Nova York, Estados Unidos, 25/7/2013 – Ataur, natural de Bangladesh, tinha 18 anos quando chegou aos Estados Unidos sem documentos, em 1991. Trabalhava em dois lugares e ganhava US$ 35 por dia. O chinês Vincent entrou nos Estados Unidos clandestinamente em 2001. Suas condições de trabalho foram ainda piores do que as de Ataur dez anos antes. Trabalhou em vários restaurantes chineses, entre 60 e 70 horas semanais, por US$ 300 mensais, com média de um dólar por hora. Ambos pediram para não serem identificados por seus nomes verdadeiros.
“Em Nova York, se alguém sair às ruas e perguntar a dez pessoas, estou certo de que pelo menos cinco ou seis não têm documentos legais”, disse Vincent à IPS, tomando um café no bairro chinês desta cidade. Nos Estados Unidos vivem mais de 11 milhões de trabalhadores ilegais, e estima-se que dois milhões de imigrantes trabalhem em Nova York. São taxistas, domésticas, empregados de restaurantes, na construção e no comércio varejista. Cobram menos do que os US$ 7,25 por hora que é o salário mínimo local, e frequentemente sofrem maus tratos por parte dos empregadores.
Porém, suas vidas podem mudar drasticamente se a Câmara de Representantes dos Estados Unidos aprovar o projeto de lei de imigração, ao qual o Senado deu luz verde no final de junho. A iniciativa oferece aos imigrantes ilegais a possibilidade de tramitar a cidadania, mas também reforça a segurança na fronteira e permite que as empresas revisem os números de assistência social dos trabalhadores mediante um programa de verificação eletrônica.
O programa colocará “cada pessoa ilegal a um clique de distância de sua notificação ou deportação”, segundo Monami Maulik, diretora-executiva da Desis Rising Up and Moving (Drum), uma organização de imigrantes de baixa renda procedentes da Ásia meridional, localizada em Jackson Heights, no bairro do Queens, e que conta com dois mil integrantes. “Nossos membros e muitos de outras comunidades de imigrantes estão realmente desiludidos com esta lei. Está ficando cada vez mais repressiva, com medidas mais duras. A acompanhamos de perto”, disse Maulik. Depois dos latino-americanos, os sul-asiáticos são o maior grupo de ilegais em Nova York, acrescentou.
“Os empregadores tendem a dizer: contrato você, apesar de estar ilegal, assim, deveria agradecer sem se preocupar com quanto lhe pago”, contou Vincent à IPS. Como há tantas pessoas ilegais dispostas a trabalhar em troca de salários extremamente baixos, outros trabalhadores necessitados sentem a pressão de aceitar as mesmas condições, independente de quais sejam seus status imigratórios e nacionalidade. A irmã de Ataur, Amana, chegou legalmente aos Estados Unidos, mas também recebeu abaixo do salário mínimo durante oito anos.
A pressão mental no lugar de trabalho também é enorme. “Quando alguém chega tarde, é demitido. Quando fica doente, é demitido. Quando se queixa de algo, eles podem demiti-lo”, detalhou Vincent. Maulik disse à IPS que “frequentemente os patrões passam uma semana, ou até meses, sem pagar seus trabalhadores. Em certa ocasião, ficaram um ano sem pagar. Eles fazem coisas como reter os passaportes ou ameaçar chamar a Imigração se reclamam dos salários” atrasados.
Em 2009, a Drum lançou as “clínicas de direitos dos trabalhadores”, encontros mensais para ajudar os imigrantes a reclamarem os salários roubados e para conscientizar sobre seus próprios direitos. Por telefone, Sayma Jun, de Bangladesh, contou à IPS como fez para recuperar, com ajuda da Drum, US$ 5 mil que seu empregador lhe devia. De modo semelhante, em 2008, Vincent, junto com outros 35 companheiros de trabalho, apresentou uma queixa contra seu patrão, neste caso com a ajuda da Associação de Pessoal e Trabalhadores Chineses (CSWA), com sede no bairro chinês de Nova York.
Contudo, tão logo apresentaram a queixa, o restaurante fechou. Reabriu tempos depois em um lugar diferente e com outro nome, estratégia amplamente utilizada por proprietários chineses para evitarem processos, segundo Vincent. “Pelas leis federais, isto não deve ocorrer. Inclusive os trabalhadores ilegais estão protegidos pelas leis trabalhistas do país no tocante a um salário mínimo”, apontou Maulik à IPS.
Para iniciar uma investigação sobre o respeito dos direitos dos trabalhadores, o Departamento do Trabalho precisa de certa quantidade de denúncias individuais. Porém, frequentemente, os empregados são reticentes em apresentá-las por medo de que seus patrões adotem represálias e de serem deportados.
O marido de Nadera Kashem, de Bangladesh, que integra a Drum, corre o risco de ser deportado desde que foi pego, no ano passado, durante uma operação policial na perfumaria onde trabalhava. Como não tinha documentos, foi enviado para um centro de detenção de imigrantes, onde está há 17 meses. Nestes casos “o empregador deve ser punido, mas isso sempre significa que é o trabalhador que recebe o castigo”, destacou Maulik.
No plano local, são os policiais que fazem cumprir as leis de imigração, e as organizações de direitos dos imigrantes costumam acusá-los de discriminação. “O maior medo de uma pessoa ilegal é o policial local, porque é quem vai detê-lo, pedir sua identificação e, possivelmente, deportá-lo”, explicou Maulik. Em junho, o Conselho da Cidade de Nova York aprovou dois projetos de Lei de Segurança Comunitária que estabelecem mecanismos de responsabilidade para o Departamento de Polícia local e que permitem aos cidadãos apresentarem denúncias por má conduta dos policiais.
“Não vemos um futuro. Por que ainda trabalhamos como escravos? É por isso que organizei meus companheiros de trabalho. Queríamos melhorar as condições trabalhistas, e não apenas para nós”, afirmou Vincent à IPS. Antes de integrar-se à CSWA, explicou, nem mesmo sabia que existia um salário mínimo ou o que significava “hora extra”. Kazi Fouzia, uma ativista comunitária nascida em Bangladesh, que se uniu à Drum em 2010, costuma dizer aos demais trabalhadores imigrantes: “Se organizem para se proteger, e nunca se meta em problemas”. Seu objetivo é incentivá-los a falar e apresentar suas reclamações.
Fouzia trabalhava em uma loja que vendia saris, em Jackson Heights, no Queens. Seu empregador tinha três lojas. Um dia pediu que ela fosse buscar algumas peças na loja que ficava em frente. Enquanto atravessava a rua foi atropelada por um carro que a jogou a quase quatro metros de distância. Seu empregador não permitiu que chamasse o 911 porque não tinha documentos. Sofreu múltiplas fraturas no ombro, mas não tinha seguro, por isso lhe deram apenas uns analgésicos. No dia seguinte descobriu que estava despedida. Envolverde/IPS