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Impunidade perpetua abusos em centros para migrantes na Espanha

Julgamento de cinco policiais, de costas, por supostos abusos sexuais contra imigrantes retidas em um Centro de Internação de Estrangeiros na cidade espanhola de Málaga. Este caso é um dos muitos denunciados sobre maus tratos nesses centros, cujo fechamento é pedido por organizações de direitos humanos. Foto: Inés Benítez/IPS
Julgamento de cinco policiais, de costas, por supostos abusos sexuais contra imigrantes retidas em um Centro de Internação de Estrangeiros na cidade espanhola de Málaga. Este caso é um dos muitos denunciados sobre maus tratos nesses centros, cujo fechamento é pedido por organizações de direitos humanos. Foto: Inés Benítez/IPS

 

Málaga, Espanha, 16/3/2015 – “Te maltratam, não te respeitam. Vi surras, sofrimento, sem possibilidade de defesa. Quando se está ali fechado, parece que se está em outro mundo”, contou à IPS o senegalês Salif Sy, que em 2011 passou oito dias em um Centro de Internação de Estrangeiros (CIE) da capital da Espanha.

Por trás dos muros dos oito CIEs existentes no país, os imigrantes são vítimas de abusos e maus tratos frequentes por parte da polícia nacional encarregada de sua custódia, segundo alertam organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, que criticam os entraves na investigação das denúncias e a impunidade diante dos crimes.

No dia 5 deste mês, nesta cidade, uma sessão do julgamento contra cinco policiais, processados por supostos abusos sexuais contra várias internas, em 2006 no CIE local, que funcionava em um antigo quartel militar e foi fechado em julho de 2012 por estar em ruínas.

“Os policiais organizavam festas em que se aproveitavam sexualmente das internas. É repugnante”, contou à IPS o advogado das denunciantes, Jaime Ernesto Rodríguez. O julgamento estará pronto para sentença no dia 17 de abril e os acusados podem receber penas totais de 27 anos.

“Dois dos agentes tinham acesso à lista das mulheres que entravam e escolhiam”, disse o defensor de três testemunhas protegidas, de nacionalidade brasileira, hondurenha e venezuelana, expulsas para seus países de origem em 2006, apesar da posição contrária do advogado e de várias organizações.

Segundo a Lei de Estrangeiros, os CIEs são estabelecimentos “de caráter não penitenciário para a detenção e custódia à disposição da autoridade judicial de estrangeiros sujeitos a um processo de expulsão” e ninguém pode permanecer mais de 60 dias neles.

Diversas organizações sociais exigem que sejam fechados por considerá-los “prisões encobertas”, onde se atenta contra os direitos humanos. Essa demanda é incentivada pela posição do novo governo da Grécia. Seu vice-ministro do Interior, Yannis Panousis, anunciou, no dia 14 de fevereiro, o fechamento progressivo dos cinco centros do país, depois do suicídio em um deles de um cidadão paquistanês de 28 anos de idade, um dia antes.

A última denúncia na Espanha foi feita no dia 3 de fevereiro por supostas torturas pelo argelino Mohamed Rezine Zohuir e pelo marroquino Ben Yunes Sabbar, que estiveram detidos em janeiro no CIE da cidade de Valença, segundo contou à IPS o advogado Andrés García Berrio, da equipe jurídica da campanha Tamquem Els Cies (Fechemos os CIEs, em valenciano).

O advogado ressaltou que o caso está sendo investigado e que há fotografias mostrando ferimentos no rosto e na cabeça dos denunciantes, que o centro atribui a autolesões. Esses casos se somam às 40 denúncias por supostas agressões policiais apresentadas no ano passado pelos internos desse CIE.

“Devia haver garantia de que qualquer denúncia de maus tratos seja investigada imediatamente, exaustivamente e de modo imparcial. Nos preocupa a falta de mecanismos adequados de controle e prestação de contas”, pontuou à IPS a responsável na Anistia Internacional por Política Interna e Direitos Humanos, Virginia Álvarez.

O Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas pediu em novembro explicações ao governo espanhol, “diante dos casos de maus tratos nos CIEs e sobre uso excessivo da força por parte das autoridades da área de imigração”.

O ministro do Interior espanhol, Jorge Fernández Díaz, rechaçou em uma entrevista, no dia 22 de fevereiro, que houvesse torturas nos CIEs. “Como se vai torturar nos CIEs? Ponho a mão no fogo porque não se tortura. E se alguma pessoa cometesse essa barbárie, estaria cometendo um crime. Há denúncias falsas”, afirmou.

Entretanto, García Berrio apontou que “não existe nenhuma vontade para resolver a situação por parte do Ministério do Interior”. E alertou sobre os “obstáculos criados para evitar as investigações” e deu como exemplo dois procedimentos nos quais “desapareceram” gravações de câmeras que serviam como provas, “por supostos problemas técnicos”.

Nos CIEs houve “aberrações”, contou o advogado Rodríguez, detalhando o caso da imigrante brasileira e testemunha protegida no julgamento contra os policiais no CIE de Málaga, que entrou nesse centro com uma gravidez de risco e sofreu aborto enquanto esperava sua expulsão.

“A impunidade preside os abusos dos policiais nos CIEs”, afirmou à IPS o presidente da não governamental Associação Espanhola para o Direito Humano da Paz, Carlos Villán, que considera que os agentes “não receberam formação adequada nem são informados de que tortura e maus tratos estão proibidos tanto pelo direito espanhol como pelo direito internacional”. Alguns internos dos CIEs morreram devido às “inadequadas condições de detenção e à falta de atenção médica”, recordou, mas sem fornecer números precisos.

“Houve suicídios, violações. Muitos sofreram todo tipo de vexame e lacunas jurídicas no CIE de Málaga durante décadas”, afirmou à IPS o ativista Luís Pernía, presidente da Plataforma de Solidariedade com os Imigrantes de Málaga, que engloba cerca de 20 organizações.

No dia 14 de março do ano passado, o Conselho de Ministros aprovou o regulamento que fixa o funcionamento e o regime interno dos CIE. Até então os internos estavam em um “limbo jurídico” sem regulamentação específica, como as que têm as prisões, para garantir os direitos e as liberdades dos internos.

Mas Villán pensa que, apesar desse regulamento, “os torturadores continuam tendo garantida a impunidade por seus abusos contra pessoas em situação de especial vulnerabilidade, imigrantes sem documentos, isolados de seus familiares e amigos, sem recursos para pagar um advogado e sem conhecimento da legislação espanhola e menos ainda da internacional”.

“Dentro dos CIEs se demonstra racismo. Há muito sofrimento”, contou o senegalês Salif, que chegou em uma pequena embarcação a Tenerife em 2006. Muito envolvido em diferentes associações e arraigado na cidade de Albacete, semanas antes de sua detenção interpretou o rei Baltasar na tradicional cavalgada dos Reis Magos da cidade.

A pressão de organizações e amigos impediu sua deportação. “Todos somos imigrantes, todos somos iguais. Tenho que continuar lutando pelas pessoas que vêm atrás de mim”, afirmou Salif, casado com uma espanhola que era sua companheira quando o detiveram em casa, em 2011.

Do total de 49.406 cidadãos estrangeiros detidos em 2013 por infringir a Lei de Estrangeiros, 9.002 foram internados nos CIEs e destes 4.726 acabaram expulsos, constata o informe Mecanismo Nacional para a Prevenção da Tortura, publicado no ano passado pela Defensoria do Povo. Isso acontece “mesmo com a medida de internamento que pretende garantir a repatriação efetiva do cidadão estrangeiro”, acrescenta o documento.

Segundo Álvarez, confina-se as pessoas nos CIEs “sabendo estão violando os direitos humanos, porque não podem ser expulsas (se não há convênio de repatriação com seus países), se estiverem doentes, ou forem possíveis vítimas de tráfico de pessoas ou ainda potenciais solicitantes de asilo”. Envolverde/IPS