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Garzón pensa na justiça supranacional

Madri, Espanha, 8/2/2012 – Caso seja condenado pelo Supremo Tribunal de Justiça da Espanha na chamada causa da Memória Histórica, o juiz Baltasar Garzón vai apelar ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, onde, tudo indica, seu pedido poderá ser aceito.  Familiares de vítimas do franquismo defenderam, nas audiências do dia 6 e ontem no Supremo o direito de saber o destino dos seus, apoiando que seja investigado o que aconteceu.

Entre outros, deu sua declaração Olga Alcega, presidente da Associação de Familiares de Fuzilados e Desaparecidos de Navarra, Antonio Solsona Nebot, do Grupo de Recuperação da Memória de Castellón, Emilio Silva, da Associação Recuperação da Memória de León, Biergos, Burgos e Zamora, e Antonio Ontañon, da Heróis República e Liberdade.

Garzón é acusado de prevaricação, ou seja, optar por uma resolução injusta mesmo sabendo disso, por abrir um processo de competência sobre os desaparecimentos forçados de 114.266 pessoas desde julho de 1936, quando um golpe militar deu início à Guerra Civil de três anos, e em boa parte da posterior ditadura de Francisco Franco, que terminou com sua morte em 1975.

Este juiz, conhecido internacionalmente por ter condenado o hoje falecido ditador chileno marechal Augusto Pinochet, é acusado de não considerar a Lei de Anistia de 1977, apesar de, por sua função, ter obrigação de conhecê-la e acatá-la. Os querelantes no processo da Memória Histórica são o sindicato de funcionários Mãos Limpas e a associação Liberdade e Identidade, ambas ultradireitistas, que pedem 20 anos de inabilitação para Garzón.

Em entrevista à IPS, o jurista Andrés Lópes Rodríguez, especializado em direitos humanos, disse que é contra o julgamento de Garzón “por não existir nenhum dos crimes que lhe são atribuídos”. Um juiz tem o poder de fazer o que determina a lei, e a vigente na Espanha estabelece que os crimes contra os direitos humanos cometidos nesse período, que são os motivos deste processo, não prescrevem e a eles não se pode aplicar a Lei de Anistia. Por esta razão, Rodríguez está otimista e acredita que a sentença, se por fim for dada, será anulada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

Por outro lado, o veterano jurista e presidente emérito da Sociedade de Estudos Internacionais, Fernando de Salas, assegurou à IPS que Garzón “foi além de suas atribuições, cuidando de um tema no qual não pode nem deve atuar. Com isso causou um dano ao judiciário espanhol e universal”, ressaltou.

Garzón, que está suspenso de suas funções, negou todas as acusações ao depor no dia 31 de janeiro no Supremo Tribunal e se declarou competente para investigar os crimes da ditadura. Também considerou legítimo ter autorizado exumações em paralelo à petição de certificações da morte de 35 pessoas vítimas dos crimes cometidos por militares do regime franquista, embora depois tenha declarado extinta a responsabilidade de várias delas.

O magistrado afirmou também que não vulnerou a Lei de Anistia, pois ela “se refere a fatos políticos e em nenhum caso pode-se afirmar que os crimes contra a humanidade possam ser qualificados como de natureza política”. Apesar da defesa, o júri resolveu seguir adiante com o julgamento, por quatro votos contra três.

Chuva de respaldo

Personalidades do mundo das letras e artistas lotaram, no dia 6, o teatro de Bellas Artes, em Madri, para apoiar as vítimas do franquismo e Garzón. Entre outros, apresentaram-se os cantores Ismael Serrano, Luis Pastor, Lucía Sócam e Pedro Guerra, enquanto dos discursos se encarregaram os atores Alberto San Juan, Pilar Bardem e Juan Diego Botto.

Hilda Farfante, filha de professores republicanos fuzilados pelo franquismo, foi a voz das vítimas neste ato, acompanhada por voluntários de associações que trabalham nas exumações das fossas comuns, o que podem fazer legalmente por decisões de Garzón, a quem apresentaram a denúncia correspondente.

Também chegam apoios da Alemanha, onde a seção local da Associação Internacional de Juristas Contra as Armas Nucleares declarou que “seria uma vergonha para a Espanha e toda a Europa Garzón ter de pagar em seu próprio país, com o fim de seu exercício profissional e a deterioração de seu nome, as investigações contra o ditador (Franco) e seus esbirros”.

Em carta aberta divulgada no dia 6, os juristas afirmam que o processo coloca à prova a independência judicial e perguntam se “os juízes do Supremo Tribunal tomarão uma decisão independente das forças ainda importantes do antigo regime e defenderão a independência judicial de Garzón”.

Gonzalo Martínez Fresneda, advogado defensor de Garzón, entregou ontem ao Supremo as sentenças de vários tribunais baseadas em processos semelhantes ao atual. Entre outras, forneceu sentenças dos tribunais Europeu de Direitos Humanos e Interamericano de Direitos Humanos, de tribunais internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) e de países como Argentina, Chile e Peru.

José Antonio Martín Pallín, magistrado emérito do Supremo, afirmou que os espanhóis não podem transmitir às futuras gerações “esta perene dolência de não querer saber nem averiguar a verdade”. Por isto, acredita que se deve seguir exemplos em julgamentos de violações dos direitos humanos como na Alemanha, Argentina, Itália, África do Sul, Croácia, Ruanda, Serra Leoa e Chile e, portanto, assumir como correta a ação de Garzón. A justiça nesses países, em resposta a demandas locais e internacionais, aceitou julgar crimes semelhantes aos cometidos na Espanha.

Pallín destacou que esses crimes, qualificados como “de lesa humanidade” não prescrevem, com estabelece a ONU. Acrescentou que a Lei de Anistia aprovada na Espanha em 1977 só atinge crimes políticos e “de modo algum os de terrorismo”, sejam cometidos por órgãos do Estado ou organizações ou pessoas civis.

No entanto, o processo da Memória Histórica não é o único problema judicial que Garzón enfrenta. Em 2006, foi aberto um julgamento pela acusação de ter recebido dinheiro em mãos, doado por um banco espanhol à Universidade de Nova York, na qual deu um curso e por isso cobrou honorários. Em fevereiro de 2009, foi envolvido no processo pelas escutas de conversas entre advogados defensores e presos pelo caso Gürtel, uma das maiores tramas de corrupção da democracia espanhola, vinculada ao centro-direitista Partido Popular, hoje novamente no governo. Envolverde/IPS