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Impunidade mobiliza jovens curdos na Turquia

Istambul, Turquia, 17/1/2013 – Após mais de um ano sem respostas sobre um bombardeio que matou 34 curdos, o governo da Turquia recebe duras críticas pelo que muitos consideram uma propagada cultura de impunidade. “Passou um ano e não vemos nenhum passo importante dado. Ninguém foi preso”, disse Tahir Elci, da Associação de Advogados de Diyarbakir, que reúne mais de 800 desses profissionais nessa cidade de maioria curda. “Habitualmente, os promotores e outras autoridades protegem os responsáveis, e as vítimas enfrentam muitas barreiras quando tentam fazer justiça”, afirmou Elci à IPS. “Ainda que os responsáveis não sejam punidos, é muito importante que as famílias das vítimas conheçam a verdade”, acrescentou.

No dia 28 de dezembro de 2011, a força aérea turca bombardeou um grupo de aldeões curdos que contrabandeavam açúcar, combustível e cigarros do Curdistão iraquiano através de uma bem conhecida rota de comércio. Com base em imagens captadas por aviões não tripulados, a Turquia teria confundido os traficantes com combatentes do proscrito Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado uma organização terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, entre outros.

Havia 17 crianças entre as vítimas do bombardeio, que passou a ser conhecido como o massacre de Uludere ou Roboski, segundo o nome turco ou curdo, respectivamente, da aldeia em que ocorreu. Em janeiro de 2012, o governo criou uma comissão para analisar o ocorrido, mas esta ainda não apresentou suas conclusões. O escritório do promotor de Diyarbakir, encarregado da investigação penal sobre a matança, nunca completou seu trabalho.

“A falta de progresso durante um ano em todas as investigações sobre o incidente em Uludere é muito preocupante, porque coincide com a reticência geral das autoridades em prestar contas publicamente pela má ação do governo”, declarou, em uma declaração, Emma Sinclair-Webb, pesquisadora sobre a Turquia na organização Human Rights Watch. “Responsabilizar as autoridades do Estado que mataram civis é crucial para manter a democracia e o império da lei”, ressaltou.

O assassinato de três ativistas curdos pelos direitos humanos, incluindo um cofundador do PKK, este mês em Paris, também chamou a atenção internacional para a luta dessa minoria étnica na Turquia. Analistas afirmaram que os assassinatos, que os policiais qualificaram de execuções profissionais, teriam o propósito de fazer fracassar um eventual acordo de paz que, desde janeiro de 2012, negociam o primeiro-ministro Tayyip Erdogan e o líder do PKK, Abdalá Ocalan, que se encontra preso.

O povo curdo estaria em torno de 55 milhões de pessoas divididas entre Turquia, Irã, Iraque e Síria. Umut Suvari é membro da direção do conselho municipal de Diyarbakir e fundador da Associação Jovens e Mudança, que capacita e apoia curdos. Ele explicou que a nova geração de curdos está adotando uma postura mais radical do que a de seus pais, devido à crescente pressão sobre sua comunidade.

Grupos de direitos humanos estimam que o governo turco prendeu milhares de cidadãos curdos nos últimos anos, incluindo prefeitos, acadêmicos e advogados. Muitos são investigados por supostos vínculos com a União de Comunidades do Curdistão, um grupo da sociedade civil que o governo considera a ala civil do PKK.

Em 2012, a Turquia prendeu mais jornalistas do que qualquer outro país no mundo. A maioria deles era de curdos, acusados de crimes relacionados com terrorismo. Segundo o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, “a generalidade das leis e dos estatutos penais permitiu que as autoridades turcas confundissem a cobertura jornalística sobre grupos proibidos e a investigação de temas sensíveis com um aberto terrorismo”.

O ensino da língua curda só foi introduzido nas escolas públicas turcas como matéria opcional no começo deste ano. Antes, os estudantes dessa minoria étnica eram proibidos de falar sua língua mãe. “Já não se preocupam. Eles se unem a manifestações sabendo que serão detidos”, contou Suvari à IPS, de seu escritório em Diyarbakir, se referindo aos jovens curdos. “Estamos ensinando a eles algo diferente aqui. Podem ver o quanto são poderosos quando se envolvem. Quando têm uma oportunidade, fazem grandes coisas”, destacou.

O ativista curdo Emrah Ucar, de 28 anos, foi criado em Diyarbakir, mas nunca aprendeu a falar a língua de sua família. Apesar disso, diz que crescer nessa cidade lhe permitiu ter uma grande consciência política desde muito cedo. “Teria sido diferente se eu tivesse crescido em Istambul, mas cresci em Diyarbakir e testemunhei muitas coisas. Não temos medo de perder nada, porque muitos familiares e amigos já estão na prisão”, explicou.

Ucar ajudou a organizar um encontro em Istambul, no final de dezembro, para recordar o primeiro aniversário da matança de Roboski. Dezenas de intelectuais e artistas estiveram presentes, e o encontro foi transmitido ao vivo pela internet. “Para entender Roboski é preciso entender a história. Os curdos são sistematicamente assassinados desde a criação da República (turca). Não é preciso ser guerrilheiro para morrer nas mãos do Estado turco. A questão curda não começou com o PKK”, ressaltou. Envolverde/IPS