Roma, Itália, 23/2/2015 – “Não herdamos a terra de nossos ancestrais, a tomamos emprestada de nossos filhos”, diz um antigo provérbio que condensa a essência do conceito de sustentabilidade como é visto pelos numerosos povos indígenas. Com seu conhecimento local do mundo natural, estes têm muito a compartilhar com o resto do mundo sobre viver, trabalhar e cultivar de forma sustentável e sem colocar em risco as gerações futuras.
Essa foi a principal mensagem da segunda Reunião Mundial do Fórum dos Povos Indígenas, organizada pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida), realizada em Roma. O Fórum é uma expressão concreta do reconhecimento do Fida ao papel que essas comunidades desempenham no desenvolvimento econômico e social com suas práticas tradicionais sustentáveis. Também ofereceu à organização um mecanismo institucional para monitorar e avaliar a efetividade da participação da agência nas comunidades indígenas.
O compromisso do Fida inclui o êxito dos objetivos da Declaração das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas. Apesar dos progressos das últimas décadas, os povos originários e as comunidades indígenas, bem como as minorias étnicas, continuam sendo as pessoas mais pobres e as mais marginalizadas do mundo. Há cerca de 370 milhões de indígenas distribuídos em 70 países, a maioria na Ásia, e representam cerca de 5% da população mundial, dos quais 15% vivem na pobreza. Numerosos estudos atuais mostram que a brecha de pobreza entre os povos indígenas e outras populações rurais aumenta em algumas partes do mundo.
“O Fida se esforça para erguer a voz dos indígenas, que se respeite seus direitos, bem como melhorar seu bem-estar em escala global”, explicou Antonella Cordone, especialista técnica do Fida para questões tribais e povos indígenas. “Aprendemos a relevância da diversidade e da peculiaridade dos povos e das comunidades rurais, e também a valorizar e estruturar sua identidade cultural como valor e potencial econômico. A voz ancestral dos indígenas pode ser solução para muitas crises”, acrescentou.
Como guardiões dos recursos naturais e veículos das tradições durante milhares de anos, os povos originários desenvolveram um enfoque holístico do desenvolvimento sustentável e, como destacou a relatora especial para os direitos dos povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, “seu meio de vida está estreitamente relacionado com seu patrimônio cultural e seus sistemas de governança, espiritualidade e identidade”.
Seu modo de vida é o de entregar terras e territórios às novas gerações sem explorá-las para obter o máximo beneficio. Na atualidade, seu sustento está em risco pela mudança climática e exploração por parte de terceiros, entre outros fatores. A mudança climática, à qual os indígenas são particularmente vulneráveis, supõe uma ameaça dramática pelo derretimento das geleiras, pelo avanço da desertificação, por inundações e furacões nas áreas costeiras.
A permanente pressão do desmatamento, da mineração e o avanço das fronteiras agrícolas intensificou a exploração de novas fontes de energia, a construção de estradas e outros tipos de infraestrutura, como represas, e aumenta a preocupação pela aquisição em grande escala de terras para fins comerciais e industriais, conhecida como monopolização de terras.
O fórum indígena destacou a necessidade de contar com um consentimento livre, prévio e informado das populações locais cada vez que um projeto de desenvolvimento afetar seu acesso à terra e aos recursos. É um requisito que qualquer organização que se envolve em território indígena deve respeitar, insistiu o presidente do Fida, Kanayo F. Nwanze.
A pobreza e a perda de territórios e recursos que sofrem as comunidades indígenas, por políticas ou normas contrárias às práticas tradicionais sobre o uso da terra, se agravam pela frequente discriminação no mercado de trabalho, cujos contextos normativos ruins, segmentação e obstáculos culturais e linguísticos impedem que muitos indígenas tenham acesso a um emprego de qualidade e a serviços sociais e de saúde. Além disso, as comunidades indígenas estão marginalizadas dos processos políticos e sofrem a discriminação de gênero.
Essas são algumas das questões que os participantes do Fórum disseram que deveriam ser consideradas na agenda de desenvolvimento para os próximos anos. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) deveriam ser desenhados para incentivar governos e outros atores a facilitarem o empoderamento econômico e social das populações rurais, em especial setores marginalizados como mulheres, crianças e indígenas.
Um ponto de partida dos ODS, que substituirão os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) que vencem no final deste ano, são as recomendações adotadas no fórum realizado na capital italiana nos dias 12 e 13 deste mês. Neles se inclui a necessidade de um enfoque holístico para apoiar e fortalecer os sistemas alimentícios dos povos indígenas, o reconhecimento da posse tradicional, a conservação da biodiversidade, e a revitalização dos valores espirituais e culturais, além de garantir que os projetos sejam criados com o consentimento livre, prévio e informado dos indígenas.
Os participantes do Fórum ressaltaram a importância da crescente necessidade de se fortalecer a participação e inclusão das comunidades indígenas nas discussões em âmbitos políticos e operacionais, porque os objetivos nesses aspectos podem ter um efeito catalisador em seu empoderamento social e econômico. O Fórum concordou que dar voz aos povos originários e ouvir suas preocupações e prioridades na agenda pós-2015 representa uma janela inquestionável de oportunidades de desenvolvimento. Envolverde/IPS
