Os países desenvolvidos e emergentes têm tecnologia para iniciar a virada para a economia verde, ou de baixo carbono. Mas será preciso criar novas tecnologias para completar essa mudança.
O Brasil investe 1% do PIB em inovação, segundo o governo. É pouco. E deve ser menos, porque essas estatísticas sempre usam critérios muito amplos de classificação, sem a precisão necessária a uma boa avaliação de políticas. Incluem investimentos que não são realmente para inovação. Mas o principal é que o Brasil tem numerosas oportunidades que não aproveita. Esse potencial para a inovação voltada para a sustentabilidade nos poria no caminho das áreas que serão as mais dinâmicas da economia no Século 21.
Temos, por exemplo, domínio e liderança da tecnologia de produção de biocombustíveis de primeira geração. Principalmente, um programa muito competitivo e bem-sucedido de etanol e motores flex. Uma vantagem que vem sendo anulada por políticas contraditórias para combustíveis, com incentivos na direção errada: favorecem os fósseis e prejudicam os biocombustíveis. Além de correções abrangentes na política energética, o Brasil precisaria investir nas tecnologias e processos para biocombustíveis de segunda geração. Investimentos em inovações nesta área, nos permitiriam eventualmente manter a liderança nesse mercado global que vai mudar para a segunda geração ao longo desta década.
Foi em parte isto que Andrew Wykoff, diretor de inovação e tecnologia da OECD, disse a Jacilio Saraiva, do Valor, no 4º Congresso Brasileiro de Inovação na Indústria, em São Paulo. Segundo a matéria, Wykoff disse que “o Brasil não pode pensar numa política de inovação apenas doméstica, mas internacional, e investir em áreas onde já tem estratégias definidas como é o caso do etanol”.
É incompreensível que o governo, ao invés de estimular, impeça a comercialização, pesquisa e desenvolvimento de veículos elétricos no país. Este é o setor que mais crescerá da indústria automotiva neste século e que será dominante no futuro. O Brasil, que teve êxito na experiência de desenvolvimento de motores flex, devia estar investindo e incentivando a busca de melhores soluções para veículos elétricos de todo tipo e para todo uso. Tem preferido bloquear a entrada desse setor.
Como o país não tem uma estratégia para a sustentabilidade, mudança climática e biodiversidade, perde, também, oportunidades em outras áreas, que crescem em muitos países. Há, no momento, intensa movimentação no setor de energia eólica no mercado brasileiro. Com a perspectiva de instalação de várias novas usinas eólicas, empresas produtoras de turbinas estão buscando ocupar o mercado doméstico, inclusive para “desenvolver turbinas específicas para o vento brasileiro”, como disse o diretor de vendas de uma delas, Marcelo Hutschinski, a Rafael Rosas do Valor. Esta especificidade do vento brasileiro já permite, hoje, que a geração eólica tenha no país um fator de capacidade de 40% (relação entre energia potencial e energia firme), pelo que me disseram fontes do setor durante a Brazil WindPower 2011, no Rio. Esse fator de capacidade foi calculado em uma amostra ainda reduzida e tem um viés para tecnologias mais velhas e menos produtivas, porque as usinas mais antigas têm um peso ainda grande em seu cálculo. Ainda assim, já está acima da média nos Estados Unidos e na Europa, que varia entre 28% e 30%, e mesmo na Austrália, que tem ventos menos intermitentes, de 35%. Com a instalação de novas usinas eólicas, com tecnologia atualizada, esse fator aumentará bastante.
A matéria do Valor diz que a competição e a atratividade do investimento em inovação estão sendo alimentados pela perspectiva de termos em funcionamento 282 usinas até 2014, gerando 7,1 Gw. É muito pouco, perto do nosso potencial de geração em terra de no mínimo 146 Gw. Não temos medições offshore, mas há algumas pesquisas indicando que pode ser bem maior que o potencial em terra, dada a extensão da costa e as condições muito favoráveis de vento.
