Doha, Catar, 5/6/2013 – Milhares de funcionários da administração pública da Turquia aderiram ontem aos protestos que sacodem esse país há cinco dias, e se declararam em greve por dois dias em repúdio à dura repressão desencadeada pelo governo. A Confederação de Sindicatos Públicos, que reúne cerca de 240 mil trabalhadores distribuídos em 11 filiais, convocou a greve em resposta ao “terrorismo de Estado contra manifestantes em todo o país”. No comunicado também afirma que o governo do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan “mostrou sua animosidade contra a democracia”.
A jornalista Rawya Rageh, da rede de televisão árabe Al Jazeera, informou de Ancara, capital turca, que a greve de dois dias é significativa. “Os grevistas procuram mandar uma mensagem de que não se trata apenas de jovens nas ruas, nem de um parque ou reclamações individuais, mas de algo maior”, acrescentou. Mas o êxito da medida ainda está por se ver, acrescentou, lembrando que “os sindicatos são muito fortes na Turquia. Será uma prova para demonstrar que podem cumprir o que disseram”.
A convocação para a greve ocorreu cinco dias depois de começarem as manifestações maciças contra o governo de Erdogan, de tendência islâmica, reprimidas fortemente pelas forças de segurança. Nesse espaço de tempo já morreram pelo menos dois homens. O primeiro faleceu no dia 3, atropelado em Istambul. O segundo morreu durante manifestação na cidade de Antioquia, perto da fronteira com a Síria. Segundo o canal de televisão NTV, trata-se de Abdullah Comert, de 22 anos, que na noite do dia 3 teria recebido um disparo na cabeça. Porém, as autoridades afirmam que Comert sofreu um golpe e negam que tenha sido ferido à bala.
As redes sociais ficaram inundadas de denúncias e vídeos mostrando a repressão da polícia. A Fundação de Direitos Humanos da Turquia informou que pelo menos mil manifestantes sofreram “maus tratos e torturas” em mãos das forças de segurança. Ontem o vice-primeiro-ministro, Bulent Arinc, pediu desculpas aos manifestantes feridos nos choques com a polícia e se comprometeu a falar com os organizadores do protesto original que querem salvar o parque Gezi de Istambul.
No dia 28 de maio, houve uma concentração nesse local para evitar o corte de árvores para dar lugar a um centro comercial. No entanto, com o passar dos dias o protesto cresceu e se voltou contra o governo, que respondeu com violência. Este é o maior desafio que o governo enfrenta desde que assumiu em 2002, mas não impediu Erdogan de continuar com sua viagem pelo Magreb. No dia 3, viajou ao Marrocos, onde insistiu em afirmar que a situação em seu país voltava à calma.
O primeiro-ministro também rechaçou a ideia de uma “Primavera Turca”, como disseram algumas pessoas que o acusam de tentar impor reformas religiosas em um Estado laico. Também chamou os manifestantes de “vândalos”, antes de recordar que foi eleito democraticamente. Erdogan atribuiu as manifestações a “extremistas”, “dissidentes” e ao opositor Partido Republicano do Povo. “A situação volta à calma. Quando regressar, os problemas serão resolvidos. O Partido Republicano do Povo e outros dissidentes colocaram as mãos nestes incidentes”, afirmou em Rabat, capital do Marrocos.
O analista turco Fadi Hakura, do grupo de estudos Chatham House, com sede em Londres, disse à Al Jazeera que “o primeiro-ministro adotou um enfoque realmente desafiador e de confrontação em relação aos manifestantes de Istambul e outras cidades. Já os acusou de serem extremistas e também insinuou que há um vínculo entre manifestantes e conspiradores estrangeiros”, afirmou. Envolverde/IPS