Geografia focada no cotidiano estimula participação de aluno

Preparação das aulas era prejudicada por falta de textos complementares.

Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP mostra que a geografia pode se tornar um instrumento de transformação social junto aos alunos, a partir do trabalho desenvolvido em sala de aula. O trabalho da pesquisadora Sandra Castro Pereira verificou que a realização de atividades que relacionem a geografia ao cotidiano do local que os alunos vivem leva a um maior interesse e participação nas aulas. Ao mesmo tempo, as propostas curriculares oficiais têm sido voltadas, principalmente, para melhorar a posição das escolas em rankings de desempenho, podendo não representar aprendizado efetivo.

A pesquisa acompanhou a aplicação da proposta curricular implantada pelo governo do Estado de São Paulo em 2008 em uma classe da 5a série do ensino fundamental, numa escola de São Paulo. “Na ocasião havia apenas o caderno do professor, por isso a aplicação dependia do livro didático fornecido pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do governo federal, ou da matéria passada na lousa”, conta. “O conteúdo do livro era divergente das diretrizes e, devido à múltipla jornada de trabalho dos professores, não havia tempo para buscar outros textos, além de faltar recursos para reproduzi-los e preparar melhor as aulas.”

A escolha da 5a série se deve ao fato de ser o início de um novo ciclo no ensino fundamental e o primeiro contato dos alunos com a geografia por intermédio de um professor especialista. ”Ao mesmo tempo, outros professores relataram dificuldades em trabalhar com essa série”, diz Sandra. Uma recuperação realizada em todo o Estado de São Paulo, no início do ano letivo, focou o conteúdo de geografia vinculado à matemática (escala). “Isto dificultou a aplicação, pois os alunos ainda não haviam aprendido as operações necesssárias para tal realização, além das atividades não apresentarem uma contextualização com o cotidiano do estudante, o que inevitavelmente levou a uma grande indiferença diante da proposta de recuperação”.

Participação

A indiferença começou a ser rompida com um trabalho diferenciado em sala de aula. “Os conceitos de geografia passaram a ser trabalhados visando ao entendimento das questões referentes ao bairro em que os alunos viviam”, aponta a pesquisadora. O conteúdo focalizado aumentou o interesse dos alunos, que em seguida realizaram um trabalho de elaboração de maquetes. “Durante a montagem, a classe demonstrou grande criatividade.”

Durante um bimestre, os estudantes tiveram aulas sobre os setores das atividades econômicas. “Pelas diretrizes oficiais, o curso deveria focar em alguma cadeia de produção específica, como a da indústria automobilística ou da laranja”, diz Sandra. “No entanto, como os alunos não dominavam os aspectos mais gerais sobre o tema, optou-se por um enfoque amplo da atividade econômica.”

De acordo com a pesquisadora, o governo do Estado também implantou estratégias que assegurem a aplicação de sua proposta curricular. “Os professores não efetivos fazem uma prova com base nas diretrizes para que possam dar aulas e os concursos públicos agora incluem um curso de quatro meses sobre o currículo oficial”, afirma. “Existe todo um sistema de promoções por mérito e bonificações, atrelado ao Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), que faz com que os professores sigam as diretrizes, num esforço para obter um melhor desempenho na avaliação.”

A pressão por resultados acaba levando à promoção automática dos alunos, mesmo que não tenham aprendido os conteúdos ensinados ao longo do ano. “A experiência com a classe de geografia demonstrou que é possível fazer da sala de aula um espaço transformador, mesmo com as exigências das propostas curriculares, muitas vezes voltadas apenas para melhorar o desempenho das escolas nas avaliações oficiais do ensino”, conclui Sandra.  O trabalho teve orientação da professora Glória da Anunciação Alves, da FFLCH.

* Publicado originalmente no site Agência USP.