Outro setor de energia limpa renovável em crescimento acelerado, no qual o Brasil tem enorme potencial, deveria estar atuando agressivamente e incentivando inovações, mas despreza e bloqueia, é o de energia solar fotovoltaica. Nosso potencial é provavelmente maior que o eólico. A China está investindo em inovação na produção de placas fotovoltaicas de baixo custo. Estados Unidos e Europa investem muito na busca de novos materiais para placas fotovoltaicas e novas tecnologias, inclusive nanotecnologias, para geração solar. Aqui, nem usamos essa fonte abundante, o que dizer de incentivos à pesquisa, inovação e desenvolvimento nessa área. A primeira usina solar fotovoltaica no Brasil começa a ser implantada agora.
A maior vantagem no Brasil seria a combinação eólica-fotovoltaica. Fontes do setor me informaram que as usinas eólicas usam apenas 4% da terra que ocupam. A instalação de placas solares permitiria mais que dobrar a produtividade energética do uso da terra. As duas fontes têm muita complementaridade e alguma redundância. Ambas são fonte de muita qualidade no Brasil. O vento no Brasil sopra mais dias por ano, mais horas por dia na intensidade adequada à geração eólica. Tem maior estabilidade (menor intermitência) e sopra na mesma direção a maior parte do tempo. É o mesmo caso com solar: temos insolação mais dias por ano e mais horas por dia, na intensidade suficiente para pleno aproveitamento pelas placas fotovoltaicas. Deveriam ser prioridade em nossa política de inovação, pesquisa e desenvolvimento.
A biodiversidade brasileira no que resta de Mata Atlântica, no Cerrado e na Amazônia tem extraordinário potencial para inovação, pesquisa e desenvolvimento. Ela é capaz de sustentar uma grande e diversificada cadeia bioindustrial e biotecnológica, com o benefício fundamental de ajudar a conservar esses biomas, transformando a biodiversidade em fonte de renda e emprego.
Várias empresas, de campos tão distintos quanto saneamento e tecnologia da informação, estão se voltando para as cidades como polo de atração de inovações para a sustentabilidade. A noção de cidades sustentáveis e inteligentes se dissemina. Recentemente, executivos de uma das empresas líderes globais desse setor me disseram que estão abrindo segmento dedicado à sustentabilidade urbana. Há outros exemplos, como relata Jacilio Saraiva na matéria do Valor.
Cidades sustentáveis representam um vasto campo de atuação e inovação, tanto para desenvolvimento de novas tecnologias físicas, como de novos processos de informação e inteligência. Esse campo cobre setores de grande porte e escala, como energia, abastecimento e tratamento de água, saneamento, processamento de resíduos sólidos e orgânicos, logística e transportes, e os vários aspectos da segurança, desde a prevenção e remediação de desastres associados a eventos naturais extremos, até a segurança pública e privada.
Todas essas áreas estão em rápida transformação, muitas são território aberto, sem barreiras à entrada. No conjunto definirão uma boa parte das cadeias econômicas e dos países de maior competitividade na economia verde de baixo carbono do futuro. É a chance do Brasil dar o salto que falta para sair da classe das economias emergentes, para a classe das economias desenvolvidas. E desenvolvimento com maior qualidade do que o crescimento que marcou o século passado. Oportunidades em aberto. E o país não aproveita. Há muita mudança e inovação que podemos liderar. Precisamos de estratégias e infraestrutura básica. A começar pela transformação qualitativa e quantitativa de nosso sistema educacional, da pré-escola à pós-graduação. Não temos a cultura de interação entre universidade e empresas, que permita dinamizar o fluxo de pesquisa, inovação e desenvolvimento de novas tecnologias, novos produtos e processos. Temos algumas das capacidades necessárias para sermos competitivos nesse ciclo de inovação que já está em curso. Precisamos melhorar as capacidades que temos, desenvolver as que não temos e ter uma estratégia clara e sustentada para entrar nessa busca da inovação para a sustentabilidade e para a transição rumo a uma sociedade verde de baixo carbono.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.