rendas baixa e média. A prevalência do tabagismo nos homens vai de 74%, em Kiribati, e 60%, em Papua Nova Guiné, até 55%, em Tuvalu, e 47%, nas ilhas Cook. Entre as mulheres, embora o hábito esteja aumentando, a prevalência é menor, de 43% em Kiribati, 41% nas ilhas Cook e 27% em Papua Nova Guiné.

Stephanie Erick, do Tala Pasifika, um serviço cardíaco da Nova Zelândia que busca empoderar os povos do Pacífico em matéria de controle do tabaco, disse à IPS que “a prática de fumar se inseriu com os anos nas práticas culturais (do Pacífico), por exemplo, com o costume de beber kava. Do ponto de vista social, se tornou comum dar de presente pacotes de cigarros (livres de impostos) por parte de turistas estrangeiros que chegam a países das ilhas do Pacífico”.

Um informe divulgado no ano passado, pela fundação norte-americana Legacy e pela Associação do Pacífico para as Ilhas Sem Tabaco, destacou que a dependência começa em idades precoces. Dos estudantes secundários das ilhas Marianas do Norte, 25% são fumantes. Nas ilhas Marshall, quase 90% dos tabagistas começaram a fumar na adolescência, e dois terços são consumidores diários quando chegam aos 18 anos.

As repercussões socioeconômicas para esta geração, na medida que envelhecer, serão sérias em uma região que se esforça por cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, com resultados não totalmente positivos. A conexão entre doenças não transmissíveis e incapacidade, como paralisias causadas por acidentes cerebrovasculares, amputações e cegueira, já está fazendo vítimas. Em Fiji, a diabete é a principal causa de amputações e a segunda de cegueira na idade adulta.

Um informe da australiana Universidade de Sydney culpa o tabagismo pela carga de câncer do pulmão entre 39% e 47% dos homens das ilhas do Pacífico, e prevê que isto aumentará para 70% a 84% nas próximas duas décadas. Os líderes das ilhas do Pacífico, conscientes das implicações para o futuro da região, desenvolveram estratégias de resposta para a crise durante o Fórum de Enfermidades Não Transmissíveis de 2012, que se centrou no controle do tabaco e em criar capacidade nos serviços de atenção primária à saúde.

Seu objetivo é conseguir uma redução de 25% nas mortes relacionadas com males não transmissíveis em pessoas entre 30 e 70 anos até 2025. Porém, a implantação apresenta grandes desafios. Muitos fornecedores de serviços de saúde estão limitados por seus escassos recursos e sob financiamento. Os ministérios da Saúde promovem a prevenção por meio de enfoques da “sociedade em sua totalidade” e “o governo em sua totalidade”, como a maneira mais provável de reverter o cenário atual.

Um passo crucial foi a ratificação do Convênio Marco da OMS para o Controle do Tabaco por parte de todos os Estados e territórios membros das ilhas do Pacífico. O tratado é apoiado pela estratégia MPOWER, que promove aumento no preço do tabaco e nos impostos, proibição da publicidade de cigarros, regulamentação do uso dessa droga em espaços públicos, e serviços de apoio para deixar de consumi-la.

Jeanie McKenzie, assessora sobre doenças não transmissíveis vinculadas ao tabaco e ao álcool na Secretaria da Comunidade do Pacífico em Noumea, Nova Caledônia, disse à IPS que o Convênio Marco é um importante catalisador para o surgimento de políticas relacionadas ao tabaco na região. “A Secretaria realiza painéis sobre tabaco em Vanuatu, ilhas Salomão, ilhas Cook e Palau, e estes refletem o fato de nesses países existirem legislação” a respeito, destacou.

“Os países do Pacífico também estão aumentando os impostos sobre o tabaco, com altas de 20% ou mais”, acrescentou McKenzie. Este ano, a venda de cigarros avulsos e fumar em espaços públicos passaram a ser ilegais nas ilhas Salomão. Fiji também introduziu novos requisitos para que as advertências sanitárias gráficas cubram 60% dos maços de cigarros. Aumentar o preço do tabaco afeta grupos sociais que não podem pagá-los, “habitualmente jovens e mulheres, e atua como desestímulo”, explicou.

“As leis que impedem a venda de pacotes de cigarros e a prática de abrir um maço e vender avulso também ajudam a abordar o problema de acesso por um preço menor pelos jovens” ao cigarro, pontuou McKenzie. A OMS afirma que cada 10% de aumento no preço de varejo do tabaco induz uma queda de até 8% no consumo em países de rendas baixa e média.

A nação de Niue, um atol coralino localizado no nordeste da Nova Zelândia, com 1.611 habitantes, é um caso de sucesso. Em julho, anunciou que medidas sustentadas de controle do tabaco e apoio à saúde haviam obtido uma enorme redução da prevalência do tabagismo nos homens, de aproximadamente 58% nas últimas décadas para 15,8%, e nas mulheres de 17% para 7,6%. Isto coloca esse Estado insular bem à frente de seu objetivo de que em 2021 haja 25% menos fumantes homens e, entre as mulheres, 13% menos. Envolverde/IPS