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Guerra empurra crianças para o trabalho

Peshawar, Paquistão, 7/7/2001 – Em lugar de ir à escola, Jawad Ali passa o dia vendendo sandálias do lado de fora de um mercado desta cidade paquistanesa, capital da província de Khyber Pakhtunkhwa. “Quero ir à escola, mas agora é impossível”, contou, resignado, este garoto de 11 anos. Ali tem de trabalhar para ajudar a alimentar os dez integrantes de sua família, que há dois anos foi obrigada a fugir de sua aldeia em Bajaur, uma das sete áreas tribais afetadas pela guerra no noroeste do Paquistão. Quando estudava, Ali estava no segundo grau.

Contudo, mesmo se tivessem ficado em Bajaur, também seria quase impossível para ele e seus irmãos ir à escola. Agora a situação piorou e é cada vez mais difícil que volte e frequentar os bancos escolares. Como Ali, há milhares de meninos e meninas das Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata) que emigraram com suas famílias para Peshawar e agora se dedicam a engraxar sapatos, vender frutas e verduras e trabalhar em hotéis e oficinas mecânicas.

Expulsas pelos enfrentamentos entre o exército paquistanês e os insurgentes nas Fata, as famílias se veem com pouco dinheiro e sem casa, e as crianças são obrigadas a assumir a carga de manter o grupo. A família de Ali tinha uma casa de barro em Bajaur, que foi destruída durante uma operação militar. O menino lamenta não poder regressar em um futuro próximo. As famílias que estão na mesma situação devem pagar aluguel e gastar mais dinheiro em Peshawar, onde o custo de vida é maior do que em sua aldeia.

“Meus três filhos estudavam, e agora precisam trabalhar porque estamos em Peshawar e temos de pagar para morar”, afirmou Mohammad Jamal, procedente de Mohmand. A família de Jamal abandonou seu povoado por causa dos atentados terroristas e das operações militares, e se mudaram para esta cidade em agosto de 2009. Jamal trabalhava em sua fazenda e podia pagar os estudos dos filhos. Agora não tem trabalho fixo e o gasto diário aumentou. Além disso, precisam comprar no mercado. “A maior parte do dinheiro é para pagar contas de serviços e alugar uma casa de dois cômodos”, lamentou.

As operações do exército nas Fata prejudicaram mais as crianças, disse o legislador Akhunzada Chattan. “Deveriam estar na escola, mas fazem todo tipo de trabalho para alimentar suas famílias. É responsabilidade da comunidade internacional ajudá-los”, afirmou. A assistência consiste em casas para refugiados das Fata e estudantes. “Milhares de crianças e jovens tiveram que abandonar seus estudos porque as escolas fecharam ou foram destruídas. Nessas condições é impossível que sigam adiante”, contou Chattan.

A maioria dos menores se mostra pessimista e enfrenta um futuro incerto. Abdul Jabbar, de 13 anos, queria ser militar, mas seu desejo foi feito em pedaços. “Era o melhor aluno da minha escola. Nunca pensei que teria de abandoná-la”, disse, contrariado. Jabbar estava na sexta série na área de Safi, em Mohmand.

“A maioria dos menores das zonas em conflito decidiu começar pequenos trabalhos de engraxate ou vendedor de verduras, atividades que não exigem investimento”, disse Javid Alam, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dos cinco milhões de habitantes das Fata, 17% são menores, e, “destes, 10% tiveram que abandonar suas casas devido ao terrorismo”, acrescentou. A OIT implementou alguns projetos para colaborar na educação dos menores. “Tememos que sem instrução essas crianças se convertam em monstros”, alertou Alam, se referindo à possibilidade de pegarem em armas.

As Fata, entre Afeganistão e Khyber Pakhtunkhwa foi um lugar seguro até 2001, quando forças lideradas pelos Estados Unidos invadiram o país e derrubaram o governo do movimento islâmico Talibã, cujos membros fugiram para as áreas tribais em busca de refúgio. Até o final de 2004, o exército paquistanês lançou operações militares contra os rebeldes, o que levou à expulsão de milhares de famílias que buscaram refúgio em Khyber Pakhtunkhwa.

O jovem Ahmed Ali serve suco aos clientes em um quiosque no centro de Peshawar. “Ganho US$ 2 por dia, que dou aos meus pais. Trabalho desde o amanhecer até o começo da noite”, disse Ali, que estava na quinta série, em Orakzai. Seu companheiro de trabalho, Janbaz Omar, está em Peshawar por razões semelhantes. “Estudava em uma escola pública quando o exército começou as operações contra o Talibã, então viemos para cá. Agora estamos resignados com nosso destino”, afirmou à IPS.

A maioria de seus familiares abandonou os estudos devido ao conflito e trabalha para ganhar a vida em diferentes cidades do Paquistão. Porém, nem todos os menores trabalham na rua ou em restaurantes seguros. As irmãs Shaheena e Jabeena, de dez e oito anos, respectivamente, remexem em lixeiras todas as manhãs em busca de algo para comer ou vender. “Procuramos o que comer ou para vender. É muito duro, mas o que vamos comer se não fizermos isso?”, disse Shaheena à IPS.

Seu pai e seus irmãos também trabalham em Peshawar, mas o pouco que ganham não dá para os gastos. Antes de seguir para Peshawar, em maio de 2010, as meninas estavam na terceira e quarta séries. “Nossas casas e a escola foram destruídas pelo Talibã”, contou a mais velha, também de Orakzai. Envolverde/IPS