Varsóvia, Polônia, 8/3/2012 – Apesar da pressão de organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a União Europeia (UE), no sentido de promover a igualdade de gênero na Europa central e oriental, o acesso ao financiamento para iniciativas que as apoiem continua enfrentando muitos obstáculos.
Imediatamente após a queda do comunismo em 1989, as organizações não governamentais da Europa central e oriental dedicadas à igualdade de gênero receberam a maior quantidade histórica de recursos de fundações privadas ou agências governamentais dos Estados Unidos e da Europa ocidental. Contudo, quando esses ex-países comunistas entraram para a UE, os doadores extrabloco retiraram seu financiamento, considerando que a região já estava bem coberta pelos fundos da União Europeia.
As ONGs da Europa central e oriental, porém, notaram que desde a entrada na UE têm mais dificuldades de acesso a financiamento, principalmente porque os fundos do bloco são cofinanciados pelos governos nacionais e distribuídos seguindo prioridades de cada Estado. Assim, as ONGs se veem presas à agenda de seus respectivos governos. Este problema foi destacado, pelas entidades que defendem os direitos femininos, como uma grande barreira para avançar rumo à igualdade de gêneros, na semana em que se comemorar o Dia Internacional da Mulher, hoje, 8 de março.
“Antes do fazermos parte da UE era, paradoxalmente, mais fácil receber dinheiro para ações e publicações mais radicais”, apontou Alina Synakiewicz, da ONG polonesa Feminoteka. “Agora, ainda que haja dinheiro disponível, ele é entregue com a intermediação governamental, o que significa que o governo o canaliza como bem entende”, esclareceu. No melhor dos casos, as ONGs “se tornam criativas” e conseguem alinhar suas prioridades com as agendas de seus governos. No pior, simplesmente os fundos lhes são negados.
Um exemplo da marginalização das iniciativas de gênero em uma agenda nacional conservadora ocorreu na Polônia. Em 1993, o aborto foi colocado na ilegalidade nesse país e, até agora, o acesso a anticoncepcionais e a educação sexual continua restrito. Os médicos podem invocar uma “cláusula de consciência” e se negar a dar receitas para o controle da natalidade. Ativistas pela igualdade de gênero afirmam que esses limites aos direitos reprodutivos se devem principalmente à forte influência que a Igreja Católica polonesa tem sobre o Estado e toda a sociedade.
No ano passado, ativistas tentaram apresentar no parlamento um projeto de lei sobre direitos reprodutivos, tendo como principais pontos uma legislação sobre aborto, tornar os anticoncepcionais mais acessíveis e baratos, educação sexual científica obrigatória nas escolas e apoio estatal para a fertilização in vitro. Seu esforço para reunir as cem mil assinaturas necessárias fracassou devido ao bloqueio da mídia à iniciativa, bem como à falta de fundos e de apoio. Inclusive, algumas ONGs que trabalham em temas de mulheres se distanciaram deste esforço, por desconfiarem de seu êxito.
“O que lamentavelmente mudou nos últimos 20 anos na Polônia é que todo espaço público passou a ser dominado por terminologia propagada pela Igreja Católica”, disse Elzbieta Korolczuk, uma das promotoras da iniciativa. “Não só o público em geral, mas também grande parte de nossos círculos de ativistas não creem que seja possível mudar a lei quando se trata de direitos reprodutivos na Polônia em um futuro próximo”, afirmou. No entanto, Korolczuk acrescentou que a luta continuará, mesmo em um ambiente desfavorável.
Enquanto isso, em toda Europa central e oriental ativistas pela igualdade de gênero ganham lutas diariamente, além da indiferença ou da resistência de autoridades nacionais. Um dos temas mais difíceis de encarar na região durante as duas últimas décadas é a violência contra as mulheres e a violência doméstica. O financiamento com fontes nacionais continua sendo escasso para grupos que trabalham contra a violência de gênero, o que reduz sua capacidade (algo já muito problemático, considerando que são as ONGs as que mais trabalham nesse campo) e também o número de abrigos para as vítimas.
A legislação sobre violência doméstica também avança aos tropeções. A maioria dos países da Europa central e oriental aprovou leis desse tipo, mas os textos, em geral, carecem de providências como ordem de restrição contra agressores. No final de fevereiro, após dois anos de intensa campanha por parte das ONGs, o parlamento da Romênia finalmente aprovou uma emenda à lei nacional que regula a aplicação de ordens de restrição para os que cometem violência doméstica.
Há dois anos, Cristina Horia, da Fundação Sensiblu, um dos principais grupos que trabalham contra a violência de gênero e doméstica na Romênia, informou à IPS que “a participação das instituições estatais no tema da violência doméstica é limitado, sendo elas, no fundo, partidárias e sócias, mas nunca iniciando as campanhas”. Nos últimos dois anos, as autoridades nacionais e locais melhoraram sua atitude, embora “brechas sistêmicas” continuem impedindo um pleno envolvimento no problema da violência de gênero, explicou Horia, cuja fundação organizou uma campanha pública sobre o assunto em 2009.
Entre as brechas, Horia aponta “o escasso financiamento dos sistemas de assistência social, o número insuficiente de abrigos para mulheres afetadas, falta de uma estratégia nacional para enfrentar a violência doméstica e a falha das autoridades na hora de proteger as vítimas e punir os agressores”. Além disso, há “insuficiente preparação da polícia e dos serviços públicos para atuarem de forma competente”.
Existe uma sensação de que as ONGs a favor dos direitos das mulheres na Europa oriental e central operam em uma realidade muito diferente da descrita por suas autoridades nacionais em informes aos organismos internacionais, cheios de boa intenção e compromissos sobre igualdade de gênero.
Uma prova da dicotomia entre declarações e realidade pode ser a análise de como é aplicada na região uma das ferramentas mais avançadas da ONU sobre o assunto: os orçamentos sensíveis ao gênero (PSG). Esta ferramenta propõe transformar os orçamentos nacionais e locais para que registrem especificamente as cotas dedicadas ao avanço das mulheres e a eliminar as barreiras para a igualdade de gênero. Não significa necessariamente destinar mais recursos em temas de segurança, mas usar os existentes de forma que beneficiem a igualdade.
Segundo a economista Elizabeth Villagomez, que trabalhou vários anos em agências da ONU avaliando a possibilidade de introduzir esta ferramenta na Europa central e oriental, “os PSG não são um tema forte nesses países porque a ideia e os princípios sobre igualdade de gênero ainda são fracos ali. Nos ex-países comunistas, a ideia da igualdade como valor geral, mesmo quando se trata de gênero, não é muito bem aceita ou ainda é mal entendida devido ao passado recente socialista”, afirmou. Envolverde/IPS