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Guerra na China faz inimigos vizinhos dentro do Líbano

bandeira do libano

Beirute, Líbano, 18/7/2014 – Os combates armados no Líbano entre as forças do Hezbolá e os 120 mil rebeldes sírios instalados perto da cidade de Ersal, que superam em três vezes a população local, aprofundam a brecha que divide os habitantes do oriental vale de Becá, bem como suas diferenças com o governo do país. Ao pé da acidentada cadeia montanhosa de Qalamun fica a cidade predominantemente sunita de Ersal, 124 quilômetros a nordeste de Beirute. A região é conhecida historicamente como uma rota de contrabando entre Síria e Líbano.

Desde o começo do conflito sírio, a política afastou os residentes de Ersal de seus vizinhos em Becá, que em sua maioria pertencem à comunidade xiita. Ersal simpatiza com a insurreição liderada pelos sunitas contra o presidente sírio, Bashar al Assad, enquanto os xiitas de Becá apoiam o Hezbolá libanês, que luta junto às forças governamentais. O Hezbolá (Partido de Deus) é uma organização política que mantém uma força militar paralela às forças armadas libanesas.

Embora o Hezbolá e as forças de Assad tenham assumido o controle da região de Qalamun em abril, a luta armada se reiniciou na zona síria, bem como no vale e nas montanhas libanesas de Ersal, onde os rebeldes sírios também estão presentes. “A influência dos insurgentes sírios na cidade se converteu em uma realidade inevitável”, disse um oficial do exército libanês que pediu para não ser identificado.

Nesta terceira semana de julho, morreram sete membros do Hezbolá e 31 ficaram feridos, segundo o Observatório Sírio para os Direitos Humanos, com sede na Grã-Bretanha e opositor ao governo libanês. Os combatentes morreram em uma emboscada nas colinas de Ersal. A zona escarpada também é usada como plataforma de lançamento de mísseis pelos rebeldes, com frequência dirigidos aos povoados do Hezbolá no Becá.

“A fronteira entre Síria e Líbano é o ponto fraco do reduto do Hezbolá, que se conecta à região de Becá e, mais importante ainda, à cidade de Baalbek, lugar de origem da organização armada”, disse o professor Hilal Khashan, da Universidade Americana de Beirute. “Os rebeldes, incluída a Frente Nusra, utilizam Ersal para lançar ataques contra o Hezbolá, que está obrigado a recuperar a região, a um custo muito alto”, acrescentou.

Calcula-se que cerca de seis mil combatentes sírios encontram refúgio em Ersal, segundo o oficial do exército, e que centenas de militantes opositores se escondem nas colinas e cavernas sobre a cidade. Os habitantes usam os caminhos de terra que conectam Ersal às partes altas das montanhas de Becá para transportar ajuda, gasolina e provisões para os insurgentes sírios.

O vice-prefeito, Ahmad Fleety, reconhece que Ersal paga um alto preço por seu apoio à revolução síria. “Os enfrentamentos entre o Hezbolá e rebeldes sírios agravaram as tensões entre os habitantes locais e seus vizinhos, e cada incidente provoca uma reação no povoado”, afirmou. Khaled Hujairi, morador de Ersal, ficou ferido na localidade vizinha de Laboueh, depois de participar do funeral de um dos combatentes do Hezbolá morto em um enfrentamento.

Mas a brecha que separa os residentes de Ersal dos habitantes dos povoados remonta ao começo da sublevação na Síria e a uma onda de sequestros mútuos entre sunitas e xiitas. As relações entre as duas comunidades ficaram ruins depois da morte de quatro xiitas em junho de 2013, perto de Ersal. A situação se agravou quando a cidade ficou sitiada por várias semanas no começo deste ano, depois de se converter em um ponto de trânsito da Síria para o Líbano para os carros-bomba contra áreas xiitas.

A triste realidade de Ersal se agrava pelo isolamento da cidade. Uma pequena estrada asfaltada a liga ao resto do vale de Becá, e dali a Beirute, capital do Líbano. Os aviões sírios a sobrevoam com frequência e disparam mísseis contra a localidade e as montanhas vizinhas. Sete moradores ficaram feridos após um ataque semelhante esta semana. Raramente o Líbano apresenta uma queixa formal por esses reiterados ataques.

“Ersal é o território periférico descuidado pelo governo, o que pode explicar o aumento do extremismo no lugar. Se seus habitantes sentissem pertencer ao Estado libanês, não apoiariam tanto os rebeldes sírios”, pontuou Khashan.

Além disso, uma série de incidentes deixou tensas as relações com o Estado, como o enfrentamento em 2013 entre uma patrulha do exército e um grupo de residentes locais, que causou a morte de dois membros das forças armadas libanesas e de um dos suspeitos que perseguiam.

A presença dos mais de 120 mil refugiados sírios, que triplicam com juros a população local, complica ainda mais a relação entre o Estado e as populações da área. “As pessoas de Ersal optaram por apoiar a revolução síria e não voltarão atrás”, afirmou o ativista Abu Mohamad Oueid. Envolverde/IPS