Tegucigalpa, Honduras, 27/1/2012 – Honduras estreará em fevereiro uma nova Lei Fundamental da Educação, que substitui a que está em vigor há quase meio século e pretende devolver a confiança no ensino público, melhorar sua qualidade e garantir a governabilidade em seu sistema. Com ela busca-se modificar uma situação onde as greves e reclamações trabalhistas do setor, a falta de infraestrutura e outros problemas causam o recorrente descumprimento dos 200 dias letivos mínimos nos cursos primário e secundário. Agora, o ano letivo não poderá terminar se esses dias não forem completados.
A lei, com 91 artigos e promovida como “revolucionária” pelo governo e parlamento, foi aprovada no dia 17 por 87 dos 128 deputados, com a oposição dos principais colegiados dos docentes, que neste país cumprem também funções sindicais e que na reta final abandonaram a mesa negociadora que por dois anos tentou o consenso.
A lei aumenta de seis para nove anos a educação básica obrigatória que o Estado deve proporcionar de forma gratuita, estabelece o inglês como matéria fundamental ao longo das grades curriculares do primário e secundário, garante internet nos centros públicos e normatiza que o acesso universal ao ensino é um direito.
Também fixa o direito que têm os sete grupos indígenas do país de serem educados em sua língua materna, para preservar a cultura dos sobreviventes do milenar povo pech e da comunidade garífuna. Além disso, o magistério passará a ser uma carreira universitária e os futuros professores terão de ter o terceiro grau. Esta reforma se completará em 2018, quando terminará o prazo para que as 13 escolas de magistério atuais modifiquem seus currículos.
Honduras é um dos países latino-americanos que tem as piores notas em matéria de educação nos exames de órgãos internacionais e o analfabetismo atinge mais de 20% de seus 8,4 milhões de habitantes, dos quais 3,4 milhões são menores de 18 anos, segundo dados oficiais.
Juan Orlando Hernández, presidente do unicameral Congresso legislativo, esclareceu à IPS que “buscamos iniciar uma revolução educacional que nos tire do atraso em que se mantém a educação pública e esperamos, no médio prazo, devolver a confiança nela”. Também lamentou que os dirigentes dos principais sindicatos, que aglutinam entre 52 mil e 60 mil docentes, se afastassem do consenso no final. “Demos a eles tempo suficiente, nunca apresentaram contrapropostas e não podíamos continuar no puxa-puxa. As decisões tinham que ser tomadas”, argumentou.
Contudo, os professores pensam de modo diferente. Afirmam que a nova lei é “demagógica”, não há bases para ser aplicada, busca privatizar a educação pública e cria um virtual bilinguismo para o qual é preciso antes capacitar os professores. Por isso, anunciam mobilizações quando começar o ano escolar, na segunda semana de fevereiro.
O dirigente sindical Edgardo Casaña disse à IPS que “essa lei atende às políticas neoliberais que buscam privatizar a educação pública, querem enganar com a internet nas escolas e outras ferramentas, que são boas mas que têm o propósito político de desmobilizar o magistério”.
Julio Navarro, sociólogo e ex-dirigente de classe, declarou à IPS que “leu a lei, participou de alguns encontros de socialização e pode garantir que nela não há a tal privatização, o que ocorre é que temos um magistério defasado no avanço educacional e muito ideologizado”.
Para Navarro, a nova lei fortalece o sistema da educação pública, inclui a prestação de contas “a ponto de se poder saber com quantos professores o país realmente conta, um dado que em pleno Século 21 continua sendo inexato. A lei também pretende melhorar a qualidade do ensino e que a sociedade volte a confiar em suas escolas públicas”. O parlamento informou que foram destinados US$ 840 milhões para iniciar a execução da lei.
Em Honduras a educação primária dura seis anos (dos sete aos 12) e a secundária outros seis (dos 13 aos 18), que neste caso se dividem em dois ciclos de três anos, um comum e outro diversificado. Agora, o primário e o primeiro ciclo secundário serão obrigatórios e o Estado deverá garantir esse direito. A população escolar pública é de 2,3 milhões de estudantes, segundo dados oficiais.
Um informe da Universidade Nacional Autônoma de Honduras (Unah, pública) dá evidências da deterioração da qualidade do ensino. Há cinco anos, a Unah aplica uma prova de aptidão acadêmica para admissão de estudantes, segundo padrões internacionais. O informe indica dificuldades dos estudantes que fazem as provas em áreas como matemática e linguagem. Em 2011, não foram bem 29.031 dos 43.926 inscritos no exame.
A média obtida pelos aspirantes aprovados procedentes de escolas públicas foi de 843 pontos, perto da pontuação mínima da prova, que vai de 800 a 1.100. As carreiras mais procuradas ou exigentes requerem pontuações maiores. Navarro afirma que esta deterioração se deve a problemas próprios dos conflitos no magistério relacionados, em sua maioria, a greves por atraso no pagamento, reparos administrativos por cobrar salários sem trabalhar, existência de vagas fantasmas e politização, entre outros.
No ano passado, o país teve uma média de apenas 140 dias de aulas, contra os 200 mínimos estabelecidos, e os professores não cumpriram a promessa de repor os dias perdidos, sem que o governo os obrigasse a isso. Rutilia Calderón, vice-reitora acadêmica da Unah, afirma que esse problema alimenta a insuficiência com que os estudantes chegam à universidade. “Há uma espécie de ingovernabilidade na educação que deve ser resolvida, se o desejo é aplicar a nova lei”, destacou à IPS.
Armando Euceda, ex-vice-ministro da Educação, considera que a lei terá êxito “se o Estado for capaz de aplicá-la, controlar o caos educacional e reduzir a desigualdade entre o urbano e o rural. Dos 1.100 centros secundários de ensino público, 800 estão nas zonas urbanas, e o mesmo ocorre com as escolas primárias. Junto com menos centros, na área rural há outro problema. “Um professor atende seis séries e isto deve ser mudado. Tudo isso influi na baixa qualidade”, acrescentou.
No entanto, a reforma não chega a tempo para que Honduras cumpra o segundo objetivo de desenvolvimento do milênio, com o qual o país se comprometeu, como os demais membros da Organização das Nações Unidas (ONU), de ter ensino primário universal até 2015.
O informe da Unah diz que, “apesar de a qualidade da educação ser colocada na agenda pública, os êxitos nesta área não foram verdadeiramente significativos até agora, por isso não se espera conseguir a universalização do ensino primário”, e assegura que, para enfrentar este desafio, é imprescindível “melhorar a governabilidade no sistema educacional”. Este ano se começará a ver se a nova lei contribui para isso. Envolverde/IPS