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A industrialização do Sul é possível

Uma das sessões de trabalho da 103ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na qual OIT e Unctad lançaram um estudo sobre a transformação das economias do sul em desenvolvimento. Foto: Pouteau-Crozet/OIT
Uma das sessões de trabalho da 103ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na qual OIT e Unctad lançaram um estudo sobre a transformação das economias do sul em desenvolvimento. Foto: Pouteau-Crozet/OIT

 

Genebra, Suíça, 10/6/2014 – No Sul em desenvolvimento abrem-se perspectivas de processos de industrialização e transformação econômica e social inclusivas, afirma um novo livro editado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad). A publicação, que recopila textos de 26 acadêmicos e pesquisadores de renome, acrescenta que os objetivos de uma política industrial não se limitam a alguns setores, atividades ou tecnologias preferidos. Também incluem o desafio de acelerar o aprendizado e a criação de capacidades produtivas.

Aos países em desenvolvimento apresentam-se oportunidades de ficarem em dia rapidamente, aprendendo a dominar tecnologias e produtos já disponíveis nas nações mais industrializadas, afirma o livro. Intitulada Transformando Economias: Fazendo Política Industrial que Trabalhe para o Crescimento, os Empregos e o Desenvolvimento, a obra foi lançada durante a reunião anual da Conferência Internacional do Trabalho, que acontece na sede da OIT, que começou em 28 de maio e terminará amanhã.

O livro assegura que a história demonstra que, em todos os casos nos quais essa atualização teve êxito, o Estado desempenhou um papel ativo mediante criação de mercados, apoio a empresas, incentivo ao melhoramento tecnológico, apoio ao aprendizado, remoção de gargalos estruturais, reforma da agricultura e financiamento. Richard Kozul-Wright, economista da Unctad, disse à IPS que “toda política industrial inclui alguma forma de concessão de favores a determinados setores ou empresas, por meio de apoio governamental. E as possibilidades de abusos são, então, muito correntes”.

A esse respeito, o fundador da Unctad, o economista argentino Raul Prebisch (1901-1986), já chegara à conclusão, durante suas pesquisas na América Latina na década de 1950, de que muitos Estados da região estavam capturados pelos setores que o próprio Estado promovia em sua estratégia de industrialização, recordou Kozul-Wright. Guy Ryder, diretor da OIT, destacou a importância da publicação para sua instituição, porque se ocupa do emprego em relação ao crescimento e a justiça social. Mas também se relaciona com as metas mais ambiciosas da ONU de erradicar a pobreza e promover o desenvolvimento, afirmou.

O conteúdo do livro representa uma poderosa mensagem em conjunto da Unctad e da OIT, fruto de suas pesquisas e experiências, que os dois organizadores propõem transmitir aos que negociam na ONU a agenda de desenvolvimento sustentável posterior a 2015, destacou Ryder. Os autores e os editores da publicação vão além das estéreis polêmicas quanto a haver ou não políticas industriais, pontuou o diretor da OIT. Procuram extrair lições e princípios de políticas industriais de sucesso.

O conteúdo do livro está orientado pela busca “do que funciona” em políticas, nesse caso em termos de transformação produtiva e de seus efeitos no crescimento, emprego e desenvolvimento, segundo Ryder. O trabalho contém ainda análises de experiências nacionais e setoriais em vários países, industrializados e em desenvolvimento, com conclusões que podem ser uma contribuição, na teoria e na prática, para políticos e pesquisadores.

Irmgrad Nübler, economista da OIT, falou à IPS do caso da Costa Rica, onde as estratégias de desenvolvimento industrial tiveram êxito na promoção de capacidades produtivas e no aumento das exportações, por meio de investimentos estrangeiros diretos. “Entretanto, as políticas e as instituições costarriquenhas falharam na promoção do aprendizado nas empresas locais. Como consequência, o país registrou um ritmo lento de diversificação nas atividades produtivas”, acrescentou.

Segundo a economista, o processo de criação de capacidades produtivas “foi conduzido em sua maioria por empresas estrangeiras, pois as locais não estão em condições de fazê-lo”. Nübler acrescentou que “a Costa Rica teve sempre uma estrutura educacional muito equilibrada, mas, a partir da década de 1980, quando a educação foi privatizada, os investimentos em escolas secundárias caíram acentuadamente, pela metade. O grosso do investimento privado foi para ensino superior”.

Nesse quadro, com baixa porcentagem de educação secundária na força de trabalho e um alto nível na superior, “não se pode desenvolver a indústria manufatureira, nem a alta tecnologia, porque se dispõe apenas de gerentes, engenheiros e demais”, explicou Nübler. Por outro lado, “o caso da indústria do software na Índia demonstrou como um acertado equilíbrio de conhecimento, perícia e capacidades na força de trabalho permitiram ao país obter vantagens da elevada demanda por programas de informática em 2000”, apontou.

Costa Rica e Índia foram dois dos casos pesquisados. Os demais foram Brasil, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e África do Sul, junto com parte da região subsaariana.

Kozul-Wright recomenda que os Estados experimentem suas políticas até encontrarem as apropriadas. “Algum grau de pragmatismo entre políticos e instituições é um traço essencial para um Estado de sucesso”, afirmou à IPS. “Outro fator para o êxito é a habilidade do Estado para impor disciplina entre os destinatários de seu apoio e assim evitar os grupos de interesses com intenções de domínio”, acrescentou.

Segundo Kozul-Wright, “um componente adicional é a ideia de construir consenso. Mesmo os Estados autoritários têm de ser capazes de criar algum grau de legitimidade em amplos setores da população”. Inevitavelmente as transformações estruturais acarretam ganhadores e perdedores, e “é necessária habilidade para tratar com os perdedores e reintegrá-los à estrutura produtiva, ao mesmo tempo em que continua apoiando os vencedores”, ressaltou.

“A criação de consenso entre os setores da população que formam a sociedade inclusiva e dinâmica na economia é outro pilar para um Estado desenvolvimentista de sucesso”, enfatizou Kozul-Wright. “Vemos o exemplo da Ásia do leste e também dos Estados Unidos, que nas últimas duas ou três décadas, em particular, se constituiu em um Estado desenvolvimentista”, afirmou. Envolverde/IPS