Buenos Aires, Argentina, 20/5/2011 – O complexo hidrelétrico Yacyretá, compartilhado por Argentina e Paraguai, já opera plenamente, fornecendo a energia prevista quando foi planejado há 40 anos. Contudo, seu impacto socioambiental continua dando o que falar, com denúncias de graves danos. A gigantesca represa no Rio Paraná, que separa os dois países, deixou baixas as águas de áreas de mangues ricos em biodiversidade, afetou a riqueza ictiológica e tirou de suas casas cerca de cem mil pessoas nos dois países.
Embora a ideia original fosse fornecer energia para os dois países, o principal beneficiário dos três mil megawatts de potência instalada é a Argentina. Para isso foram desembolsados US$ 15 bilhões, dez vezes mais do que o estipulado inicialmente. O fornecimento de Yacyretá à Argentina, que retém cerca de 90% da energia gerada, representa aproximadamente 20% de seu consumo energético total, segundo o Ministério do Planejamento Federal.
Só para sua construção tiveram que ser reassentadas 15 mil famílias em casas levantadas nos arredores da cidade paraguaia de Encarnación e em Posadas, na Argentina, as duas cidades mais afetadas, e a maioria dessas pessoas perdeu seus empregos. Cerca de 160 mil hectares foram inundados para formar a represa e os moradores do lugar tiveram que escolher entre receber uma compensação em dinheiro por deixaram o lugar onde viviam e trabalhavam, ou aceitar serem levadas para novos assentamentos.
Agora, muitos dos realocados não têm como ganhar a vida. “Yacyretá é a represa do mundo ocidental que mais pessoas deslocou, muitas das quais viviam de atividades ligadas ao rio e foram as que não recuperaram seus trabalhos”, disse à IPS Jorge Urusoff, morador da região e líder da Associação Ambientalista Tajy, de Encarnación. “Não foi criada uma única empresa para dar trabalho genuíno às pessoas, nem do lado argentino nem do nosso”, afirmou.
A Entidade Binacional Yacyretá (EBY), que administra o plano de obras e o complexo hidrelétrico, não respondeu aos pedidos de entrevista da IPS, mas informa em seu site que os deslocados “eram, em geral, ocupantes precários, que agora têm uma casa como propriedade”, com todos os serviços sanitários.
Jorge Cappato, da Fundação Proteger, da Argentina, insiste no enorme impacto social e ambiental de Yacyretá, junto com a outra grande hidrelétrica no mesmo rio, Itaipu, brasileira-paraguaia. “A ideia do desenvolvimento está tão tergiversada que trazem ganhos apenas para a grande indústria e para os políticos para os quais é bom negócio mostrá-las”, afirmou à IPS o dirigente da Proteger, que trabalha em temas de pesca no Paraná.
“Existe uma equação perversa pela qual mais energia traz mais desenvolvimento e maior bem-estar, e, no entanto, há tempos vemos crescer a produção e a oferta de energia e continuamos perguntando onde está o bem-estar?”, ressaltou Cappato. Para ele, Yacyretá “é um monumento a um dos grandes mitos do desenvolvimento e os bairros criados em consequência são novos, mas não garantem opções de trabalho nem qualidade de vida”.
Tanto Urusoff como Cappato lembram que os deslocados viviam de pesca, cerâmica, fabricação de tijolo ou produção de arroz, todas atividades que exigem umidade e não podem ser realizadas em áreas urbanas. A decisão de construir a represa foi assinada pelos governos dos dois países em 1973, mediante um tratado binacional. A obra tinha em seu projeto custo de US$ 1,7 bilhão e forneceria eletricidade a seis milhões de lares.
A história do projeto esteve repleta de denúncias de corrupção, fracassos e descumprimento de promessas. Em 1998, o governo do presidente argentino Carlos Menem (1989-1999) tentou, sem sucesso, privatizá-la com o argumento de que era “um monumento à corrupção”. Desde a assinatura do tratado, se passaram 20 anos até começar a funcionar a primeira turbina, com altura provisória na represa de 76 metros acima do nível do mar. Mas a cota do projeto era de 83 metros, portanto, a central não funcionava em plena capacidade.
Em 2003, os governos argentino e paraguaio acordaram o Plano de Finalização de Yacyretá, que se comprometeu a acelerar as obras para reassentar as famílias e mitigar os danos, e em fevereiro deste ano chegou-se ao nível previsto originalmente. No ato de inauguração, a presidente argentina, Cristina Fernández, admitiu que “o progresso traz problemas” e que os afetados devem ser devidamente ressarcidos. Porém, insistiu que “sem energia não poderemos continuar crescendo”.
Por outro lado, nas áreas afetadas a visão é outra. “Este projeto sempre foi totalmente insustentável, e continua sendo. Foi realizado em uma área plana que não é o mais adequado para uma represa”, disse Urusoff.
O Paraguai, que cede à Argentina a energia que não consome, recebe um preço inferior ao custo, afirmou Urusoff. Algo semelhante ocorre com o Brasil, que paga a Assunção a tarifa correspondente pelo uso da energia gerada por Itaipu, recordou. “O discurso é sempre o mesmo: as grandes represas trazem desenvolvimento e modernização, mas nenhum dos resultados prometidos. As crianças deslocadas tinham uma única fonte de proteína que era o pescado, e agora não a têm”, acrescentou.
Urusoff ressaltou que a energia produzida por estas duas represas alimenta uma sociedade de alto consumo e não serve para o desenvolvimento das comunidades. Os moradores “são convidados de pedra, nunca são consultados nem informados”, disse. Quanto ao impacto ambiental, Cappato explicou que Itaipu e Yacyretá são “como pinças colocadas em uma artéria. A alteração dos pulsos hídricos, que são a base da riqueza biológica do Rio Paraná, foi enorme”, afirmou.
Em épocas de baixa do Rio, as represas acumulam água e o caudal diminui com forte impacto nas migrações de peixes entre o braço principal e os secundários e também nas migrações longitudinais. Espécies importantes do ponto de vista comercial, turístico e esportivo, como o surubi ou o dourado, encontram uma parede intransponível na represa e apenas 2% conseguem ultrapassá-la e, de todo modo, ali tampouco encontram as condições de alimentação que precisam.
Cappato também alertou que os mangues inundados apodrecem e emitem metano, que é um gás-estufa que contribui para o aquecimento global. “Mas só se ouve o canto da sereia dos defensores do desenvolvimento”, lamentou.
Os portos comerciais também sofrem com as baixas do Rio. Os barcos não podem atracar, fato que tem repercussão muito negativa, sobretudo no Paraguai, país mediterrâneo muito dependente da navegabilidade de seus rios. Entretanto, a EBY prossegue com a ampliação de Yacyretá, com obras no braço Aña Cuá, que aumentarão a capacidade da central. Além disso, está planejado retomar o projeto de construção da represa argentino-paraguaia de Corpus, no mesmo Rio. Envolverde/IPS