Truman Capote, Tom Wolfe e Norman Mailer foram alguns dos expoentes do Novo Jornalismo — no qual se investiga com os instrumentos de repórter e se relata com os recursos da ficção –, mas nenhum deles brilhou tanto nesse movimento surgido nos anos 1960 quanto Gay Talese. Repórter do New York Times entre 1955 e 1965, cuja história contou no clássico O Reino e o Poder (1969), Talese escreveu algumas obras-primas da reportagem, entre elas Frank Sinatra Está Resfriado, que se tornou o perfil mais famoso da imprensa norte-americana.
De escrita elegante, proveniente de um exaustivo processo de apuração, Talese contabiliza hoje, aos 79 anos, 11 livros publicados, todos traduzidos em diversos países e dissecados nos cursos de jornalismo pelo mundo. E nesta extensa produção está Honra Teu Pai, lançado recentemente pela Companhia das Letras e considerado pelo autor como um de seus favoritos. Publicado em 1971, Honra Teu Pai conta a história de Joseph Bonanno, chefe de uma das mais poderosas famílias de mafiosos de Nova York, e de seu filho Salvatore “Bill” Bonanno. Para escrever esse livro, o então repórter do New York Times Gay Talese precisou se tornar amigo de Bill Bonanno e esperar cerca de cinco anos para convencer o mafioso a lhe contar sua história. E ainda assim teve de esperar mais algum tempo até que Bill o autorizasse a escrever. Contudo, o jornalista realizou um livro-reportagem fundamental para entender os meandros da máfia.
Para falar sobre Honra Teu Pai, o jornalismo e seu próximo livro, Gay Talese concedeu uma entrevista exclusiva ao repórter Fernando de Oliveira, do jornal gaúcho, de Santa Cruz do Sul, Diário Regional. A entrevista foi dada por telefone, de Nova York, onde Talese reside com sua esposa, a editora Nan Talese. Aqui, prosa do repórter com esse mestre do jornalismo.
Pergunta — Honra Teu Pai acaba de ser lançado no Brasil. Por que escrever sobre a máfia?
Gay Talese – O livro é sobre uma família de gângsters que vem do mesmo lugar de onde veio meu próprio pai. Meu pai nunca foi um gângster, na verdade ele nunca quis que eu escrevesse sobre a máfia. Ele, inclusive, me perguntou por que eu deveria escrever sobre os gângsteres, e porque eu não escrevia sobre pessoas que fazem coisas boas, ao invés de ruins. Eu lhe disse que eu quero entender por que eles fazem coisas ruins. Eu queria saber o outro lado, porque, quando eu era católico, a igreja sempre pregava sobre o demônio, o inferno e coisas deste tipo, então eu pensei que, como escritor, eu queria conhecer esses demônios que fazem parte da máfia. Então eu conheci um amigo que me apresentou este garoto, “Bill” Bonanno, sobre quem escrevi.
P — Como foi a aproximação com Bonanno? Por que o senhor considera esta história importante?
Talese — Levou cinco anos para que ele confiasse em mim, até que finalmente ele confiasse o suficiente em mim para me falar sobre a sua vida. E eu continuei a pensar sobre esta história mesmo depois da morte deste rapaz. O livro está chegando agora no Brasil. É um livro que conta a história de um filho na máfia, e também conta como ele morreu. Então é um livro muito importante porque é a história de uma vida inteira, dentro de uma família que a maioria das pessoas pensa que é formada por demônios, por matadores, por assassinos, por vilões. Mas os vilões fazem parte da nossa história. Eles fazem parte da história dos filmes, das óperas e da literatura. Dostoievski escreveu sobre vilões. Muitos filmes importantes são sobre pessoas que são vilões. Então, para mim, era uma ambição escrever sobre a família da máfia, porque é uma história real, eu não inventei esta história. Foi uma coisa que eu fiz por causa da minha curiosidade, por causa da minha natureza perseverante, porque eu convenci esta pessoa que eu iria escrever honestamente sobre ela, e eu fiz. Por isto é um livro importante.
P — O senhor acha que seria possível, hoje, escrever um livro como este?
Talese – Sim, claro que seria possível, do mesmo jeito que eu fiz. No entanto, tem que ser gasto um bom tempo e conservar um relacionamento. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, ou em qualquer lugar do mundo, existem histórias que você pode contar se você realmente se dedicar a isso. Nunca é fácil fazer alguma coisa boa, sempre é difícil. Mas você não vai conseguir isso utilizando o Google. Nunca vai conseguir fazer isso usando um telefone celular, ou um gravador. Você tem que sair na rua e cultivar uma relação, e gastar tempo com ela. É o que eu chamo, em minhas próprias palavras de ‘The art of hanging out’ (a arte de sair por aí).
