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Honduras inaugura processo de extradição com um narcotraficante

Membros de um corpo especial da polícia, quando executavam uma das invasões a residências do suposto chefe do narcotráfico Carlos Arnoldo Lobo, na cidade hondurenha de San Pedro Sula. Foto: Cortesia do Ministério Público
Membros de um corpo especial da polícia, quando executavam uma das invasões a residências do suposto chefe do narcotráfico Carlos Arnoldo Lobo, na cidade hondurenha de San Pedro Sula. Foto: Cortesia do Ministério Público

 

Tegucigalpa, Honduras, 7/4/2014 – A captura de um suposto chefe do tráfico de drogas em Honduras abre uma batalha inédita, ao ser requerido pelos Estados Unidos, abrindo o primeiro caso de extradição nesse país, que inclui há apenas dois anos essa figura em sua legislação. Carlos Arnoldo Lobo, supostamente um dos maiores traficantes de drogas na região, foi detido no dia 27 de março em uma padaria de uma das áreas mais exclusivas da cidade de San Pedro Sula, a 250 quilômetros da capital.

O processo de extradição começa no dia 10, podendo terminar entre esse dia e os três seguintes, e colocará à prova um instrumento com o qual se pretende frear a impunidade em Honduras, um dos países latino-americanos com maior criminalidade. O governo de Juan Orlando Hernández atribui a violência que afeta Honduras ao fato de passar pelo país 80% da droga que vai para o maior consumidor do mundo: os Estados Unidos.

Conhecido com El Negro Lobo, ele é natural de Esparta, no departamento de Atlántida, e foi capturado em uma operação da Força de Segurança Interinstitucional, um corpo de elite de investigação, captura, inteligência e contrainteligência. É acusado de ser um dos maiores traficantes marítimos de drogas de Honduras, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, México e Panamá, e ocasionalmente por aviões, disseram à IPS agentes que pediram para não serem identificados.

Há dois anos, a promotoria contra o crime organizado confiscou cerca de 46 propriedades entre casas, iates, terrenos, bem como contas bancárias de Lobo, em uma operação realizada em três regiões do litoral atlântico: Islas de la Bahía, La Ceiba e San Pedro Sula. Afirmou-se que propriedades estavam em nomes de supostos testas de ferro. Ao detê-lo, foram desapropriadas outras quatro casas em duas luxuosas áreas e apreendidos três veículos. As autoridades afirmam que o suposto chefe começou graças aos seus conhecimentos como marinheiro e o vinculava ao cartel colombiano de Los Mellos de Kasandra, com o qual coordenava o envio de carregamentos para o sul dos Estados Unidos.

Em janeiro de 2012, o Congresso reformou o Artigo 102 da Constituição, para permitir a extradição de hondurenhos para países por crimes de tráfico de drogas, crime organizado e terrorismo. Em abril daquele ano, os Estados Unidos solicitaram a extradição de Lobo, pelo suposto crime de conspiração no transporte e distribuição de drogas. Dois anos depois, um juiz especial nomeado pela Suprema Corte de Justiça (CSJ) ordenou sua captura.

“Quando Lobo soube que haviam pedido sua extradição, baixou seu perfil, saía e entrava do país, foi difícil encontrá-lo porque não usava muito o telefone para se comunicar, os contatos eram feitos por meio de seus parentes mais próximos e, às vezes, usava o correio eletrônico”, detalhou um dos agentes antidrogas. Agora está em uma cela de segurança máxima do principal centro penitenciário, a 30 quilômetros de Tegucigalpa.

No dia 10, o juiz decidirá se procede a sua extradição. Em caso positivo, os defensores de Lobo poderão apelar e, se o fizerem, o magistrado determinará em três dias se o recurso é válido. Se rejeitar a apelação, nesse mesmo dia pode ordenar o traslado do réu para os Estados Unidos e, se aceitar, o processo durará mais alguns dias, disseram advogados ouvidos pela IPS.

Com o suposto chefe se estreia um instrumento que encontrou vários entraves na CSJ, cujos magistrados alegaram que careciam de garantias de segurança para atuar, como veículos blindados e proteção pessoal, demandas acolhidas em parte. Depois os juízes invocaram a falta de um regulamento para aplicar a extradição e, após um debate legal com o parlamento, acabaram aprovando, em maio de 2013, uma instrução com um procedimento especial para que um cidadão hondurenho possa ser entregue a outro país para ser julgado e eventualmente cumprir pena.

O analista político Miguel Cálix apontou à IPS que o caso abre “um debate do qual as pessoas não querem falar. Cabe determinar que a extradição ocorra no contexto do respeito aos princípios jurídicos e de direitos humanos que os tratados internacionais estabelecem”. “Tudo indica que o governo quer dar golpes contundentes e põe a extradição como uma demonstração de vontade política firme, que até agora ninguém queria levar adiante. Vem uma batalha legal interessante, embora os procedimentos devam ser rápidos”, acrescentou.

O ex-procurador geral do Estado, Edmundo Orellana, afirmou à IPS que “esse caso não se deve acalentar, se deve proceder com base na legalidade mas sem mostrar medo da criminalidade organizada, e se deve ir além, investigar a rota do dinheiro e suas conexões bancárias”.

Em abril de 2013 os Estados Unidos incluíram um primeiro hondurenho em sua lista de personagens ligados ao narcotráfico, o empresário José Miguel Handal, conhecido como Chepe Handal. Dois meses depois, esse país informou que os irmãos Javier e Leonel Rivera encabeçavam o cartel Los Cachiros, e vinculou cinco de suas empresas com o narcotráfico. Não se sabe se os Estados Unidos os incluíram na lista de nove extraditáveis pedidos a Honduras, que é encabeçada por Lobo.

Um promotor antidrogas disse à IPS que a batalha não será apenas legal, “mas também política, porque se Lobo for extraditado os narcotraficantes com fortes vínculos políticos sabem que irão contra eles”. A seu ver, o presidente Hernández “está decidido a obter sua extradição, pressionará a justiça por isso e, naturalmente, haverá uma reação, não sabemos qual, mas sabemos de reuniões nos últimos dias de cartéis locais buscando uma coesão nacional”.

A extradição também causa polêmica porque há mais de 20 anos foi expatriado, violando a Constituição, o hondurenho Juan Ramón Matta, por acusações de tráfico de drogas. Desde então está em uma prisão de segurança máxima nos Estados Unidos.

Paulatinamente, Honduras passou de ponte da droga a país que também produz e processa. Nas regiões ocidentais e do norte atlântico se afirma que operam pequenos cartéis locais com ligações com máfias mexicanas e colombianas. Nesses lugares a IPS constatou que a ausência do Estado, as limitações da polícia, a corrupção e a impunidade são caldo de cultivo para o crime organizado. Em várias regiões, é comum ver nas estradas, em plena luz do dia, veículos blindados não oficiais, com homens fortemente armados e usando coletes à prova de balas. Envolverde/IPS