Cidade da Guatemala, Guatemala, 18/5/2011 – A onda de violência e o Estado de sítio que suporta o Estado guatemalteco de Petén, após o assassinato e a decapitação de 27 camponeses, há anos eram gestados. Os sítios arqueológicos maias de Petén estão rodeados por tropas depois que foram encontrados os corpos dos assassinados no dia 15, supostamente pelo grupo de narcotraficantes mexicanos Los Zetas.
“Esta situação vinha de anos, mas nunca foi considerada”, disse à IPS o representante do Escritório na Guatemala do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Alberto Brunori. A Missão de Verificação das Nações Unidas nesse país – que entre 1994 e 2004 monitorou o cessar-fogo e o cumprimento dos acordos de paz que em 1996 puseram fim a 30 anos de guerra civil – alertou em seus informes que “havia grupos que estavam se apoderando do país”, recordou Brunori. Hoje, 98% dos crimes cometidos neste país ficam impunes.
Supostos membros do Los Zetas chegaram no dia 15 à fazenda Los Cocos, no Município de La Libertad, fronteiriço com o México e a mais de 500 quilômetros da capital, procurando por seu proprietário, o guatemalteco Rudy Salguero, suposto implicado no tráfico de drogas. Como não o encontraram, perguntaram por seu paradeiro a 29 diaristas que trabalhavam na fazenda, entre eles vários menores de idade e, não obtendo a resposta que esperavam, foram matando um por um e depois decapitaram os corpos. Apenas dois camponeses conseguiram sobreviver.
O presidente do país, Álvaro Colom, decretou, no dia seguinte, estado de sítio por 30 dias em Péten, limitando garantias constitucionais como livre circulação e reuniões privadas, e autorizando as forças de segurança a realizarem detenções sem ordem judicial. Brunori alertou que o estado de sítio é uma medida “excepcional”, mas a atenção do problema “deve ser parte de um debate profundo das diferentes forças políticas do país”. O Estado “deve dar uma resposta integral a esta situação. Não pode se recorrer ao estado de sítio e não dar recursos à polícia, ao Ministério Público, coordenador da perseguição criminal, e ao Organismo Judicial, máxima instituição de justiça”, acrescentou.
A 90 quilômetros do local do crime, na cidade de Santa Elena, o operador turístico Isauro García disse que “deveriam reforçar a segurança com mais soldados para apoiar esta região”, apesar da mobilização de helicópteros, militares e policias na área que abriga o conjunto arqueológico de Tikal, o mais conhecido até agora no mundo maia, encravado em uma selva tropical úmida. “É lamentável o que acontece, que afeta a todos e a nós, em particular, porque também arriscamos a vida dos visitantes”, disse García à IPS.
A guerra militar ao narcotráfico travada no México avança para a América Central. E em Petén, território de selva de 35.854 quilômetros quadrados fronteiriço com o Estado mexicano de Chiapas, os “narcos” e outros grupos criminosos encontram terra fértil. É que em Petén, Estado de selvas e montanhas, o maior da Guatemala, há pouca ou nenhuma presença estatal e mais de cem passagens fronteiriças ilegais.
Além de centro de atração do turismo internacional, Petén também é rota obrigatória de milhares de centro-americanos que tentam chegar aos Estados Unidos, atravessando a selva e depois o extenso território mexicano de Sul a Norte. Os acontecimentos de Petén mostram como a Guatemala “se converteu em um narcoestado onde os órgãos governamentais não exercem nenhum controle”, disse à IPS o dirigente do Comitê de Unidade Camponesa, Daniel Pascual. Nesse ambiente, os camponeses ficam vulneráveis pela expulsão das terras que cultivam e pelo crime organizado, acrescentou.
“As comunidades estão diante de um despojo, a partir de despojos promovidos pelos donos de terras, que buscam empresas, inclusive, para subornar e obrigar as pessoas a venderem a terra, e depois os donos se convertem em produtores de palma ou narcopecuaristas”, disse Pascual. “Depois vem a cooptação dos grupos do narcotráfico, que obrigam as comunidades a dar-lhes segurança, e as mantêm com projetos de moradia, saúde, recreação, sem sua cumplicidade, com sua submissão”, acrescentou.
Para Sandino Asturias, do não governamental Centro de Estudos da Guatemala, o crime traz à memória as atrocidades cometidas no enfrentamento entre as forças públicas e guerrilhas camponesas, que entre 1960 e 1996 deixou mais de 200 mil mortos e desaparecidos, a maioria indígenas. “Esperamos que o Estado reaja diante da indignação nacional e possamos ter uma resposta como sociedade para que fatos como esse não se repitam”, disse Asturias à IPS.
Pascual alertou que a militarização “não é uma resposta. Este governo instalou 14 bases militares, mas, onde estão agora?”, perguntou. As mesmas perguntas ecoam do outro lado da fronteira, no militarizado México, que registra 35 mil assassinatos nos últimos quatro anos. Em agosto do ano passado, 72 imigrantes foram assassinados no Estado de Tamaulipas. Acredita-se que os autores também foram Los Zetas, cujas atividades colaterais são sequestro extorsivo e exploração de imigrantes. Envolverde/IPS