P — A propósito, o senhor sempre defendeu que lugar de jornalista é na rua. O que o senhor pensa sobre o jornalismo que é praticado hoje, com a internet e as facilidades que esta tecnologia proporciona?
Talese – É muito limitante, muito restritivo. Em primeiro lugar, o problema é que os jornalistas de hoje ficam dentro de um lugar fechado, dentro de uma redação. E, quando saem para fora, quando caminham pelas ruas, eles estão sempre olhando para a tela de um telefone celular, ou para algum outro objeto. Eles não conseguem ver o que acontece ao redor e enxergam a vida a partir de uma tela pequena. Tudo é muito rápido e fácil, e um bom trabalho não é rápido nem fácil. Ele demora um longo tempo, mas também dura um longo tempo. Muito do jornalismo de hoje é feito a partir de um laptop, e é feito de jornalistas falando de outros jornalistas. Eles procuram informações a partir da Internet. Eles não falam com muitas pessoas. Isso é muito restritivo.
Os jornalistas, hoje, não estão descobrindo nada por tentativa, ou por acidente. O que estão fazendo é muito imediatista. O jornalismo tem se tornado muito previsível. Nada é profundo, pensado ou divagado. Então o jornalismo está se tornando preguiçoso, porque os jornalistas não querem se mexer. A primeira coisa que fazem quando acordam é abrir um pequeno laptop e começar a apertar botões. Então eles leem jornais, olham fotografias, jogam games ou qualquer outra coisa e, talvez, até façam entrevistas com outras pessoas, mas são pessoas que são educadas, que sabem como usar um laptop, um smartphone ou o que quer que estejam usando. E estão perdendo todo o contexto da vida. É tudo baseado em cumprir o objetivo. Eles querem ir do ponto A para o ponto B, e querem fazer isso rápido, de maneira eficiente sem perder nenhum tempo. Bom, perder tempo é muito bom. O tempo é maravilhoso quando você o perde. Quando você perde tempo, você pode pensar que é um desperdício, mas não é. Às vezes você aprende com o silêncio, ou com os momentos de indecisão. Você aprende coisas que você jamais pensou que saberia, e aprende coisas sobre as quais você nunca pensou, e que nunca iria perguntar sobre. São coisas muito valiosas para a mente intelectual, e para a curiosidade intelectual que algumas pessoas têm. A internet joga contra esta curiosidade. Ela proporciona todas as respostas de maneira fácil. Você coloca o nome de alguém no Google e descobre muito sobre ela. Se é verdade ou não, você não vai saber a diferença.
Então eu acredito que a tecnologia pode poupar tempo, poupar viagens, mas faz você ficar em casa, entre quatro paredes, perdendo o grande contexto da vida. A tela do laptop está substituindo a grande visão do mundo que você só pode conhecer explorando o mundo, viajando pelo mundo, saindo por aí, indo de um lugar para o outro, estando lá, e isso é importante. Não receber algo de segunda mão, não olhar as coisas a partir de terceiros. A Internet é um instrumento de terceirização. Você coloca uma pergunta na Internet e recebe uma resposta, mas não é a sua resposta. Você não experimentou nada.
P — Na nossa profissão isso se torna ainda mais perigoso…
Talese – Na verdade, não começou com a Internet, começou com o gravador. O que aconteceu com o gravador é que os jornalistas começaram a utilizá-lo e, então, se preocuparam mais com o que as pessoas disseram na gravação do que com as pessoas que eles entrevistaram. Então as pessoas respondiam perguntas e, algumas vezes, com suas habilidades, eles mudavam as histórias, contavam não o que eles realmente acreditam, e sim o que elas gostariam de ouvir ou o que o jornalista gostaria de ouvir. Então o gravador é uma forma de mentir, mesmo que todas as palavras sejam verdadeiras. São palavras que não significam muito. São apenas sons transformados em bites. Muito do que é reportagem, hoje, são apenas sons transformados em bites. São mentiras, meias-verdades, e o repórter tem que investigar pessoalmente. O povo americano entrou em guerra contra o Iraque porque a informação estava errada. A informação nunca foi investigada pelos repórteres do New York Times. Disseram que existiam armas de destruição em massa no Iraque, o que era uma mentira. Então nós entramos em guerra, e muitas pessoas foram mortas, e o Iraque continua não sendo um bom lugar.
