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Governo espanhol se desgasta ao ritmo da crise e de protestos

Protestos espontâneos e organizados contra austeridade mutiplicam-se. Foto: euronews.

Madri, Espanha, 20/7/2012 – A severíssima crise econômico-financeira que afeta a Espanha e a série de medidas de ajuste tomadas para enfrentá-la, que se aprofundam a cada anúncio, desgastam aceleradamente o governo do direitista Partido Popular (PP), que ontem foi golpeado por maciços protestos em todo o país. As manifestações foram convocadas pela oposição política, pelas centrais sindicais e por outras organizações sociais para rechaçar uma nova rodada das chamadas políticas de austeridade.

O pacote de medidas, aprovado pelo parlamento ontem, com os 180 votos do PP e 131 contra, inclui aumento no imposto sobre valor agregado (IVA) geral de 18% para 21% e a supressão do salário extraordinário de Natal para os funcionários públicos que recebem o equivalente a US$ 1.180 mensais, isto é, quase todo o funcionalismo nacional de 2,7 milhões de pessoas.

Diante do teor das reduções, o secretário-geral da pró-socialista União Geral de Trabalhadores (UGT), Cándido Méndez, declarou à IPS que “o povo deve decidir sobre uma crise que se agrava e afeta especialmente os assalariados e suas famílias”. A “nossa cobrança é que o governo convoque uma consulta popular para que o povo espanhol se pronuncie sobre políticas que não votou em novembro”, acrescentou, referindo-se à drástica mudança por parte do PP em relação ao seu programa de governo que levou à sua vitória no dia 20 daquele mês.

O líder do PP, Mariano Rajoy, a quem um mês depois o parlamento elegeu primeiro-ministro, em nenhum momento de sua campanha disse que adotaria cortes fiscais e redução de benefícios como os que está aplicando, e menos ainda sobre a severidade dos mesmos. Inclusive, assegurou na época que reduzira os impostos, entre eles o IVA. Entretanto, no mesmo dia de sua posse, Rajoy anunciou reduções dos gastos do Estado de pelo menos 16,5 bilhões de euros (US$ 20 bilhões) este ano, para diminuir o elevado déficit fiscal e colocá-lo em linha com o máximo de 3% exigido pela União Europeia. O aprovado ontem é o quarto pacote de medidas de austeridade que o governo aplica.

Méndez destacou que o povo espanhol é que “suporta a crise e as medidas governamentais, como as que reduzem os direitos e a renda dos trabalhadores”. A UGT e a Confederação Central de Comissões Operárias (CCOO), próxima ao Partido Comunista, foram as principais incentivadoras, há uma semana, quando foram anunciadas as medidas, das mais de 80 marchas de protesto realizadas ao longo do dia de ontem nas mais variadas cidades da Espanha.

Das Ilhas Canárias, na costa ocidental da África, onde às 10 horas da manhã começou a primeira manifestação, chegou o que pode ser considerada a mensagem mais clara expressa nos cartazes: “Não à reforma trabalhista, injusta com os trabalhadores, ineficaz para a economia, inútil para o emprego”. Em Madri, com o mesmo cartaz e outro onde se lê “Trabalho Sim, Escravos Não”, cerca de 500 mil manifestantes atravessaram, ao meio-dia, o centro da capital. Nessa multidão se destacou uma pessoa fantasiada de executivo que carregava uma pasta com as siglas CEOE (Confederação Espanhola de Organizações Empresariais) e arrastava um esqueleto com um capacete de pedreiro.

O secretário-geral da CCOO, Ignacio Fernández Toxo, questionou a reforma trabalhista aprovada em fevereiro por ser “muito injusta, pois desequilibra as relações de trabalho em benefício do empresariado e afetará, sobretudo, as pequenas empresas, onde não há cobertura sindical”. A CCOO calcula que a reforma terá impacto em 65% dos assalariados e em 99% das empresas, por ter criado a demissão livre e gratuita. O desemprego já atinge na Espanha 25% da população economicamente ativa, ou cerca de 5,6 milhões de pessoas.

Outra mudança questionada por afetar os setores mais pobres é a redução da ajuda dada às pessoas com dificuldades para que fossem cuidadas por um familiar em sua casa. A redução será de, no mínimo, 15%. Além disso, para ser um dependente reconhecido pelo Estado como tal, em lugar de seis meses para receber o reconhecimento, deverá espera dois anos. O ministro da Fazenda e Administrações Públicas, Cristóbal Montoro, justificou as medidas de austeridade culpando a “herança recebida do PSOE” (Partido Socialista Operário Espanhol), que antecedeu o atual governo entre 2004 e dezembro de 2011. Essas decisões chegam impostas pela necessidade e obrigam o governo a “reduzir os serviços públicos para crescer, pois financiá-los com mais déficit e dívida só levaria ao desencanto”, disse Montoro no debate de ontem no parlamento.

Até a Igreja Católica se soma às críticas ao governo de Rajoy. O presidente da Conferência Episcopal, cardeal Antonio Rouco Varela, disse em entrevista coletiva que “a crise se supera quando se atende as exigências do bem comum com espírito de solidariedade e entrega”.

O movimento Democracia Real Já, que agrupa desempregados, trabalhadores subcontratados e em funções precárias, e jovens, argumentou que é preciso uma grande mudança e um futuro digno. “É absurdo que, em plena crise, enquanto aumenta o desemprego e caem as aposentadorias e os salários, os bancos aumentem as hipotecas ou, se não podemos pagar no prazo, fiquem com nossas casas”, enfatizou um de seus partidários. A responsabilidade de que isto ocorra é dos partidos políticos majoritários, que “olham para o outro lado”, afirmou. Envolverde/IPS