A grande imprensa internacional tem repetido uma grande mentira: que a Grécia tem de, obrigatoriamente, aceitar as imposições dos rentistas – representados pelo FMI e União Europeia – tais como cortes de gastos sociais, aumento de tributos e outras medidas neoliberais, como as privatizações. Tais medidas já têm causado grave crise social: desemprego, recessão e pobreza.
Este pacote nefasto, aprovado no dia 8 na Grécia, é sempre justificado pela necessidade de acesso a novos empréstimos, para pagar a dívida anterior. A grande imprensa diz que a dívida grega é inquestionável, e deve ser paga, sem qualquer pergunta. Diz-se que a Grécia tem de pedir ajuda ao FMI e União Europeia, porque o país gastaria muito com funcionários públicos e com a garantia dos direitos da população.
Nada se fala sobre a culpa dos bancos na crise da dívida, omitindo-se que eles incentivaram a Grécia a tomar empréstimos por meio de derivativos ilegais. Nada se fala também sobre o salvamento de bancos falidos, que também geraram dívida ilegítima. A grande imprensa também silencia sobre a grande redução, nas últimas décadas, do imposto de renda para as pessoas mais ricas, o que também teve papel importante na geração deste endividamento.
Também não se fala da manipulação do chamado “risco-país” pelos investidores e suas “agências de risco”, que levou os juros às alturas, tornando impossível para a Grécia refinanciar a dívida nos mercados, empurrando o país para este acordo com o FMI. O que ocorre na Grécia não é uma negociação, mas uma pressão feita por um oligopólio de banqueiros, representado pelo FMI e pela União Europeia, o que determina claramente um desequilíbrio entre as partes, ilegal segundo princípios gerais do Direito.
Enquanto isso, no Brasil, o governo argumenta que a situação estaria completamente diferente, com a dívida controlada e sem as imposições do FMI. Porém, o governo brasileiro pratica as mesmas medidas propostas pelo Fundo e aprovadas hoje na Grécia: severos cortes de gastos sociais (que chegaram a R$ 50 bilhões), privatizações (como a dos aeroportos) e reformas neoliberais que tiram direitos dos trabalhadores, como a Previdenciária e Tributária, com a redução da contribuição previdenciária patronal sobre a folha e o aumento do tempo necessário para a aposentadoria, principalmente das mulheres.
Na realidade, a única diferença entre o Brasil e a Grécia é que lá o povo foi à guerra nas ruas contra estas medidas nefastas.
Tanto no Brasil como na Grécia, faz-se necessária uma ampla e profunda auditoria sobre esta questionável dívida, para se verificar de onde ela veio e a quem beneficia. No Brasil, propus a CPI da Dívida Pública, recentemente concluída na Câmara dos Deputados, que mostrou diversos e graves indícios de ilegalidades da dívida, tais como juros sobre juros, falta de documentos e informações. A CPI constatou até mesmo a realização de reuniões do Banco Central com supostos “analistas independentes” – que, na realidade, eram principalmente rentistas – para a estimativa de variáveis como inflação e juros, que depois são utilizadas pelo Copom na definição da taxa Selic, beneficiando os próprios rentistas.
Recentemente, o Equador deu uma grande lição aos governos dos países endividados, tendo feito uma ampla auditoria da dívida, com participação da sociedade, e que provou várias ilegalidades no endividamento. Como resultado, o governo equatoriano anulou 70% da dívida com os bancos privados internacionais, permitindo grande aumento nos gastos sociais.
A experiência equatoriana foi um importante precedente, e prova que é possível enfrentar os “mercados”, mostrando que, diante de tanta exploração da classe trabalhadora pela burguesia financeira, existe uma alternativa soberana e que garante os direitos dos povos, e não dos banqueiros.
* Ivan Valente é deputado federal e líder do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e membro da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.