Faz muitos anos desde a invasão, em 2003, e nós olhamos o Iraque hoje, e todas as histórias foram mentiras contadas para os jornalistas, então os jornalistas também mentiram. Os jornalistas jamais deveriam ter acreditado nesta mentira acerca das armas de destruição em massa. Algumas vezes o jornalismo, quando mal feito, pode fazer com que as pessoas entrem em guerra, e eu acho que é isso que aconteceu no Iraque. E talvez esteja acontecendo na Líbia, porque eu acho que os jornalistas não sabem realmente quem são os rebeldes, ou quem é Kadafi. Os jornalistas têm que estar dentro da história e o que acontece é que eles estão sendo pautados pelos governos, seja da França, dos Estados Unidos, da Inglaterra, e de tantos outros.
Toda a história começa com a tecnologia, e toda uma revolução começou a partir da tecnologia. A internet dá às pessoas esta troca de informações, mas na maioria das vezes esta informação nem mesmo é verdadeira. E nunca nada é checado, é tudo muito rápido, então parece que fomos tomados por esta tecnologia de maneira muito rápida, e eu não sei o que é a verdade. Será que as pessoas da Líbia querem mesmo uma revolução? Eles querem mesmo eliminar Kadafi? Tem muita gente que gosta dele, e muita gente que não gosta, assim como muita gente gostava e muita gente não gostava de George W. Bush, quando ele era presidente.
P — Na América do Sul acontece o mesmo com Hugo Chávez, na Venezuela?
Talese — Exatamente. Ninguém sabe o que Hugo Chávez está fazendo. Ninguém sabe que tipo de cara ele é. Você apenas lê alguma coisa sobre Chávez. Então Sean Penn foi lá, Oliver Stone esteve lá, e isso é ótimo. É isso que importa. Eu nunca conheci Chávez, mas estive na Venezuela alguns anos atrás, mas o que eu vejo é que temos a imagem de Chávez como um vilão, e isso só se torna verdade porque somos alimentados pela mídia, que é engajada em minar Chávez e a Venezuela. O mesmo aconteceu com Mubarak, e ele saiu do Egito; o mesmo aconteceu no Kosovo, e Milosevic se transformou em um criminoso. A mesma coisa aconteceu no Iraque. Eu acho que o nosso secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, deveria ser mandado para a prisão por crimes de guerra. Ele deveria ter sido julgado como foi Milosevic. Por que não? Ele começou uma guerra e matou todas aquelas pessoas no Iraque com as tropas americanas. Nós nunca deveríamos ter entrado em guerra com o Iraque, assim como nunca deveríamos ter invadido o Afeganistão. Quem são os terroristas? Quem são os rebeldes? Quem são os militantes? Se alguém chutar e derrubar a porta da sua casa aí em Santa Cruz do Sul, você vai se tornar um militante, um terrorista se ficar furioso o suficiente para matar alguém por causa disso. É muito difícil chegar à verdade sobre uma história a não ser que você tenha uma visão maior da vida e enxergue as coisas de um ângulo diferente.
P — Na sua opinião, por que os jornais precisam existir?
Talese – Porque, quando você lê um bom jornal, como eu faço, você chega a gastar duas horas lendo apenas um jornal. Quando eu leio um jornal, eu leio tudo o que está na primeira página, tudo o que está na segunda página e assim por diante. Eu leio todas as 50 páginas do jornal, e eu leio sobre coisas que eu não sabia que estava interessado, e acho-as interessantes. Então eu leio sobre política, sobre o Afeganistão, a Líbia, sobre os shows da Brodway e sobre muitos outros assuntos. Quando eu leio, tenho uma noção desta grande variedade que existe na vida. Quando você lê um jornal pela Internet, você lê apenas o que você está interessado. E você encontra o que quer, mas o que acontece é que a tecnologia foi desenvolvida para lhe dar o que você quer, sem gastar muito do seu tempo. Então, se você quiser saber alguma coisa sobre São Paulo, você coloca uma pergunta no Google e descobre tudo o que você quer saber. Mas não é como descobrir São Paulo, a partir de suas próprias experiências, e não há o que substitua isso. A tecnologia pode te dizer, em dois segundos, qual é a população de São Paulo, mas o que você sabe sobre a população de São Paulo com esta resposta? Nada. Você tem que realmente ir lá, tem que estar lá. O jornalismo que eu pratico é o de estar nos lugares. Você não pode apenas puxar um botão para estar lá, porque você não vê nada.
P — Quando o senhor vai publicar seu novo livro, sobre os 50 anos de seu casamento com a editora Nan Talese?
Talese – Eu vou publicar o livro no ano que vem. Estou finalizando-o. E ele será lançado também no Brasil.
* Publicado originalmente no site do Diário Regional, e reproduzido nos sites Sul21 e Carta Capital.