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A “graduação” dos países mais pobres do mundo

Um mercado cambojano na província de Battambang. Como país menos adiantado, o Camboja exporta produtos livres de tarifas para a União Europeia. Foto: Michelle Tolson/IPS
Um mercado cambojano na província de Battambang. Como país menos adiantado, o Camboja exporta produtos livres de tarifas para a União Europeia. Foto: Michelle Tolson/IPS

 

Nações Unidas, 8/1/2015 – Os 48 países menos adiantados do mundo (PMA), uma categoria especial criada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1971 que não tem o reconhecimento do Banco Mundial, são considerados “os mais pobres entre os pobres” e com necessidade de assistência internacional especial para sua sobrevivência econômica.

Mas apenas três, Botsuana, Cabo Verde e Maldivas, se “graduaram” da categoria de PMA para a de países em desenvolvimento, principalmente pelas melhorias em seu desempenho socioeconômico. Em uma reunião ministerial dos países da Ásia e do Pacífico realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Nepal, em dezembro, Bangladesh, Butão, Camboja e Laos foram destacados como quatro PMA no “umbral da graduação”, segundo seus últimos indicadores socioeconômicos.

E, na medida em que as economias melhoram, alguns acreditam que outros seis países – Angola, Guiné Equatorial, Kiribati, Samoa, Tuvalu e Vanuatu – deixarão o grupo dos PMA, possivelmente em 2020 ou um pouco antes. Mas o prognóstico pode ser prematuro, devido ao impacto da recessão econômica mundial, aos efeitos de longo prazo da queda dos preços do petróleo, à redução do poder aquisitivo pela desvalorização das moedas nacionais e, no caso da África, à propagação do ebola.

O embaixador Anwarul Karim Chowdhury, primeiro subsecretário-geral da ONU e alto representante dos PMA, dos Países em Desenvolvimento sem Litoral e dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento até 2007, disse à IPS que a conferência dos PMA realizada em 2011 em Istambul fixou a meta de graduação de metade dos países menos adiantados até 2020.

“Porém, o estabelecimento mecânico de uma meta de graduação é pouco prática e tem o potencial de uma tensão indesejável para a cooperação ao desenvolvimento em níveis nacional e mundial”, acrescentou Chowdhury, lembrando que o objetivo mais importante deve ser tirar os PMA da pobreza e remediar suas desvantagens estruturais.

“Mas, devido à atual situação angustiante da maioria dos PMA nos dois âmbitos, não seria prudente avançar para a alcançar essa meta”, ressaltou Chowdhury. Os habitantes desses países, e em particular a sociedade civil, devem participar do processo para garantir que a população não se converta nas principais vítimas durante a transição, afirmou.

Os PMA são os membros mais pobres e frágeis da comunidade internacional, com mais de 880 milhões de habitantes e menos de 2% do produto interno bruto mundial, segundo dados da ONU. A luta contra a pobreza nos PMA é um fator fundamental para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) este ano.

Os PMA são beneficiários de medidas especiais de apoio dos doadores bilaterais e das organizações multilaterais, e de um tratamento especial em diversos acordos comerciais. Entre os benefícios que perdem quando saem da categoria de PMA estão as preferências comerciais, a assistência oficial ao desenvolvimento e outras formas de assistência, como apoio às viagens para participação em conferências da ONU e outras reuniões de órgãos multilaterais.

Assim, é preciso prestar muita atenção a essas medidas especiais no caso dos ex-PMA.

Arjun Karki, presidente de Reconstrução Rural do Nepal e coordenador internacional da LDC Watch, uma rede de organizações não governamentais dos PMA, disse à IPS que o objetivo do Programa de Ação adotado em 2011 em Istambul era que ao menos 24 desses países, metade dos 48 que integram a categoria, se graduem até 2020.

A maioria dos PMA, 34 Estados, fica na África. Apenas dois africanos, Angola e Guiné Equatorial, se graduariam até 2020. Nos dois casos, a graduação se baseia unicamente em critério de renda, já que superaram com juros o limite de US$ 1.190 por habitante, embora tenham indicadores baixos nos critérios de bens humanos e vulnerabilidade econômica.

A graduação só será possível quando tanto os PMA como seus sócios de desenvolvimento adotarem as medidas necessárias. Para isso é vital que tenham a vontade política de consegui-lo, recomendou Karki.

Gyan Chandra Acharya, atual subsecretário-geral da ONU e alto representante dos PMA, dos Países em Desenvolvimento sem Litoral e dos Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, afirmou aos delegados presentes à reunião do Nepal que “a mudança para a graduação não deve ser um fim em si mesmo, devendo ser vista como plataforma de lançamento para mudanças significativas e transformadoras nas estruturas econômicas e nas condições de vida das pessoas”.

Acharya acrescentou que a agenda de graduação sustentável deve estar acompanhada do desenvolvimento da capacidade produtiva, da transformação estrutural e da melhoria sustentável em capital humano e social. Algumas das práticas usadas são melhoria do investimento no setor produtivo e nas tecnologias, e aumento da proteção dos choques externos, como os fenômenos meteorológicos, crises econômicas e desastres naturais, segundo comunicado divulgado pelo escritório de Acharya.

A graduação é um esforço positivo que exige o compromisso sincero e decidido dos PMA e de seus sócios para o desenvolvimento, destacou Chowdhury à IPS. “Mas a fixação de um objetivo arbitrário e o uso de um enfoque técnico para a graduação poderia prejudicar a realização de um bom objetivo”, enfatizou. Ele também lembrou que a crise econômica em curso nos países industrializados influi no estabelecimento da meta de Istambul e disse que esse acordo fez com que a participação dos PMA no processo fosse menos incômoda.

“Recordo plenamente da sofrida interação nos casos da graduação de Cabo Verde e Maldivas durante meu mandato”, afirmou Chowdhury. O mecanismo de consulta estabelecido durante a transição deve ser monitorado pelo Alto Representante em pessoa, para garantir que as preocupações dos países tenham pleno apoio do sistema da ONU, recomendou. “É uma lástima que o maior fornecedor de ajuda para o desenvolvimento, o Banco Mundial, continue não aceitando em seu trabalho os PMA como uma categoria especial de países identificados pela ONU”, ressaltou. Envolverde/IPS