Muitos dos homens que fabricaram o desastre foram chamados agora para tomar as rédeas de postos-chaves e com a missão de reparar, ao custo do bem-estar da população, as consequências dos calotes que eles mesmos produziram. O banco de investimentos Goldman Sachs conseguiu uma façanha pouco frequente na história política mundial: colocar os seus homens na direção dos governos europeus e do banco que rege os destinos das políticas econômicas da União Europeia.
A história poderia satisfazer todas as expectativas dos adeptos das teorias da conspiração: onde está o poder mundial? A resposta cabe num nome e num lugar: na sede do banco de investimentos Goldman Sachs. O banco norte-americano conseguiu uma façanha pouco frequente na história política mundial: colocar os seus homens na direção dos governos europeus e do banco que rege os destinos das políticas econômicas da União Europeia. Mario Draghi, o atual presidente do Banco Central Europeu, Mario Monti, o presidente do Conselho Italiano que substituiu Silvio Berlusconi, Lukas Papademos, o novo primeiro-ministro grego, todos pertencem à galáxia do Goldman Sachs.
Desses três responsáveis, dois, Monti e Papademos, formam o anexo avançado da política pela tecnocracia econômica, pertencem à rede que o Goldman Sachs teceu no Velho Continente e, em graus diversos, participaram nas mais truculentas operações ilícitas orquestradas pela instituição norte-americana. Além do mais, não são os únicos. Pode-se também mencionar Petros Christodoulos, hoje à frente do organismo que administra a dívida pública grega e que no passado recente foi presidente do Banco Nacional da Grécia, a quem o Goldman Sachs vendeu o produto financeiro hoje conhecido como “swap” e com o qual as autoridades gregas e o Goldman Sachs orquestraram a maquiagem das contas gregas.
O dragão que protege os interesses de Wall Street conta com homens-chave nos postos mais decisivos, e não só na Europa. Henry Paulson, ex-presidente do Goldman Sachs, foi em seguida nomeado Secretário do Tesouro norte-americano, ao passo que William C. Dudley, outro alto funcionário do Goldman Sachs, é o atual presidente do Federal Reserve de Nova York. Mas o caso dos responsáveis europeus é mais paradigmático. A palma de ouro quem leva é Mario Draghi, o atual presidente do Banco Central Europeu, que foi vice-presidente do Goldmann Sachs para a Europa entre os anos 2002 e 2005.
Neste posto, Draghi teve um desempenho mais do que ambíguo. O título de seu cargo era “empresas e dívidas soberanas”. Precisamente nesse cargo, Draghi teve como missão vender o produto incendiário “swap”. Este instrumento financeiro é um elemento determinante no ocultamento das dívidas soberanas, quer dizer, na maquiagem das contas gregas. Esse engodo foi a astúcia que permitiu que a Grécia se qualificasse para fazer parte da zona do euro. Tecnicamente, e com o Goldmann Sachs como operador, tratou-se então de transformar a dívida externa da Grécia numa dívida em euros. Com isso, a dívida grega desapareceu dos balanços negativos e o Goldmann Sachs ganhou uma vultuosa comissão.
Depois, em 2006, o banco vendeu parte desse pacote de swaps ao principal banco comercial do país, o Banco Nacional da Grécia, dirigido por outro homem do Goldmann Sachs, Petros Christodoulos, ex-trader do Goldmann Sachs e… atualmente diretor do organismo de gestão da dívida da Grécia, que o mesmo e os já mencionados contribuíram para primeiro mascarar e depois, incrementar. Mario Draghi tem um histórico pesado. O ex-presidente da República italiana, Francesco Cossiga, acusou Draghi de ter favorecido o Goldmann Sachs em contratos importantes, quando Draghi era diretor do Tesouro e a Itália estava em pleno processo privatizador.
O certo é que o agora presidente do Banco Central Europeu aparece maciçamente indicado como o grande vendedor de swaps em toda a Europa.
Nesse entrevero de falsificações surge o chefe do executivo grego, Lukas Papademos. O primeiro-ministro foi governador do Banco Central grego entre 1994 e 2002. Este é precisamente o período em que o Sachs foi cúmplice de ocultamento da realidade econômica grega e, enquanto responsável pela entidade bancária nacional, Papademos não podia ignorar o engodo que estava montando. As datas em que o cargo coincidem com a operação da montagem. Na lista de notáveis, Mario Monti o segue. O atual presidente do Conselho Italiano foi conselheiro internacional do Goldmann Sachs desde 2005.
Em resumo, muitos dos homens que fabricaram o desastre foram chamados agora para tomar as rédeas de postos-chaves e com a missão de reparar, ao custo do bem-estar da população, as consequências dos calotes que eles mesmos produziram. Não cabe dúvida de que existe o que os analistas chamam de “um governo Sachs europeu”.
O português Antonio Borges dirigiu até há pouco – acaba de renunciar – o Departamento Europeu do Fundo Monetário Internacional. Até 2008, Antonio Borges foi vice-presidente do Goldmann Sachs. O desaparecido Karel Van Miert – Bélgica – foi Comissário Europeu da Competição e também um quadro do Goldmann Sachs. O alemão Ottmar Issing foi sucessivamente presidente do Bundesbank europeu, conselheiro internacional do Sachs e membro do Conselho de Administração do Banco Central Europeu. Peter O’Neill é outro homem do esquema: presidente do Goldmann Sachs Asset Management, O’Neill, apelidado de “o guru” do Goldmann Sachs, é o inventor do conceito de Brics, o grupo de países emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. O’Neill é acompanhado por outro peso pesado, Peter Sutherland, ex-presidente do Goldmann Sachs Internacional, membro da seção “Europa” da Comissão Trilateral – o mesmo que Lukas Papademos – ex-integrante da Comissão de Competição na União Europeia, procurador-geral da Irlanda e mediador influente no plano que culminou com o resgate da Irlanda.
Alessio Rastani tem toda razão. Este personagem que se apresentou perante o BC como um trader disse há algumas semanas: “Os políticos não governam o mundo. O Goldmann Sachs governa o mundo”. Sua história é exemplar, de jogo duplo, como as das personalidades e carreiras dos braços mundiais do Goldmann Sachs. Alessio Rastani disse que ele era um trader londrino, mas que depois se descobriu que trader não era e poderia ser parte do Yes Men, um grupo de ativistas que, por meio da caricatura e da infiltração na mídia, denunciam o liberalismo.
Entrará para as páginas da história mundial da impunidade a figura desses personagens. Empregados por uma firma norte-americana, eles orquestraram um dos maiores calotes já conhecidos, cujas consequências hoje estão sendo pagas. Foram premiados com o timão da crise que eles produziram.
Tradução: Katarina Peixoto.
* Eduardo Febbro é correspondente de Carta Maior em Paris.
** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.