Buenos Aires, Argentina, 6/11/2014 – Na Argentina há cada vez mais mulheres ocupando cargos de direção nos setores público e privado, embora ainda tenham que abrir caminho em meio a estereótipos de gênero e a responsabilidade do lar continue recaindo sobre elas.
Com diploma universitário, ML começou sua carreira em um banco, como telefonista, para trabalhar meio período e poder conciliar o emprego com o horário escolar de seu primeiro filho. “Me candidatei a vários postos de maior carga horária e responsabilidade, o que permitiu que eu fizesse carreira no banco, sempre demonstrando disponibilidade apesar de ter dois filhos”, contou à IPS esta mulher que agora, aos 50 anos, é diretora-executiva dessa instituição e que pediu para não ter seu nome revelado.
ML retrata muitas das 31 mulheres argentinas diretoras em companhias privadas presentes no informe Gênero no Trabalho: Brechas no Acesso a Postos de Decisão, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). O documento analisa dados oficiais de 1996 a 2012 e mostra que as mulheres ocupam três de cada dez cargos de direção na Argentina. “Embora persistam as desigualdades no acesso a postos de decisão, houve mudanças positivas”, afirmou a diretora do estudo, Gabriela Catterberg.
São mulheres em altos cargos em suas empresas que, como Andrea Ávila, têm em média 45 anos, filhos com mais de seis anos e majoritariamente estão casadas ou com parceiro estável. É resultado de “demonstração de eficiência” e, “sobretudo, de uma mudança de modelo mental, que aos poucos abandona o patriarcado”, disse à IPS Ávila, diretora-executiva para Argentina e Uruguai da Randstad, uma transnacional de recursos humanos.
Muito teve a ver o acesso das mulheres à universidade, já que 52,7% das mulheres em cargos de direção são universitárias, contra 34,6% dos homens. É “revelador do mérito que a educação superior completa deu às mulheres”, afirmou o representante do Pnud no país, René Valdés, durante a apresentação do estudo, no dia 23 de outubro. Outra leitura é que, para serem diretoras, as mulheres “são exigidas muito mais em termos de educação do que os homens”, acrescentou.
Os progressos são notáveis no setor público, onde 50,3% de cargos de direção são exercidos por mulheres, graças a ações afirmativas a favor de sua participação e aos maiores benefícios pela maternidade. No setor privado, apesar da melhora, as mulheres ocupam apenas 28% dos altos cargos. “No mundo privado prevalece a meritocracia”, apontou à IPS a especialista em lideranças femininas trabalhistas, Lidia Heller. Méritos que ML precisou demonstrar. Por medo de ser “penalizada” por suas gravidezes, voltou ao trabalho após dar à luz, “para permanecer ativa no mercado”, contou.
Segundo pesquisas oficiais, 76% das argentinas casadas ou com companheiros são as encarregadas das tarefas domésticas. No caso das mulheres em cargos de direção, elas se mantêm como responsáveis pela organização da casa e da família, embora contem com apoio de serviço doméstico. Existe uma “tensão” entre a vida pessoal e a profissional, pontuou Catterberg.
Nos postos de decisão, 82% dos homens estão casados ou têm companheira, contra 66% delas. Além disso, 40% deles têm esposas sem trabalho remunerado, enquanto 43% dos maridos das diretoras que ocupam cargos semelhantes aos delas. “As mulheres têm capacidade de lidar com vários temas ao mesmo tempo. Você deixa com seu marido uma lista: buscar o filho na escola, a roupa na lavanderia, pagar uma conta, dar a comida, e com certeza ele se esquece de algo”, brincou ML.
“Há algo que acontece a todos os apaixonados por nosso trabalho e é, justamente, não vê-lo como tal, não distinguir o que é trabalho, e que precisa estar circunscrito a um lugar e a determinadas horas”, ressaltou Ávila. A “chave é desfrutar de tudo e cumprir todos os papéis, sendo ordenada e aproveitando o tempo”, opinou.
O informe apresenta depoimentos de executivas sobre estereótipos machistas no trabalho. “Estamos eu e meus três sócios homens, chegam outras pessoas e, em geral, se dirigem a eles”. Só te ouvem quando percebem que “está dizendo algo inteligente”, disse uma entrevistada para o informe do Pnud. “Para viagens, escolhem homens supondo que estão disponíveis”, exemplificou ML à IPS.
Ela viajou, mas com “culpas e sentimentos desencontrados. Por um lado, a adrenalina do crescimento profissional. De outro, o medo de perder muitas coisas da vida familiar. Tive que viajar muito e isso significou deixar de lado questões familiares”, afirmou ML. É que para erradicar preconceitos faltam “mudanças culturais”, além de leis favoráveis, segundo a especialista Heller. “As concepções culturais sobre o que cabe a homens e mulheres ser e fazer se trasladam para o campo do trabalho e interagem com as exigências e condicionantes produtivas e econômicas”, destacou Ávila.
Isso significa mudar um “modelo mental”, porque, “embora os homens compareçam às atividades escolares, ajudem os filhos com as tarefas, façam compras e até cozinhem, ainda prevalece a perspectiva de que o fazem como um apoio, e não por responsabilidade assimilada como compartilhada”, apontou a diretora-executiva. “Para que as mulheres ocupem espaços de decisão no trabalho, será preciso que os homens ocupem espaços ‘de mulheres’ no lar”, ressaltou.
Segundo dados do Pnud, as argentinas têm melhor situação do que a média da América Latina e do Caribe, onde, nas 500 maiores empresas, menos de 14% dos postos de direção são de mulheres e só entre 4% e 11% ocupam cargos de decisão. Catterberg enfatizou que é preciso consolidar políticas públicas de “conciliação”, especialmente com relação ao cuidado de crianças menores de três anos, estender as licenças maternidade e paternidade, e transformar critérios empresariais de seleção e avaliação. “Não se trata apenas de contratar mais mulheres, mas de defender que as prioridades de trabalho de mulheres e homens mudam em diferentes etapas da vida”, destacou.
A empresa de Ávila já tomou medidas que incluem os homens, habitualmente “mais reticentes”, nos benefícios de gênero. Os programas de capacitação acontecem em horário de trabalho e longe do de saída, para não interferir em sua vida privada. É importante “comunicar que o respeito da conciliação não se limita às mulheres”, mas a todos na empresa “independente de gênero, idade e situação civil”, afirmou.
Verônica Carpani, assessora do Ministério do Trabalho, propõe mais participação nas negociações com sindicatos e empresas. “Onde há mais mulheres, são incluídas cláusulas de gênero. É necessário ter acesso a mesas de diálogo para que mais mulheres sejam unidas. Se não o fizermos, ninguém fará por nós”, ressaltou. Envolverde/IPS