Doha, Catar, 2/4/2013 – O Supremo Tribunal da Índia negou o pedido de patente de um medicamento contra câncer elaborado pelo laboratório suíço Novartis, o que significa um duro golpe para a indústria farmacêutica multinacional que busca aumentar sua presença nesse atraente mercado. Após um longo processo, o tribunal declarou ontem que o medicamento Glivec não está qualificado para uma patente segundo a legislação indiana.
A Novartis pressiona Nova Délhi desde 2004 para que a proteja das companhias locais que fabricam remédios genéricos. A sentença indica que o medicamento pelo qual a companhia solicitava uma patente de venda local “não cumpriu a análise de inovação ou inventiva” exigida. O laboratório apresentou um recurso em 2009 no Supremo Tribunal contra uma lei que proíbe as patentes para novas formas de medicamentos já conhecidos, mas não radicalmente diferentes.
Sohail Rahman, correspondente da rede de televisão árabe Al Jazeera em Nova Délhi, afirmou que a decisão da justiça representa uma “enorme desilusão” para a Novartis, pois permite que os laboratórios indianos continuem produzindo genéricos baratos para consumo local e internacional. Contudo, a sentença pode provocar dúvidas quanto à violação das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) pela Índia, acrescentou.
Este é o caso mais significativo dos muitos que caracterizam a luta de patentes na Índia e pode ter profundas consequências na hora de definir o grau de proteção legal para os grandes laboratórios farmacêuticos que operam em um mercado lucrativo como o desse país, com 1,2 bilhão de habitantes.
A companhia suíça ameaçou interromper o fornecimento de novos medicamentos para a Índia se a sentença não lhe fosse favorável, informou, no dia 31 de março, o jornal The Financial Times, de Londres. “Se a situação se mantiver como está até agora, todas as melhoras de um composto original não são passíveis de proteção legal e esses medicamentos provavelmente não cheguem à Índia”, disse Paul Herrling, encarregado da direção-adjunta deste caso.
No entanto, a advogada Leena Menghaney, da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), disse que uma vitória legal para a Novartis assentaria “um antecedente perigoso e colocaria em grave risco a legislação da Índia contra o evergreening” (tornar perene), como se conhece a prática de buscar patentes para novos compostos com pequenas modificações em outros já existentes. “Seria uma situação nefasta para a população do mundo em desenvolvimento que depende de remédios genéricos fabricados nesse país. poderia afetar seriamente o acesso aos medicamentos”, alertou.
A Índia, conhecida como “a farmácia do mundo em desenvolvimento”, é uma das maiores fornecedores de medicamentos genéricos para doenças como câncer, tuberculose e do vírus HIV, causador da aids, para quem não pode pagar o medicamento de marca, mais caro. A diferença de preço entre o remédio genérico e o de marca é fundamental para as pessoas mais pobres em todo o mundo, segundo a MSF.
Segundo esta organização, uma terapia mensal com Clivec, conhecido como “santo remédio” por seus resultados no tratamento de formas letais de leucemia, custa US$ 4 mil, enquanto a versão genérica pode ser comprada na Índia por US$ 73. E, no caso específico deste medicamento, Rahman destacou que a maioria dos pacientes indianos não pode comprar nem a versão genérica, pois o salário mensal médio é de US$ 120.
A Novartis, neste caso, e a indústria farmacêutica, em geral, argumentam que os laboratórios indianos inibem a inovação e reduzem os incentivos comerciais para a produção de medicamentos de vanguarda.
Em 1970, a Índia proibiu as patentes de medicamentos, o que impulsionou o crescimento da indústria de remédios genéricos local. Mas um acordo da Organização Mundial do Comércio, implementado em 2005, obrigou a Índia a conceder patentes de alguns medicamentos. Mesmo assim, esse país continua sendo um dos maiores fabricantes de genéricos do mundo, fornecendo cerca de 20% do volume utilizado.
A indústria farmacêutica indiana, que cresceu entre 16% e 17% nos últimos anos, já é a terceira em volume do mundo e está avaliada em US$ 26 bilhões. Estima-se que elabore cerca de 60 mil medicamentos diferentes. Dos remédios contra o HIV/aids comprados por organizações que lutam contra esta enfermidade, como o The Global Fund, cerca de 80% foram genéricos adquiridos na Índia, segundo um estudo de 2010. Envolverde/IPS
* Publicado sob acordo com a Al Jazeera.