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Gás de xisto, uma ponte para mais aquecimento global

Uxbridge, Canadá, 2612012 – Centenas de milhares de poços para extrair gás de xisto são perfurados nos Estados Unidos e no Canadá, liberando na atmosfera grandes quantidades de metano, um potente gás contaminante, afirmam novos estudos. A produção de gás de xisto gera entre 40 e 60 vezes mais emissões de gases-estufa do que o convencional, disse Robert Howarth, da Universidade Cornell, no Estado de Nova York. “No curto prazo também deixa uma pegada de gás-estufa maior do que o petróleo ou o carvão”, alertou Howarth, um dos autores de Venting and Leaking of Methane from Shale Gas Development (Ventilação e Vazamento de Metano do Desenvolvimento do Gás de Xisto), que será publicado na revista Climatic Change.

Este último estudo segue uma controvertida pesquisa publicada por Howarth e seus colegas em abril de 2011, que foi a primeira análise exaustiva sobre emissões de gases causadores do efeito estufa pela extração de gás de xisto mediante o método de fratura hidráulica. Segundo o estudo, quando são perfurados poços com esta técnica, há vazamento de grande quantidade de metano, o que supõe uma significativa ameaça ao clima global.

“Nos ativemos à conclusão de nossa investigação de 2011”, explicou Howarth. A investigação derruba a lógica do setor energético, segundo a qual o gás de xisto é uma “ponte” para um futuro energético com poucas emissões de dióxido de carbono (CO²). Os argumentos se baseiam no fato de o gás natural (principalmente o metano) ter metade de CO² do que o carvão, e quando se queima para gerar energia elétrica é muito mais eficiente do que este.

Contudo, esses benefícios ficam ofuscados pelos vazamentos tanto no poço, no processo de fratura, como na entrega do gás e durante seu envio para o sistema de distribuição.

Howarth e seus colegas estimam que entre 3,6% e 7,9% de todos os vazamentos derivados da obtenção de gás de xisto, chamadas “emissões fugitivas”, são piores do que queimar petróleo ou carvão. O metano tem 105 vezes mais potencial para aquecer a atmosfera do que o dióxido de carbono nos primeiros 20 anos, após o qual perde rapidamente essa capacidade.

Se forem liberadas grandes quantidades de metano mediante fratura hidráulica, o que é altamente provável devido às centenas de milhares de novas perfurações previstas para as próximas décadas, as temperaturas globais poderiam aumentar do atual 0,8 grau para 1,8 grau nos próximos 15 a 35 anos, segundo Howarth, podendo desatar um período crítico com acontecimentos climáticos catastróficos. “Nossa principal preocupação é que as emissões de metano das próximas décadas farão com que todo o sistema climático ultrapasse um grande ponto crítico”, afirmou à IPS.

Um estudo do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos Estados Unidos concluiu, em setembro de 2011, que os vazamentos de metano significam que o gás natural oferece poucas vantagens em relação ao carvão. Ainda que os vazamentos sejam de 1% ou 2%, bem menos do que os estimados por Howarth, seria pouco melhor do que continuar queimando carvão, concluiu o estudo Coal to Gas: the Influence of Methane Leakage (Do Carvão ao Gás: a Influência dos Vazamentos de Metano).

A fratura hidráulica implica cavar de forma vertical entre 500 e três mil metros na rocha de xisto e depois de forma horizontal, por cerca de mil metros ou mais, ao longo da formação geológica. Depois são bombeadas substâncias químicas e grande quantidade de água sob a terra a uma pressão suficientemente forte para fraturar a rocha, liberando o gás nas tubulações. As primeiras vezes que se utilizou a fratura hidráulica foram no Estado do Texas, no início da década de 1990, mas foi em limitadas ocasiões. Porém, as novas tecnologias desenvolvidas nos últimos oito anos tornaram possível alcançar depósitos de gás mais profundos e amplamente diversos.

A Lei de Política Energética de 2005, do governo de George W. Bush, isentou a fratura hidráulica da normativa prevista na Lei de Água Limpa, o que preparou o caminho para a febre do gás de xisto. Nos últimos anos, a produção desse gás cresceu 48% anualmente, segundo a Administração de Informação de Energia dos Estados Unidos.

Há cerca de 400 mil perfurações em território norte-americano e dezenas de milhares mais previstas para os próximos dois anos. O público se preocupa cada vez mais com a contaminação da água e do ar, pela escassez da água, com a perturbação do tecido social de localidades rurais e até pelos terremotos. O governo de Ohio deixou de utilizar a fratura hidráulica este mês em uma parte do Estado, depois da associação de uma série de tremores com as injeções subterrâneas.

A fratura hidráulica exige que sejam injetados entre dez e 15 milhões de litros de água e 200 mil litros de produtos químicos. Além disso, o resultante líquido residual costuma estar muito contaminado para ser reutilizado, por isto é bombeado para mais abaixo da terra ou deixado em tanques especiais. A indústria do gás nega que a técnica contamine aquíferos e perfurações de água potável, apesar das centenas de denúncias que existem há anos. E são poucas as pesquisas independentes a este respeito.

Cientistas da Universidade Duke analisaram, no ano passado, 68 locais onde foi aplicada a fratura hidráulica e encontraram água subterrânea com concentrações de metano 17 vezes superiores aos poços localizados onde essa técnica não foi usada. Alguns níveis eram superiores aos de risco da “ação imediata”.

A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos começou no ano passado seu primeiro estudo em profundidade sobre os riscos desta técnica para a água potável. Os resultados preliminares, divulgados no final de 2011, mostraram que a água estava contaminada com benzeno, conhecido cancerígeno e uma das substâncias químicas utilizadas na fratura hidráulica. De uma perspectiva climática, o gás de xisto é, certamente, pior do que o convencional, disse Zeke Hausfather, especialista em energia da Efficiency 2.0, em Nova York, que trabalha com companhias de eletricidade.

No entanto, Hausfather questiona os resultados de Howarth sobre o gás de xisto ser pior do que o carvão, pois este último libera mais dióxido de carbono e, enquanto o metano se mantém na atmosfera por apenas uma década, o dióxido de carbono permanece milhares de anos. “Há muita incerteza sobre o vazamento de metano e a maioria das argumentações se baseia em estimativas”, declarou à IPS.

Frente à forte resistência da indústria, a Agência de Proteção Ambiental propôs normas que obriguem a capturar o metano quando se completar a perfuração. São necessárias, pois as considerações econômicas por si só não puderam gerar as reduções necessárias, disse Anthony Ingraffea, da Universidade Cornell e um dos colaboradores de Howarth.

Conectar os vazamentos de metano ao final da produção, desde a boca do poço até as tubulações de transmissões, as estações de compressão e a rede de distribuição, com várias décadas de antiguidade, sob as ruas de cidades dos Estados Unidos e do Canadá, seria extraordinariamente caro, ressaltou Ingraffea. “Se gastaria melhor o dinheiro construindo pequenas redes de eletricidade e usando outras tecnologias para avançar para um futuro energético realmente verde?”, questionou Ingraffea. Envolverde/IPS