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Homossexuais da Índia põem suas vozes no ar

Chandni, integrante da comunidade LGBT em Bangalore, sintoniza a QRadio pela internet. Foto: Stella Paul/IPS
Chandni, integrante da comunidade LGBT em Bangalore, sintoniza a QRadio pela internet. Foto: Stella Paul/IPS

 

Bangalore, Índia, 17/2/2014 – É de tarde em Bangalore, a cidade das tecnologias da informação da Índia. Em um pequeno estúdio, Vaishalli Chandra, diretora da QRadio, uma emissora via internet dedicada à comunidade gay, lésbica, bissexual e transgênero (LGBT), entrevista Ankit Bhuptani, um homossexual de 21 anos, de Mumbai.

“Tinha 15 anos quando me dei conta de que era gay, e isso me fazia sentir como se pecasse contra Deus. Comecei a me condenar. Mais tarde consegui me aceitar como sou”, afirmou Bhuptani. Chandra, uma heterossexual, sorri e faz a audiência da rádio participar: “Sim, a aceitação social é importante e começa por aceitar a si mesmo. Por isso, falemos disso”.

Graças às oportunidades de formar redes, desabafar e comemorar, a rádio é o meio mais escolhido pela comunidade LGBT na Índia. Priyanka Divakar apresenta o programa Yari Ivaru (Quem é Esta Pessoa?), transmitido pela Rádio Active, uma emissora FM que está no ar desde 2010. Ela integra a mesma comunidade LGBT à qual dirige seu espaço. Divakar nasceu homem e se submeteu a uma cirurgia de mudança de sexo depois de sofrer durante anos o mesmo calvário experimentado pelas minorias sexuais nesse país: falta de direitos, ostracismo social, estigma e piadas.

Na Índia as relações homossexuais ainda são um crime penal. Chandra e Divakar acreditam que seus programas ampliam a liberdade de expressão, ao darem à comunidade LGBT uma plataforma para ser ela mesma. Os convidados falam sobre seu conflito de identidade, a reação de seus familiares diante de sua sexualidade e a oposição da sociedade.

“Na maioria das vezes, os próprios pais renegam seus filhos após saberem de sua identidade sexual. Isto os lança no mundo da insegurança econômica, social e emocional, e os empurra para o comércio sexual, a mendicância ou atividades criminosas”, explicou Divakar. Mas, nem todas as histórias são amargas e tristes.

Shaleen Rakesh, de Nova Délhi, recordou na rádio o dia em que contou à sua mãe que era gay. “Ela disse que queria me abraçar. Ficou muito feliz por eu ter saído do armário”, contou. Além de compartilhar histórias do passado, a comunidade também usa esses espaços de rádio para debater sobre o futuro, especialmente os planos de terminar com a discriminação.

A rádio tem particular recepção entre os jovens da classe trabalhadora, à qual pertence a maioria dos LGBT, pontuou Kalki Subramanium, ativista transgênero de Chennai. “Nestes dias a rádio é um novo avatar. Pode-se ver jovens ouvindo-a quando vão para o trabalho ou mesmo quando estão no trabalho. É de fácil acesso e não custa muito”, destacou Subramanium, um trabalhador social premiado e fundador da Sahadari, uma organização sem fins lucrativos que promove a igualdade de gênero na Índia.

Abhijay, um desenhista gráfico de Nova Délhi que teme revelar seu nome por medo de perder o emprego, costuma sintonizar a QRadio, que considera “muito boa para animar uma pessoa em conflito com sua identidade sexual”. Porém, quase cinco meses depois de seu lançamento, sente que a rádio corre o risco de ser repetitiva e que deve levar mais a sério assuntos como a brutalidade policial, a discriminação no local de trabalho e a falta de empregos decentes. “A identidade não é o único problema dos gays. O que falar das consequências de declarar publicamente sua orientação sexual? Como enfrentamos isso? Como lidar com a discriminação em toda parte?”, questionou.

Akkai Padmashali, ativista LGBT da Sangam, uma organização não governamental com sede em Bangalore, disse que o acesso à QRadio é limitado, porque é necessária uma conexão estável de internet para poder ouvi-la. É necessário chegar aos que vivem do outro lado da brecha digital, destacou. Padmashali, que pretende apresentar um programa na QRadio, gostaria de “ver uma quantidade de emissoras comunitárias em todo o país abordando assuntos da comunidade LGBT”.

Porém, mais emissoras exigirão mais financiamento, o que é um assunto espinhoso. Segundo Chandra, a QRadio recebeu parte de seu financiamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), mas “a sustentabilidade é um assunto sério”. Priya Darshi, radicado em Hyderabad, disse que planejou criar uma rádio comunitária, mas não pôde porque “ninguém estava disposto a apoiar um grupo de pessoas estranhas falando sobre direitos e leis”.

Padmashali acredita que “a responsabilidade moral (de financiar) deveria caber ao Estado indiano”. Nos últimos meses manteve reuniões com dirigentes, políticos e ministros, entre eles Manish Tiwari, titular da pasta de Informação e Transmissões, a quem descreveu como “muito empático” com a comunidade LGBT.

Subramanium afirma que o setor corporativo também deveria investir na rádio para a comunidade LGBT. “Há várias emissoras privadas que recebem grande financiamento das corporações. A escassez de fundos só existe para as rádios comunitárias. Mas o diálogo e a sensibilização podem ajudar a criar novas associações. A responsabilidade social corporativa poderia incluir financiar espaços que promovam os direitos de gênero”, acrescentou.

Entretanto, Padmashali e Subramanium estão convencidos de que a rádio para as pessoas LGBT chegou para ficar. Na QRadio ouve-se a voz de Rakesh: “Não precisamos de nenhuma aprovação dos outros… nossa comunidade é suficiente para validar a si mesma”. Envolverde/IPS