Madri, Espanha, 1/8/2011 – Manifestantes de várias cidades da União Europeia começam a seguir os passos das centenas de espanhóis que marcham para Bruxelas, considerada a capital do bloco, em um crescente protesto contra os efeitos da crise econômica e das políticas de ajustes aplicadas para enfrentá-la. A denominada Marcha Popular Indignada, iniciada em 26 de julho por um punhado de pessoas no quilômetro zero de Madri, foi recebendo adeptos com o desafio de chegar a Bruxelas em 8 de outubro, uma semana antes da manifestação mundial convocada pela plataforma Democracia Real Ya (DRY).
Também está previsto passar por Paris para apoiar a iniciativa Occupy Wall Street, voltada a combater Wall Street, o mercado de valores com sede na rua de mesmo nome em Nova York, que esses ativistas chamam de “Gomorra financeira da América”. Sobre estas mobilizações, o acadêmico espanhol Raimundo Viejo, citado pela revista da aliança canadense Adbuster (Rasga Anúncios), autora de várias exortações anticomerciais, disse que “o movimento antiglobalização foi o primeiro passo e consistia em atacar o sistema como uma manada de lobos liderados por um macho alfa”. E “agora o modelo evoluiu e somou um grande enxame de pessoas”, afirmou.
Nesse artigo, a Adbusters reclama do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, que crie uma comissão governamental para acabar com a influência do setor financeiro sobre os políticos. Além disso, propõe que adote medidas para desmantelar, ao menos, metade das bases militares que esse país possui no mundo, bem como outras medidas democratizantes.
Porém, o Movimento 15 de Maio (15M), surgido nessa data com maciças concentrações nas praças das grandes cidades da Espanha em protesto contra o sistema político, econômico e social, também questiona assuntos considerados menores pela imprensa internacional, mas que golpeiam duramente este país, como o confisco de propriedades dos que não podem pagar as hipotecas. É que esse sistema permite aos credores, além de ficarem com a propriedade, iniciar processo para cobrar o que falta receber referente à hipoteca. Isto é, querem a dívida e o que tiver o desprevenido devedor.
Os protestos, dos também chamados indignados, conseguiram paralisar vários desses casos, evitando que famílias de poucos recursos fossem jogadas na rua, embora o sistema continue vigente e sendo aplicado diariamente. Ao receber, no começo da semana passada, um documento dos indignados, no parlamento espanhol se acordou, de maneira ainda não oficial, analisá-lo depois de agosto, quando terminar o clássico mês de férias no país e que, portanto, está em recesso.
Deste modo, o desafio proposto pelo 15M será uma das últimas tarefas oficiais a ser enfrentada pelo primeiro-ministro espanhol, o socialista José Luis Rodríguez Zapatero, que no dia 29 anunciou que serão antecipadas as eleições gerais para novembro e que não disputará uma reeleição. Parlamentares de esquerda, tanto do governante Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) como da coalizão Esquerda Unida (IU), consideram inadiável encarar as reclamações dos indignados.
Embora afirmem que é preciso fazer isso por razões éticas, um dirigente de esquerda disse à IPS que é possível que o centro-direitista Partido Popular (PP) ganhe as eleições de novembro e que, havendo a análise parlamentar em setembro, o caso ficaria para a nova legislatura, que teria maioria do PP. “Isto seria fatal para os indignados”, destacou. Todas as pesquisas feitas em 2010 e 2011 colocam o PP com maioria da intenção de voto, bem acima do PSOE.
No documento entregue ao parlamento, o 15M detalha descumprimentos de promessas eleitorais, passividade diante da especulação e de problemas não enfrentados na agricultura, nos serviços públicos e em relação ao meio ambiente. Entre os descumprimentos apontam que nas campanhas para as três últimas legislaturas os candidatos, que depois governaram, prometeram construir um hospital na comarca de Alcañiz (Teruel), mas nem mesmo iniciaram as obras.
Também se comprometeram a restringir os salários dos governantes como amostra de austeridade em meio à crise, mas aponta como exemplo que o prefeito de Nava del Rey, em Valladolid, teve aumento salarial de 238%, e que em La Gineta, em Albacete, o responsável recebe 1.500 euros (US$ 2.160) por mês por apenas oito horas semanais de dedicação ao cargo. Sobre especulação, citam o Município de Calafell, em Tarragona, onde foi construída a maior urbanização da Europa, que passou de 24 mil habitantes para mais de 120 mil em apenas dois anos.
Também lembram que em Jaén foi cedido um terreno público para construção de um hospital, mas as obras nesse caso também não começaram. Outro assunto que os indignados qualificam de “especulação fraudulenta” é o ocorrido com o túnel de Guadarrama, que atravessa as Serras de Madri e abre caminho para o norte da Espanha. O compromisso oficial foi liberá-lo do pagamento de pedágio em 2012, mas esse compromisso já foi adiado por mais meio século.
No setor agropecuário, o 15M se soma ao que há décadas reclamam os agricultores: que se impeça o aumento dos preços pelos intermediários e as redes de distribuição de produtos, porque, se isso se mantiver, eles continuarão tendo problemas para que a produção chegue ao mercado internacional. Um exemplo é o que acontece em Teruel, onde os camponeses recebem dois euros (US$ 2,90) por quilo de amêndoas, produto que depois, nos grandes centros comerciais, é vendido aos consumidores por 20 euros (quase US$ 29) o quilo.
Sobre os serviços públicos, destacam-se atrasos no atendimento de urgência na área da saúde, falta de pediatras e fechamento ou privatização de centros educacionais, redução de orçamentos para atividades culturais e os problemas de acesso a telefone e internet em pequenas localidades. A respeito de questões ambientais, é citada a má gestão do lixo e a falta de conservação das áreas verdes, bem como o apoio à construção de usinas e cemitérios nucleares. Um tema muito atual nesta área que também criticam é a manutenção pela presidente da Comunidade de Madri, a centro-direitista Esperanza Aguirre, de sua intenção de privatizar o Canal de Isabel II, que abastece de água a capital.
Por fim, mas nem por isso menos importante, os indignados criticam a falta de proteção do emprego, dando como exemplo o de Castel de Cabra, em Teruel, um Município onde foram fechadas minas que empregavam mil pessoas, as quais foram demitidas sem receberem ofertas de outros empregos. Com estes antecedentes, pode-se ver, será difícil a candidatura do socialista Alfredo Pérez Rubalcaba para suceder Zapatero à frente do governo. Por outro lado, quem vê o futuro com muito otimismo é o líder do PP, Mariano Rajoy. Envolverde/IPS