Excedente de EUAs pode fazer com que empresas não precisem reduzir suas emissões até 2023.
Nos últimos anos, o EU ETS tem imposto limites nas permissões de carbono (EUAs) para tentar diminuir as emissões de CO2, mas pode ser que o tiro esteja saindo pela culatra. No domingo, o grupo de pesquisas Sandbag lançou um relatório que indica que grandes firmas industriais da Europa podem estar acumulando mais EUAs do que precisam, não necessitando reduzir suas emissões, e com isso, criando obstáculos para mitigar as mudanças climáticas.
O documento, intitulado “Carbon Fat Cats 2011” (algo como Vacas Gordas do Carbono), mostra que das dez maiores companhias que acumularam EUAs, todas são empresas industriais, de setores como o siderúrgico e do cimento. Além disso, o relatório aponta que entre 2008 e 2010, essas firmas juntaram cerca de 240 milhões em toneladas de permissões excedentes, o suficiente para compensar as emissões anuais da Áustria, Dinamarca, Letônia e Portugal.
Calcula-se que esse superávit valha cerca de € 4,1 bilhões, o que equivale a quatro vezes o orçamento ambiental de toda a Europa durante o mesmo período. O documento sugere que até 2012 a verba dessas empresas possa chegar a € 5,65 bilhões.
Já a Comissão Europeia estima que todo o setor com alto uso de energia deve acumular entre € 7 bilhões e € 12 bilhões em permissões. “Se o setor siderúrgico não vender nenhuma parte do seu excedente, não terá necessidade de reduzir emissões até 2023”, afirmou Guy Turner, da Bloomberg New Energy Finance.
Enquanto muitas companhias líderes do mercado europeu têm pressionado a UE a aumentar os cortes na emissão de gases do efeito estufa (GEEs), algumas das firmas citadas no relatório da Sandbag se posicionam contra metas maiores, alegando que isso reduziria sua competitividade no mercado europeu e estimularia a migração dessas empresas para outros países.
“Para se manter competitivo nos mercados livres e globais do aço, o aço europeu precisa de uma legislação que não prejudique sua competitividade. Mas nós estamos gravemente preocupados que a política de mudanças climáticas da UE faça exatamente isso”, declarou no último mês o Eurofer, grupo de lobby que representa as firmas siderúrgicas.
“A legislação de carbono da UE ameaça impor enormes custos adicionais para a indústria do aço”, reclamou Karl-Ulrich Köhler, diretor executivo da Tata Steel Europe, terceira na lista das empresas ‘fat cats’. Já o Cembureau, grupo de lobby da indústria do cimento, afirmou que “seria irresponsável mudar as metas [de emissões]”.
No entanto, a Baronesa Worthington, diretora fundadora do Sandbag, defendeu que “mais e mais empresas vêem que o futuro da Europa está em uma economia altamente eficiente com pouca poluição. Mas um pequeno grupo de companhias ‘vacas gordas’ do carbono está tentando impedir isso, apesar de ganharem bilhões com os lucros de permissões de isenção de poluição”.
O curioso é que algumas dessas mesmas companhias que reclamam que o aumento das metas prejudicaria sua atuação na Europa financiam pesquisas e tecnologias para a redução das emissões em países fora da UE, como a China, a Índia e a Ucrânia. Para se ter uma ideia, a Tata Steel gastou cerca de € 1 milhão para financiar melhorias em eficiência energética em siderúrgicas ucranianas.
Já a Thyssenkrupp, quarta firma da classificação, a Italcementi, na nona posição, e a Salzgitter, na décima, gastaram, juntas, mais de € 6 milhões em investimentos em eficiência energética em siderúrgicas e companhias de cimento na Ásia. “Comprar créditos de carbono de concorrentes estrangeiros não parece a ação de empresas genuinamente preocupadas que o ETS conduza as empresas para o exterior”, justificou Worthington.
Mas nem todas as empresas industriais desaprovam o aumento das metas de redução. Algumas, inclusive, pressionam a UE para que o número de permissões seja diminuído. “Não fazer isso pode dificultar severamente os incentivos para investir em tecnologias de baixo carbono, à medida que os sinais de preço forem direcionados em favor das soluções de combustíveis fósseis”, disseram essas firmas em uma declaração.
Já algumas companhias apresentadas no relatório do Sandbag justificaram que o superávit no número de permissões ocorreu devido à crise financeira, e poderá ser usado quando a economia se recuperar.
“Companhias tomam decisões baseadas nos desenvolvimentos futuros esperados. Quaisquer ganhos do passado serão ou já foram reinvestidos ou endereçados aos acionistas. Por isso, parece ser muito enganoso usar números históricos para indicam nossa posição futura”, explicou Erwin Schneider, da siderúrgica ThyssenKrupp.
Já o porta-voz da ArcelorMittal, maior empresa ‘fat cat’ do documento, respondeu que “como parte de nossa estratégia de responsabilidade corporativa, nós decidimos que qualquer venda dessas permissões excedentes será reinvestida em projetos que visem o aperfeiçoamento da nossa pegada de eficiência energética, para ajudar a reduzir nossas emissões totais de CO2”.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.