Arquivo

Grupos religiosos são sócios importantes da ONU no desenvolvimento

Azza Karam, alta assessora sobre cultura no UNFPA. Foto: UN Photo/Paulo Filgueiras
Azza Karam, alta assessora sobre cultura no UNFPA. Foto: UN Photo/Paulo Filgueiras

 

Nações Unidas, 23/9/2013 – A Organização das Nações Unidas (ONU) é considerada uma das instituições mais laicas do mundo, com 193 países membros representando povos e culturas diferentes e professando tanto convicções religiosas quanto agnósticas. Entretanto, os grupos de fé continuam desempenhando um papel fundamental em uma ampla gama de temas dentro da agenda política, social e econômica da ONU, como direitos humanos, população, saúde, educação, infância, manutenção da paz, desarmamento e refugiados.

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) talvez seja a única agência da ONU que, desde 2002, investiu de forma contundente e sistemática na criação da Rede Global Inter-Religiosa, formada por mais de 500 organizações não governamentais para atender comunidades marginalizadas em todo o mundo. Entre estas organizações, se destacam World Vision, Islamic Relief, Caritas, Conselho Mundial de Igrejas, Associação Cristã Feminina Mundial e Cafod, da agência oficial de ajuda católica para Inglaterra e Gales.

Em entrevista à IPS, Azza Karam, alta assessora sobre cultura no UNFPA, destacou que as organizações religiosas são as mais antigas provedoras de serviços sociais e econômicos. Portanto, não são novas neste tipo de tarefa. “Em outras palavras, quando se trata de serviços sociais, sobretudo em áreas de ajuda humanitária, saúde e educação, são a ONU e as agências internacionais de ajuda ao desenvolvimento que podem ser consideradas como relativamente “recém-chegadas”, afirmou.

Karam, que possui doutorado em ciências ambientais da Universidade de Amsterdã, também foi assessora de políticas no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

IPS: O quanto são efetivos os grupos religiosos, especialmente nos países muçulmanos e católicos, onde estão limitados os direitos reprodutivos das mulheres?

AZZA KARAM: Depende de como se define “efetivos”. Na maior parte do mundo são provedores de cuidados médicos básicos, o que inclui serviços de saúde sexual e reprodutiva. Em algumas comunidades pobres, são os únicos que fornecem esses serviços. Assim, se a efetividade for medida por isso, são efetivos. Por outro lado, nós avaliamos a efetividade considerando também a defesa de serviços de planejamento familiar polêmicos, como os métodos modernos de anticoncepção, em contraposição com outros “naturais”. Nisso, a atitude dos grupos religiosos varia literalmente de comunidade para comunidade, e mais ainda entre os diferentes países, dependendo de inúmeros fatores. Esses fatores podem ser o contexto social e cultural, as relações e a diversidade entre os líderes religiosos e as comunidades, os contextos legais e sua implantação ou falta de implantação, entre outras coisas.

IPS: O quanto são permanentes os serviços fornecidos pelas organizações religiosas?

AK: Quando vemos a forma como oferecem serviços de saúde em contextos de conflitos ou desastres humanitários, notamos que muitos grupos religiosos são os primeiros a cobrir essas necessidades, antes, durante e depois que a situação é considerada uma “emergência”. Muitos atores internacionais chegam com essas complexas emergências humanitárias e oferecem serviços fundamentais que salvam vidas. Mas muitos acabam partindo. Os grupos religiosos raramente se vão, pois muitas vezes estão dentro das comunidades, pertencem a elas e são formados por elas.

IPS: Qual poderia ser a contribuição dos grupos de fé para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a ONU discute para sua agenda posterior a 2015?

AK: Muitas entidades religiosas estão envolvidas e continuam estando muito ativas em numerosos fóruns organizados pela ONU para a sociedade civil na discussão da agenda pós-2015 e os ODS. De fato, o UNFPA, como coordenadora da Equipe de Tarefas Interagências da ONU para Envolver os Grupos de Inspiração Religiosa no Desenvolvimento, recebeu o pedido do Grupo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (GNUD) de convocar uma reunião com várias organizações de fé no começo de 2012. O propósito foi discutir seu papel, seu potencial e suas perspectivas, bem como suas contribuições aos debates e às iniciativas em torno dos processos pós-2015. Mais de 30 organizações religiosas participaram da consulta, e muitas continuam envolvidas em uma grande variedade de plataformas e iniciativas.

IPS: Quais são essas plataformas e iniciativas?

AK: Muitos grupos religiosos participam de diversos esforços de difusão e promoção em suas próprias jurisdições, informando sobre os processos da ONU e depois reunindo a opinião de suas instituições e comunidades, para em seguida comunicar as variadas visões, necessidades e prioridades ao amplo grupo de responsáveis por políticas no sistema das Nações Unidas. Muitos também pressionam ativamente seus próprios governos em questões de desenvolvimento que consideram importantes, e em objetivos que sua experiência como provedores de serviços os ajuda a identificar. Vários produziram pesquisas, informação e análises, bem como documentos de posição, além de organizar debates e fóruns, e inclusive campanhas lideradas por redes de jovens e mulheres.

IPS: O quanto são significativas essas iniciativas?

AK: As entidades religiosas realizam significativas campanhas com os governos nacionais e dentro da ONU, bem como em outros círculos intergovernamentais e da sociedade civil, destinadas a alcançar metas realistas e fazer com que os políticos prestem contas sobre vários temas, particularmente mudança climática, pobreza, desigualdade e boa governança. Algumas são implacáveis ao exigir que os Estados membros da ONU resolvam difíceis temas políticos, como o aquecimento global, o financiamento da agenda pós-2015, a corrupção e a fraude. Também reclamam um acompanhamento dos avanços nas metas globais e pedem que sejam propostos métodos para que os governos e as instituições intergovernamentais sejam mais transparentes e responsáveis. Envolverde/IPS