Beirute, Líbano, 31/7/2012 – Desde seu nascimento, o Hezbolá (Partido de Deus) teve muita influência dentro de sua comunidade. Entretanto, nas últimas semanas este movimento xiita libanês enfrenta cada vez mais dificuldades para controlar sua base de apoio e frear o descontentamento. Estes acontecimentos levaram os analistas a questionarem se está perdendo peso entre seus seguidores. Em junho, homens armados atacaram os estúdios do canal local da rede de televisão Al-Jadeed, em Beirute. Colocando fogo em pneus, cercaram a área, abrindo fogo e lançando coquetéis Molotov contra o prédio.
Moradores do lugar detiveram um dos atacantes depois que suas roupas ficaram queimadas. A imprensa local informou que o suspeito é um integrante xiita da Saraya al-Moqawama, uma unidade especial formada por membros de várias facções libanesas filiadas militarmente ao Hezbolá, mas este partido imediatamente negou esta acusação. Pouco depois, o jornal libanês Na Nahar informou que partidários do Hezbolá no bairro de Rweiss, sul de Beirute, atacaram uma patrulha das Forças de Segurança Interna, depois que esta prendeu um homem armado em uma motocicleta, identificado como Ali Shoaib.
Imediatamente após esta prisão, membros do Hezbolá intervieram em uma disputa com a patrulha. O partido voltou a negar o incidente. “Há um firme sentimento de que o Hezbolá não é capaz de controlar seus militantes e contingentes menores. Dahieh (reduto deste partido nos subúrbios da capital libanesa) está repleta de problemas de segurança, que vão de enfrentamentos armados diários entre famílias locais até um tráfico cada vez maior de armas e drogas, além da prostituição”, afirmou à IPS um alto funcionário das Forças de Segurança Interna.
Além de precisar deter essas atividades, o Hezbolá enfrenta uma crescente onda de descontentamento entre seus partidários. No mês passado, durante um dos protestos contra o sequestro de 11 peregrinos xiitas na Síria e a prisão de Ali Shoaib, o canal local de televisão MT informou que manifestantes haviam atacado um comboio do Hezbolá composto por quatro automóveis, que levava um funcionário do partido, e o obrigaram a dar meia-volta.
Os 11 peregrinos foram sequestrados em 22 de maio na cidade síria de Aleppo, quando estavam de regresso ao Líbano após uma viagem religiosa ao Irã. Comenta-se que foram detidos pelas forças de oposição sírias, que culpam o Hezbolá por seu forte apoio ao presidente Bashar al-Assad. “O Hezbolá parece ter esquecido o assunto e já não fala nele, como se nunca tivesse ocorrido”, afirmou à IPS Hassan, um homem da Dahieh que trabalha em uma loja de roupas. Muitos dos antes incondicionais seguidores do Hezbolá agora também condenam o mau gerenciamento que o partido faz das múltiplas crises que afetam o país.
“O fato de o Hezbolá ser a principal força dentro deste governo deveria me dar uma sensação de segurança, mas, na verdade, não é assim”, observou Mohammad, um jovem na faixa dos 20 anos procedente de Nabatiyeh, uma aldeia do sul do Líbano. Estas queixas se generalizaram entre a comunidade xiita. Desde o começo do ano o Líbano presenciou múltiplas incursões sírias e uma crescente tensão sectária, uma onda de protestos e também escassez de eletricidade, descreveu.
“O Líbano não tem nem eletricidade nem segurança, e a situação piora a cada dia”, contou Hassan à IPS. “Este governo, que em teoria é nosso (e está liderado pelo Hezbolá), ironicamente trabalha contra nós”, enfatizou. Seu amigo Hatem, que acaba de se formar no ensino secundário, queixou-se da corrupção governamental. “Ia me matricular na escola farmacêutica, mas, para quê? O setor está saturado porque os políticos apoiam operadores ilegais. Quero ir embora do Líbano; outros países se preocupam com seus habitantes, mas meu governo e meus líderes não”, disse com tristeza.
Apesar dessas críticas, o partido continua tendo seguidores incondicionais. Rola, uma jovem mãe, disse que suas lembranças da guerra civil fazem com que mantenha a lealdade ao partido. “Quem nos protegerá quando as forças libanesas (cristãs) nos atacarem? Não me esqueci do massacre de Sabra e Chatila. O Hezbolá é o único partido capaz de proteger a mim e a toda a comunidade xiita”, declarou à IPS.
Na matança de Sabra e Chatila, em setembro de 1982, morreram cerca de mil civis palestinos e libaneses que residiam nos dois acampamentos palestinos, pelas mãos de um grupo de ex-membros das direitistas e cristãs Falanges Libanesas, que depois se integraram às forças regulares do país. A carnificina aconteceu, supostamente, por vingança pelo assassinato do então recém-eleito presidente libanês Bachir Gemayel, líder das Falanges.
Kassem Kassir, jornalista político especializado em movimentos islâmicos, acredita que a atitude de Rola provavelmente seja a mesma de dezenas de outras pessoas na comunidade. “É verdade que os partidários do Hezbolá têm muitas queixas. Contudo, a maioria deles ainda segue politicamente o partido. Basta olhar as recentes eleições parlamentares parciais de Koura, onde 97% dos xiitas votaram no candidato do partido”, disse à IPS. “Os membros da comunidade xiita podem se queixar, mas não se mobilizarão contra o Hezbolá na atual e incerta situação regional”, acrescentou. Envolverde/IPS