Nações Unidas, 8/9/2014 – Representantes dos 370 milhões de indígenas do planeta asseguram que foram excluídos dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e agora querem ter um papel importante na agenda de desenvolvimento pós-2015 da Organização das Nações Unidas (ONU), que será definida no próximo ano.
“O mundo ainda pode se beneficiar de nosso conhecimento e nos incluir na travessia dos próximos 15 anos. E queremos que esta seja uma associação equitativa, não queremos ser os beneficiários”, afirmou Galina Angarova, representante em Nova York da Fundação Tebtebba (Centro Internacional dos Povos Indígenas para a Pesquisa sobre Políticas e Educação).
Em seu discurso, no dia 29 de agosto, na sessão de encerramento da conferência das organizações não governamentais patrocinada pelo Departamento de Informação Pública (DIP) da ONU, Angarova destacou a necessidade de incluir os grupos excluídos nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio nas negociações em curso para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que substituirão os primeiros no final de 2015.
Os povos indígenas continuam lutando por seu direito à autodeterminação, que ainda não é uma realidade apesar de terem amparo nesse sentido na Declaração da ONU dos Direitos dos Povos Indígenas (2007), acrescentou.
A declaração final da conferência DIP-ONG, que foi redigida e modificada em um processo participativo nos últimos meses, será incorporada à discussão sobre a agenda pós-2015 e os ODS na Assembleia Geral da primeira Conferência Mundial dos Povos Indígenas, que acontecerá nos dias 22 e 23 deste mês, e ao informe de síntese do secretário-geral das Nações Unidas que será publicado nos próximos meses.
Embora esta declaração não seja juridicamente vinculante, é sólida em termos de prestação de contas e dos mecanismos de exame, que são pontos fundamentais dos ODS. “O fato de o documento de referência se basear nas posições apresentadas oficialmente pelos principais grupos e atores da ONU lhe dá uma voz muito forte”, destacou à IPS Maruxa Cardama, copresidente do comitê redator da declaração final da conferência. “Creio que este documento pode nos levar muito longe se entendermos o poder da lei e da política moderadas”, acrescentou.
A conferência DIP-ONG deste ano foi a 65ª e regressou a Nova York depois de sete anos, com uma participação inédita de 2.700 representantes de mais de mil ONGs de todo o mundo. Entre os presentes, as organizações indígenas argumentaram com convicção a favor de sua inclusão na agenda de desenvolvimento.
Os territórios dos povos indígenas representam 24% do planeta e abrigam 80% da biodiversidade do mundo, pontuou Angarova. “Muitas empresas se fixam nesses territórios pensando em seu lucro futuro. Por isso acreditamos que o consentimento prévio, livre e informado é a essencial. Porque, sem ele, as empresas têm a liberdade de se apoderarem das terras e explorá-las”, afirmou à IPS. Em seguida, os povos indígenas são jogados na sociedade majoritária sem os meios para sobreviverem, ressaltou.
Por outro lado, os defensores e os representantes dos povos indígenas dizem que estes deveriam ser capazes de dar seu consentimento a toda reforma que direta ou indiretamente repercuta na governabilidade de sua comunidade ou na exploração das terras que habitam. “Isto deve ser feito em todos os níveis, a partir dos programas de desenvolvimento sustentável. Depois os governos nacionais devem derivar o mandato a partir da ONU, desde o nível multilateral até os planos de governo nacionais”, opinou Angarova.
Aproveitar essas políticas para cumprir os objetivos de desenvolvimento de redução da fome e alcançar a segurança alimentar também tem um grande potencial. Segundo Angarova, os povos indígenas vivem de forma sustentável há séculos e transmitiram seus conhecimentos de geração em geração, alimentando sua população sem prejudicar a natureza. Essa é uma das razões de a proteção de sua cultura ser fundamental.
“A soberania alimentar, com enfoque nos direitos e na cultura que engloba, é um requisito prévio para a segurança alimentar dos povos indígenas”, afirmou Andrea Carmen, diretora-executiva do Conselho Internacional de Tratados Indígenas. Essas comunidades devem ter acesso aos recursos naturais e também devem ter a garantia de que o plano de estudos de seus filhos inclua a educação tradicional.
As crianças devem passar tempos com os anciãos para aprender sobre o ciclo da vida, a natureza, a colheita e a agricultura. O desafio agora é preservar esse conhecimento e transmiti-lo. “O conhecimento e a compreensão que temos é realmente vital. Talvez o mundo recorra aos povos indígenas e pergunte de maneira respeitosa como se pode cultivar milho sem água”, ponderou Carmen.
Myrna Cunningham, presidente do Centro para a Autonomia e o Desenvolvimento dos Povos Indígenas, da Nicarágua, afirmou que os povos indígenas não são pobres por sua própria vontade, mas empobreceram como consequência do modelo de desenvolvimento que lhes foi imposto. Por exemplo, nos últimos cem anos se perderam cerca de 600 línguas indígenas, aproximadamente uma a cada dois meses. Como o idioma é parte da biodiversidade das comunidades indígenas, seu desaparecimento implica um golpe contra ela mesma. Isto está necessariamente vinculado a uma mudança em sua relação com o mundo.
Carmen explicou à IPS que não há uma tradução em línguas indígenas para conceitos como “propriedade intelectual” ou “direitos humanos”, por exemplo, e que devem ser importados de uma cultura diferente. Assim, muitas coisas se perdem, literalmente, com a tradução. Os modelos de outras línguas e culturas se impuseram durante séculos a uma realidade que era vista de forma diferente. É hora de reexaminar esse modelo, enquanto o mundo se prepara para uma década de desenvolvimento inclusivo e sustentável. Envolverde/IPS